STJ: Recurso Especial – Ação declaratória de nulidade de ato e negócios jurídicos – Doação de imóvel por intermédio de procurador – Tribunal a quo que reputou inválida a primeira procuração outorgada em razão da falsidade do conteúdo a despeito da autenticidade da assinatura, mantendo a higidez dos demais instrumentos de mandato ante a ausência de provas quanto à sua falsificação – Alegação de que o instrumento carece dos elementos mínimos para a sua validade, notadamente a particularização do donatário – Recurso Especial provido.

Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.575.048 – SP (2015/0153590-1)

RELATOR : MINISTRO MARCO BUZZI

RECORRENTE : OCEANFRONT INVESTMENTS LTD

ADVOGADOS : TIAGO MACHADO CORTEZ E OUTRO(S)

VICTOR FELFILI ARAGÃO E OUTRO(S)

DANILO ORENGA CONCEIÇÃO E OUTRO(S)

OLIVIER HAXKAR JEAN

RECORRIDO : CINTIA PESSOA CANDIDO HERCULANO

RECORRIDO : FLAVIO LIMA DO NASCIMENTO

ADVOGADO : MARCELO PAIVA PEREIRA E OUTRO(S)

EMENTA

RECURSO ESPECIAL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO E NEGÓCIOS JURÍDICOS – DOAÇÃO DE IMÓVEL POR INTERMÉDIO DE PROCURADOR – TRIBUNAL A QUO QUE REPUTOU INVÁLIDA A PRIMEIRA PROCURAÇÃO OUTORGADA EM RAZÃO DA FALSIDADE DO CONTEÚDO A DESPEITO DA AUTENTICIDADE DA ASSINATURA, MANTENDO A HIGIDEZ DOS DEMAIS INSTRUMENTOS DE MANDATO ANTE A AUSÊNCIA DE PROVAS QUANTO À SUA FALSIFICAÇÃO – ALEGAÇÃO DE QUE O INSTRUMENTO CARECE DOS ELEMENTOS MÍNIMOS PARA A SUA VALIDADE, NOTADAMENTE A PARTICULARIZAÇÃO DO DONATÁRIO – RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

Hipótese: A controvérsia dos autos reside na análise acerca da aventada nulidade da doação por procuração quando descumpridos requisitos essenciais determinados na lei.

1. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei a exigir expressamente. A doação, no entanto, é negócio jurídico contratual essencialmente formal, porquanto a própria lei especifica que ocorrerá por escritura pública ou instrumento particular, notadamente quando perfectibilizado por intermédio de mandato, cuja outorga está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado.

2. Para a validade de escritura de doação realizada por procurador não bastam poderes para a liberalidade, de modo genérico, é indispensável a menção do respectivo objeto e do donatário, o que não ocorreu na espécie.

3. Ademais, no caso, é incontroverso o fato de que não houve a indicação do donatário do imóvel, bem ainda que a primeira procuração é falsa, a sugerir, a partir da cronologia dos fatos, que o negócio jurídico fora entabulado com a figura do falsus procurator .

4. Recurso especial provido para julgar parcialmente procedente os pedidos a fim de declarar a nulidade da escritura de doação lavrada com base nas procurações de fls. 106-109.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira.

Brasília (DF), 23 de fevereiro de 2016 (Data do Julgamento)

MINISTRA MARIA ISABEL GALLOTTI

Presidente

MINISTRO MARCO BUZZI

Relator

RELATÓRIO

O SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por OCEANFRONT INVESTMENTS LTD., fundado no artigo 105, inciso III, alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, desafiando acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo.

Depreende-se da inicial (fls. 1-31) que OCEANFRONT INVESTIMENTS LTD. ajuizou ação declaratória de nulidade de ato e negócios jurídicos em face de CINTIA PESSOA CÂNDIDO e FLÁVIO LIMA DO NASCIMENTO, alegando, em síntese, a invalidade de procurações outorgadas à ré Cíntia e da escritura de doação cujo beneficiário é Flávio.

