1ª VRP|SP: Dúvida – Abertura de matrícula – Especialidade subjetiva – Escritura lavrada na vigência do Decreto nº 4.857/39 – Possibilidade de abrandamento do princípio, diante das peculiaridades de cada caso – Aplicação do art. 176, §2º da LRP – Precedentes – Dúvida improcedente.

Processo 1122432-73.2015.8.26.0100

Dúvida

Registro de Imóveis

E. C. B. V. A.

Dúvida – Abertura de matrícula – Especialidade subjetiva – Escritura lavrada na vigência do Decreto nº 4.857/39 – Possibilidade de abrandamento do princípio, diante das peculiaridades de cada caso – Aplicação do art. 176, §2º da LRP – Precedentes – Dúvida improcedente.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 12º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de E. C. B., após negativa de registro de escritura de compra e venda do imóvel transcrito sob nº 47.930 na mencionada Serventia.

O óbice imposto diz respeito à necessidade de retificação da escritura para que conste os RGs e CPFs de todos os vendedores, bem como a apresentação de cópia dos documentos.

Reconhece o Oficial a possibilidade de aplicação do §2º do Art. 176 da Lei 6.015/73, uma vez que é datada do ano 1963.Contudo, aduz que as peculiaridades do caso levam à impossibilidade desta aplicação pelo Oficial, tendo em vista que não há qualquer forma de qualificação, além dos nomes, na escritura, o que leva à insegurança jurídica, especialmente porque o tabelionato que lavrou a escritura “é conhecido no meio pela quantidade de escrituras a ele atribuídas”, a maioria delas incompletas.

Juntou documentos às fls. 04/32.A suscitada manifestou-se às fls. 33/35. Sustenta que a escritura transfere a propriedade dos atuais proprietários que constam na transcrição nº 47.930 do 12º RI para A. T., demonstrando seu interesse na causa. Pugna pela aplicação do §2º do Art. 176 da LRP, devido à antiguidade da escritura, não sendo as razões apresentadas pelo Oficial suficientes para afastá-la. Juntou documentos às fls. 53/57 e 61/64. Após decisão de fl. 41, o Oficial informou que a caracterização do imóvel objeto da escritura não encontra óbices registrais, para abertura da matrícula a partir da transcrição (fl.44).

O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 39/40).

É o relatório. Decido.

A recusa do Registrador funda-se no princípio da especialidade subjetiva, cuja finalidade é identificar, individualizar, aquele que está transmitindo ou adquirindo algum tipo de direito no registro de imóveis. Contudo, referido princípio não pode ser considerado um fim em si mesmo, sob pena de negar o que pretende proteger, que é a segurança jurídica.

No caso, embora as qualificações das partes no título não estejam perfeitas, há elementos suficientes a eliminar qualquer dúvida quanto às pessoas que figuram como outorgantes e outorgado, conforme será demonstrado.

Assim dispõe o §2º do Art. 176 da Lei 6.015/73:

“§2º Para a matrícula e registro das escrituras e partilhas, lavradas ou homologadas na vigência do Decreto nº 4.857, de 9 de novembro de 1939, não serão observadas as exigências deste artigo, devendo tais atos obedecer ao disposto na legislação anterior”.

A regra geral, no direito registral, é a observância do princípio “tempus regit actum”, que rege que as exigências legais para um registro devem seguir as regras do tempo de sua apresentação, e não de sua lavratura.

Ao dizer que aqueles títulos lavrados na vigência do Decreto 4.857/39 (anterior à lei 6.015/73) não precisam seguir as exigências da nova lei, a norma relativiza o princípio, devendo, para sua aplicação, ser seguido o critério da prudência e ter em vista os demais documentos e circunstâncias de cada caso.

Na presente situação, constata-se que o óbice diz respeito a necessidade de qualificação dos vendedores para a abertura de matrícula, tendo em vista a segurança jurídica. Sobre o tema, diz o item 54 do capítulo XX das NSCGJ:

“Todo imóvel objeto de título a ser registrado deve estar matriculado no Livro 2 de Registro Geral. Caso o imóvel não tenha matrícula própria, esta será obrigatoriamente aberta por ocasião do primeiro registro, (…)”.