Afirma ser pessoa jurídica constituída em janeiro/1996 perante as Ilhas Virgens Britânicas, oportunidade em que nomeou como seu único representante legal o Sr. Philippe Marie Jean, motivo pelo qual seriam inválidos quaisquer atos e negócios jurídicos realizados por pessoa diversa.

Narra a autora que por escritura pública datada de 12/08/1996 adquiriu o imóvel objeto da matrícula n° 86.498 do 15° Cartório de Registro de Imóveis da Comarca da capital, consistente na casa nº 404, da Rua Saigh Filho, atual Rua Salwa Saight Calfat, nº 241, Morumbi, São Paulo.

Na data de 01 de dezembro de 2003, o representante legal da demandante (Sr. Philippe Marie Jean) recebeu em seu escritório correspondência anônima informando que o referido imóvel havia sido doado a uma pessoa física desconhecida, com preço estimado em R$ 596.266,00 (quinhentos e noventa e seis mil, duzentos e sessenta e seis reais) consoante o valor venal atribuído ao imóvel pela Prefeitura do Município de São Paulo.

Em contato com o Cartório de Registro de Imóveis competente, desvendou a existência de escritura de doação do bem na qual a demandante Oceanfront estaria representada por procuração especial pela ré Cíntia Pessoa Candido – com quem o Sr. Philippe havia mantido relacionamento amoroso – tendo essa, perante o 1º Tabelionato de Notas da Capital, doado o imóvel acima descrito ao donatário Flávio Lima do Nascimento, seu primo.

Na carta anônima recebida, havia cópia intitulada “Limited Power Of Attorney” (Procuração Especial), datada de 11/09/2003, documento esse onde consta que a empresa Oceanfront, por sua diretora Tortola Corporation Company Limited, representada pelos procuradores Kevin Smith e Nixia Titley, teria conferido à primeira ré poderes gerais para todos os assuntos; bem ainda cópia de procuração com data de 30/09/2003, na qual ampliados os poderes de atuação da primeira corré, conferindo-lhe poderes para comprar, vender, alugar e doar o imóvel sito a Rua Salwa Saigh Calfat, nº 241, Morumbi, São Paulo.

Afirmou a autora, também, que, em 30/05/2003, ocorreu roubo/furto às dependências do escritório do Sr. Philippe (empresa Dry Clean USA Lavanderias Ltda.), o que foi noticiado à autoridade policial por meio de boletim de ocorrência, porém, à época do acontecido, não se teria notado que toda a documentação pessoal do Sr. Philippe e da empresa Oceanfront tivesse sido objeto de furto, o que somente foi apercebido quando de posse do referido dossiê anônimo.

Narra a inicial, ainda, que, em virtude da documentação encartada ao referido portfólio pode verificar que o apresentante do título – escritura de doação -, para registro perante o 15º Cartório de Imóveis foi a pessoa de Genilson José do Nascimento, então empregado na empresa Dry Clean da qual o Sr. Philippe é sócio, e estava afastado para suposto tratamento de câncer desde o dia 25/11/2003, com alegada cirurgia marcada para o dia 28/11/2003 na cidade de Porto Alegre.

Somente quando em curso o inquérito policial, após análise conjunta dos depoimentos das partes e cronologia dos fatos, verificou-se que Genilson (funcionário da companhia Dry Clean e jamais foi acometido de doença alguma) é tio de Cíntia, e Flávio (donatário), o primo desta, ocorrendo verdadeira trama armada pelos réus visando praticar ato fraudulento envolvendo a autora e seu único e exclusivo procurador, o Sr. Philippe Marie Jean.

Prossegue a inicial sustentando que não obstante a caracterização da fraude, a corré Cíntia, dizendo-se representante da autora, impetrou o mandado de segurança n° 360.478-4/1, perante o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, visando afastar os efeitos da decisão prolatada pelo juízo da 1ª Vara de Registros Públicos, que, diante de pedido de providência intentada pela empresa Ocenafront, proferiu liminar determinando o bloqueio de qualquer registro na matrícula 86498 do 15º Cartório de Registros de Imóveis da Comarca da Capital.

Fora denegada a segurança pretendida, porquanto verificado que nenhum prejuízo haveria aos réus ou terceiros com a apuração efetiva dos fatos para que qualquer ato de transferência de propriedade pudesse se operar (decisões às fls. 165-166 e 180-186).

Em diligência para obtenção dos documentos legais relativos à autora em seu país sede, foram prestadas informações pela empresa Tortola Corporation Company Ltd., sua diretora, no sentido de que a demandante teria sido “excluída” (“struck off’) do registro de sociedades desde novembro de 1997. Com base neste documento, foi emitida opinião legal (parecer) por advogado habilitado naquele país, declarando, expressamente, que, nesta condição, a autora jamais poderia ter outorgado qualquer procuração válida (fls 197-198).

Em curso da investigação criminal, correspondências eletrônicas foram enviadas ao Sr. Philippe confirmando o desvio de documentos e do patrimônio da empresa, bem ainda, dando ensejo à apuração no âmbito criminal dos ilícitos de ameaça, extorsão, interceptações telefônicas clandestinas, entre outros.

Pediu a demandante, em síntese, a concessão de tutela antecipada, de modo a que fosse determinado, i) ao Oficial do 1º Cartório de Notas da Capital do Estado de São Paulo que anotasse à margem da escritura de doação constante do Livro 3415, página 137, o ajuizamento da presente ação visando à declaração de nulidade daquela escritura e que tal anotação permaneça até o trânsito em julgado da decisão a ser aqui proferida, constado, inclusive, dos traslados a serem eventualmente solicitados; e ii) ao Oficial do 15º Cartório de Registro de Imóveis da Capital, a prenotação na matrícula n° 86.498 (na qual já estava mencionada a decisão proferida pelo Juízo da 1ª Vara de Registros Públicos), acerca da propositura da presente demanda objetivando a declaração de nulidade da escritura de doação.

Requereu o envio de ofício ao Juízo da 1ª Vara de Registros Públicos do Foro Central da Comarca da Capital, nos autos do processo nº 000.03.153584-4 e, também, ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos autos do mandado de segurança nº 360.478-4/1, a fim de dar-lhes ciência acerca da propositura desta ação e a eventual concessão de antecipação parcial dos efeitos da tutela.

Pleiteou, ao final, fosse(m) declarada(s) nula(s) i) a procuração outorgada em 02 de setembro de 2002, uma vez que fraudulentamente forjada e nela falsificada a assinatura do único e exclusivo procurador; ii) as procurações outorgadas em 11 e 30 de setembro de 2003, porquanto originadas de documento falso e elaboradas em desacordo com a legislação do país sede da autora; iii) a escritura de doação lavrada indevidamente em nome da autora pela corré Cíntia perante o 1º Tabelião de Notas da Capital do Estado de São Paulo (Livro 3415, página 137) e levada a registro perante o 15º Cartório de Registro de Imóveis daquela capital, haja vista estar embasada em documentos inaptos à formalização do ato, bem ainda, por ter a doação se referido à integralidade do patrimônio da autora.

O magistrado a quo deferiu em parte a antecipação de tutela (fls. 209) relativamente à expedição dos ofícios aos cartórios.

Citados, os réus apresentaram contestação (fls. 265-274), arguindo, em preliminar, a má-fé processual e vício de representação legal da empresa; e, no mérito, a existência de relação de extrema confiança entre Cíntia e Philippe, tanto que este último outorgou procuração particular em 02/09/2002, conferindo-lhe amplos poderes, que foi revogada em 10/03/2004; bem ainda, que os fatos narrados não ocorreram como delimitados na petição inicial, notadamente em virtude da conclusão do Inquérito Policial 01/04 que tramitou perante a 2ª Delegacia Seccional revelar a inexistência de qualquer ilícito que culminasse na invalidade da procuração outorgada pela diretora da empresa autora diretamente à requerida Cíntia.