A lei 6.015/73 instituiu, no direito registral imobiliário brasileiro, o sistema de matrículas, em que cada imóvel é individualizado e recebe um assento próprio, em detrimento das antigas transcrições, que qualificavam as transmissões de propriedade de forma menos organizada. Com base nesta ideia, qualquer operação relativa ao imóvel, salvo raras exceções, deve constar na matrícula, e sendo ela inexistente, deve ser aberta, conforme a norma acima exposta.

Portanto, o principal objetivo da matrícula é a individualização do histórico dos imóveis. Isto quer dizer que, apesar da importância da qualificação dos proprietários, a matrícula deve existir como representação da existência do bem, com a possibilidade de abrandamento das regras legais para que se alcance este fim, como no exemplo do §2º do Art. 176 da Lei 6.015/73.

Um imóvel que exista, no registro, apenas como objeto de uma transcrição, tem prejudicada a realização de transações imobiliárias, até que se abra uma nova matrícula, visto ser condição legal para o registro. Se tal transcrição é muito antiga, esta abertura se torna mais difícil, e deve ser facilitada tendo em vista tudo que foi acima exposto.

Desta forma, diante da informação de que o imóvel está bem qualificado (fl. 44), entendo ser possível a abertura da matrícula mesmo com problemas na qualificação dos proprietários na escritura de fls. 10/11. Isto porque na transcrição originária (fl. 12/13) constam como proprietários diversas pessoas, com absoluta correspondência com os outorgantes do título que se quer ver registrado. Assim, fica afastada a insegurança jurídica, pois não há dúvidas de que os proprietários tabulares são os outorgantes, mesmo com a falta de qualificação, tendo em vista que isto não era necessário na época de sua lavratura (1963).

Além disso, o Oficial destaca a falta de informações na escritura, mesmo diante do fato de que nela consta a filiação de todos os outorgantes, enquanto na transcrição arquivada no cartório nem mesmo tal dado é apresentado. Em suma: a transcrição nº 47.930, do 12º RI, aponta para a existência de um imóvel, com diversos proprietários. Tal imóvel deve ter uma matrícula aberta, diante do sistema criado pela Lei 6.015/73. Isto se dará com o registro de um título, em que os proprietários outorgam o imóvel. Contudo, o Oficial alega não haver qualificação completa dos outorgantes, o que impediria o registro. No caso, além da correspondência de todos os proprietários, nove no total, com os outorgantes da escritura, esta foi lavrada em 1963, aplicando-se o Art. 176, §2º da LRP, que permite o registro sem a observância de todos os requisitos legais, ficando assim preservada a segurança jurídica esperada dos registros públicos.

No sentido da possibilidade desse abrandamento do princípio da especialidade subjetiva, a AC0039080-79.2011.8.26.0100, j. 20.9.2012, e AC0022011- 63.2013.8.26.0100, j. 18.3.2014, ambas prolatadas pelo E. Conselho Superior da Magistratura.

Portanto, fica afastado o óbice levantado, devendo-se abrir a nova matrícula, em que constará como título originário a Transcrição nº 47.930, o nome de todos os proprietários, e a qualificação do imóvel. Como primeiro registro, constará a escritura de fl.10/11, em que os mesmos proprietários transmitem o bem à A. T., qualificado no título com sua filiação e data de nascimento.

Finalmente, diante dos documentos trazidos aos autos, saliento que o Oficial deve manter seu rigor qualificativo em qualquer registro posterior, para que se garanta, em especial, que o proprietário A. T. é o mesmo outorgante do imóvel, diante da sua qualificação na escritura supracitada.

Do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 12º RI, determinando o registro do título.

Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento.

Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 26 de abril de 2016

Tânia Mara Ahualli Juíza de Direito

(DJe de 28.04.2016 – SP)