Laudo judicial às fls. 747-770 e 806-807 concluindo que apesar da assinatura na procuração datada de 02/09/2002 ser autêntica, foram constatados elementos indicativos de aproveitamento in albis da assinatura de Philippe Marie Jean lançada em branco.

O magistrado a quo, pela sentença de fls. 897-902, julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial, revogando a antecipação de tutela concedida e condenando a autora no pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da causa.

Irresignada a empresa demandante interpôs apelação, a qual foi parcialmente acolhida, apenas para declarar a invalidade da procuração outorgada por Philippe Marie Jean encartada aos autos às fls. 699, porém mantendo hígidos os demais instrumentos de mandato, bem ainda a doação efetuada, pois a declaração de invalidade/ineficácia daquele documento não tem, segundo o Tribunal a quo, maiores repercussões sobre os demais atos/negócios jurídicos que a acionante pretendia anular.

Confira-se, a ementa do referido julgado:

AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO E NEGÓCIO JURÍDICO – Pleito ajuizado por empresa em face de procuradora por ela constituída e em face de donatário de bem imóvel anteriormente pertencente à autora – Pretensão de declaração de nulidade de procuração particular, procurações outorgadas nas Ilhas Virgens Britânicas e de escritura de doação – Sentença de improcedência – Inconformismo da autora – Empresa constituída nas Ilhas Virgens Britânicas – Conclusão da perícia técnica realizada nos autos no sentido de que a assinatura constante na procuração particular foi lançada “in albis” – Ineficácia e invalidade de tal documento, nos termos do artigo 388, inciso II, do Código de Processo Civil – Invalidade da procuração particular, porém, que não tem repercussão na validade das procurações outorgadas nas Ilhas Virgens Britânicas – Ausência de demonstração de que as procurações especiais outorgadas nas Ilhas Virgens Britânicas são oriundas da inválida procuração particular – Eventuais irregularidades das procurações especiais, ademais, que deveríam ser comprovadas conforme as leis do pais no qual os referidos atos foram constituídos, nos termos do artigo 13 da LINDB (antigamente denominada de LICC) – Eficácia das procurações especiais que indicam a validade da escritura de doação, haja vista que esta foi levada a efeito com apresentação de um dos referidos instrumentos de mandato elaborados nas Ilhas Virgens Britânicas, e não com a apresentação da procuração particular ora declarada ineficaz – Irrelevância, outrossim, da alegação de aplicação do artigo 548 do Código Civil em vigor, pois tal dispositivo legal não ampara as pessoas jurídicas – Precedente deste Tribunal de Justiça neste sentido – Acolhimento do recurso tão somente para declarar ineficaz a procuração particular, sem repercussão nos demais atos e negócios que a autora pretendia anular – Recurso parcialmente provido.

Opostos embargos de declaração, esses foram rejeitados pelo acórdão às fls. 1.079-1.091.

Nas razões do especial (fls. 1.094-1.113), a insurgente apontou, além de dissídio jurisprudencial, violação dos artigos 166, inciso IV, e 661, § 1º, do CC/2002.

Sustentou, em síntese, a nulidade absoluta da doação consubstanciada em instrumento procuratório que não cumpre as formalidades legais, notadamente a ausência de indicação do beneficiário da liberalidade.

Contrarrazões às fls. 1.136-1.143.

Em juízo de admissibilidade, foi negado seguimento ao reclamo, o que levou à interposição do agravo (fls. 1.149-1.163), que restara convertido em recurso especial para melhor análise da controvérsia (fls. 1.196-1.197).

É o relatório.

O SR. MINISTRO MARCO BUZZI (Relator):

O recurso merece prosperar.

A controvérsia instaurada nestes autos reside na análise acerca da aventada nulidade de doação de imóvel, celebrada por meio de procuração, quando essa não cumpre os requisitos essenciais determinados na lei.

1. Primeiramente, para bem delimitar a controvérsia e as premissas sobre as quais se assenta a demanda, transcreve-se trechos da sentença a fim de melhor elucidar os fatos relacionados ao encadeamento dos instrumentos de mandato que culminaram na doação do imóvel:

O laudo pericial produzido nos autos concluiu, de forma cabal, que a assinatura atribuída ao representante legal da autora e que consta da procuração de fls. 588 é autêntica e, concluiu, ainda que, houve aproveitamento da procuração lançada “in albis”. Assim, a tese da autora de que a assinatura da procuração de fls. 2002 é falsa não prospera. (…)

A ré afirmou que a procuração lhe foi outorgada por Philippe e não pela autora, em virtude de relacionamento amoroso entre eles.

Alegou, ainda que, o imóvel foi dado, pois pretendiam ali residir, após a separação dele. A procuração não permitia que o imóvel fosse transferido para seu nome, razão pela qual realizou a doação a Flávio.

O depoimento de Flávio é no mesmo sentido.

A procuração outorgada pela autora ao seu representante legal (Philippe), cuja cópia encontra-se a fls. 34/36 permite que ele pratique todo e qualquer ato em nome da sociedade, inclusive o de venda, compra de imóveis.

Pela procuração de fls. 588, a autora representada por seu representante legal, que tinha amplos poderes para assinar quaisquer escrituras, contratos, venda e compra de imóveis. Com esta procuração, cuja assinatura é verdadeira, outra foi lavrada, de forma específica para a venda do referido imóvel nas Ilhas Virgens Britânicas (fls. 82).

A assinatura do representante legal da autora é autêntica segundo prova pericial produzida nestes autos.

A mesma conclusão foi obtida nos autos do inquérito policial. A Dra Perita Judicial informou que há elementos de aproveitamento da assinatura do representante legal da autora, que teria assinado papel “em branco” o que não caracteriza, por si só, a falsidade do conteúdo do documento.

Em esclarecimentos quanto à autenticidade do documento de fls. 588, a Dra Perita Judicial disse que os elementos impedem qualquer manifestação a respeito, eis que demonstram o aproveitamento da assinatura do representante legal lançada “em branco”. (grifos nossos)

Da narrativa acima exposta, depreende-se a existências de três instrumentos de mandato supostamente outorgados à ré Cíntia: i) o primeiro lavrado no Brasil e assinado por Philippe Marie Jean, enquanto representante da pessoa jurídica ora autora; ii) outros dois, perfectibilizados nas Ilhas Virgens, assinados por representantes de Tortola Corporation Company Limited, pessoa jurídica diretora da ora demandante.

Ressalta-se que a Corte a quo reputou inválido o mandato assinado por Philippe Marie Jean, porquanto, a despeito da assinatura deste ser verdadeira, o conteúdo encartado no referido instrumento fora elaborado após a rúbrica.

Entretanto, no que tange às demais procurações outorgadas diretamente por representantes da diretora da empresa Oceanfront – Tortola Corporation Company Ltd. -, o Tribunal de origem manteve a validade dos instrumentos, face a constatação da adequação das assinaturas e do ato jurídico que culminou com a escritura pública de doação do imóvel, porquanto ausente prova de que os poderes estabelecidos nas demais procurações não expressariam a vontade real da mandante.

Uma vez estabelecidas as premissas fáticas pertinentes ao deslinde da controvérsia, procede-se ao exame do contrato de doação, de suas características essenciais, bem como das formalidades intrínsecas a tal pacto, a fim de que, ao final, possa-se inferir acerca da validade ou não da doação de imóvel entabulada entre a pessoa jurídica autora, por meio de procuração outorgada à ré Cíntia, ao requerido Flavio Lima do Nascimento, suposto donatário do bem.

2. Pois bem, objetivamente, nos termos legais (art. 538 do Código Civil), “considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra“.

De forma subjetiva, representa um gesto de generosidade ou filantropia que resulta da vontade desinteressada do doador de praticar uma liberalidade. É contrato festejado na sociedade em virtude da valorização que se dá às condutas animadas pela solidariedade e caridade.

A despeito do caráter de liberalidade (animus donandi) , existe no âmbito jurídico uma dupla preocupação relativamente a essa modalidade contratual: “de um lado, a permissão da prática da liberalidade como legítima e espontânea manifestação de vontade; de outra banda, o estabelecimento de uma proteção fundamental à pessoa do doador, evitando prejuízos a quem pratica um ato de generosidade ” (FARIAS. Cristiano Chaves de. Curso de direito civil: contratos. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2015, p. 704)

Essa preocupação é latente em virtude da doação constituir um “contrato pelo qual uma das partes se obriga a transferir gratuitamente um bem de sua propriedade para o patrimônio da outra, que enriquece à medida que aquela empobrece ” (GOMES, Orlando. Contratos. 26 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 253), constituindo verdadeira relação de causalidade entre o empobrecimento, por liberalidade, e o enriquecimento.

Assim, atento ao risco de o nobre propósito da doação ser desvirtuado ou forjado, inclusive por indevida utilização a fim de mascarar negócio jurídico distinto, existem institutos vocacionados a controlar a sua regularidade, sendo que sua caracterização depende da conjugação de elementos subjetivos e objetivos, quais sejam: i) o sujeito (doador e donatário); ii) o objeto a ser doado; iii) o animus donandi (intenção/vontade do doador de praticar a liberalidade visando enriquecer o donatário); iv) a transferência de bens ou vantagens em favor do donatário; v) a aceitação de quem recebe, afinal é com o consentimento de quem se beneficia que passa o donatário a assumir deveres éticos, morais e jurídico para com o benfeitor e vi) a forma pela qual se opera a doação.

Pois bem, o ordenamento jurídico positivo brasileiro, de forma expressa, nos termos do artigo 107 do Código Civil, consagrou para os negócios jurídicos a regra segundo a qual “a validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei a exigir expressamente “, ou seja, consoante o princípio da liberdade da forma, os negócios formais e solenes constituem exceção.

Assim, quando a norma impor determinado revestimento para o ato, mediante a observância de determinada solenidade ou forma especial, diz-se que o negócio é ad solemnitatem .

A doação é negócio jurídico contratual essencialmente formal, porquanto consoante estabelecido pelo artigo 541, caput, do Código Civil, a lei impôs: “a doação far-se-á por escritura pública ou instrumento particular“.

Afirma-se, de modo categórico, o caráter formal das doações de imóveis, por se extrair da determinação prevista no artigo 108 do diploma civil que “(…) a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País“, tal como é o dos presentes autos. Nessa medida, qualquer ato/negócio que importe modificação da titularidade de direitos reais é essencialmente formal.

Certamente “a exigibilidade da forma não ofusca ou minimiza a liberalidade como pedra de toque desse contrato, porquanto a doação caracteriza-se muito mais pela sua própria natureza do que o revestimento exterior

do ato“, notadamente porque, nessa modalidade contratual, para o seu aperfeiçoamento, devem concorrer os elementos objetivos e subjetivos inerentes à espécie. (GAGLIANO, Pablo Stolze – O contrato de doação: análise crítica do atual sistema jurídico e seus efeitos no direito de família e das sucessões. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 18)

Na hipótese ora em foco, a discussão consiste justamente na análise acerca da implementação desses elementos, bem ainda se o procedimento utilizado respeita não só a vontade do doador (animus donandi ), como também a determinação da lei para a prática do ato.

A recorrente assevera a nulidade absoluta da doação ao primo da mandatária, porquanto a liberalidade consubstanciada por meio de procuração carece dos requisitos legais, isso porque não indica quem seria o donatário do imóvel, tampouco estaria perfectibilizada a manifestação volitiva do doador.

O Tribunal de origem, com amparo nos elementos de convicção dos autos, a despeito de ter modificado a sentença para declarar ineficaz a procuração outorgada por Philippe Marie Jean em virtude da constatação da abusividade da declaração lançada no documento após a assinatura em papel em branco, aduziu inexistirem elementos nos autos aptos a denotarem que as procurações especiais elaboradas nas Ilhas Virgens Britânicas, outorgadas por Kevin Smith e Nixia Titley, procuradores da empresa Tortola Corporation Company Ltd., diretora da Oceanfront, ora recorrente, contenham qualquer irregularidade, notadamente em razão da ausência de prova de que as procurações especiais foram oriundas ou possuem qualquer vínculo com o mandato particular invalidamente outorgado por Philippe.

A Corte local asseverou, ainda, a inviabilidade de desconstituir procurações outorgadas em país diverso do Brasil, por desconhecer se todos os trâmites necessários (à luz do ordenamento jurídico das Ilhas Virgens Britânicas), foram ou não observados, motivo pelo qual, apesar de não constar no instrumento a indicação do donatário do imóvel, não poderia invalidar a doação realizada, pois “a procuração é clara ao nomear e constituir Cintia Pessoa Cândido para representar a empresa em todos os assuntos relativos à compra, venda, locação e doação do imóvel, sem estabelecer qualquer restrição ou condicionamento”, de modo que bem

delineado o animus donandi.

A propósito, confira-se o trecho do julgado (fls. 1088-1089):

Respeitado o empenho da recorrente e sua boa argumentação, a análise da procuração elaborada no exterior e traduzida para o Português (fls. 79/82) não deixa dúvida a respeito da intenção manifestada pela empresa outorgante, que deve ser respeitada. A procuração é clara ao nomear e constituir Cintia Pessoa Cândido para representar a empresa em todos os assuntos relativos à compra, venda, locação e doação do imóvel, sem estabelecer qualquer restrição ou condicionamento.

A embargante invoca precedente desta relatoria, em sentido contrário. A matéria fática envolvida, todavia, é diversa.

Como quer que seja, a procuração de fls. 79/82, conquanto não indique o donatário do imóvel, contém todos os outros requisitos autorizadores da doação, de forma que é razoável que se conclua por sua validade, vale dizer, de modo que está bem delineado o “animus donandi” da mandante. (grifos nossos)

A despeito da inviabilidade do revolvimento do acervo fático-probatório dos autos, é incontroverso o fato de que não houve a indicação do donatário do imóvel, bem ainda que a primeira procuração é falsa. Depreende-se, ainda, que os instrumentos de mandato utilizados não ostentam todos os requisitos legais, dentre os quais, a outorga de poderes específicos, tanto que do voto divergente constante de fls. 1090-1091, extrai-se o seguinte:

A moralidade dos atos jurídicos não é elemento estranho à validade e eficácia dos atos jurídicos da vida privada.

Não por outra razão, o Código Civil permite ao juiz conhecer de ofício a nulidade dos negócios jurídicos, em seu artigo 168, parágrafo único, como maneira de garantir efetividade à invalidade absoluta dos atos jurídicos que repugnem ao sistema.

É, também, em benefício da moralidade a norma do artigo 661, parágrafo 1º, do mesmo diploma legal, ao impedir o desvio de mandato em desfavor do mandante e, possivelmente, em benefício do mandatário quanto a atos de alienação de bens.

Sem dúvida, esse requisito do instrumento de mandato, para esse fim, se enquadra entre aquelas formas jurídicas cujo descumprimento conduz à nulidade do negócio jurídico (art. 166, inciso IV, CC).

No caso em exame, a demandada, valendo-se de procuração sem indicação de poderes especiais e expressos (vide fls. 77 e 82), realizou a doação de imóvel ao corréu, que é seu primo (fls. 111/113).

O ato de doação impugnado pela demandante, é certo, repugna à moralidade média, fazendo supor o desvio do mandato. Colide, a esse propósito, com as referidas normas voltadas à preservação da ética nos negócios privados. (grifos nossos)

Ressalte-se que o ordenamento jurídico permite a doação de imóvel por procurador constituído pelo doador, desde que ostente instrumento de mandato com poderes especiais, nos termos do artigo 661, §1º, do Código Civil.

Art. 661. O mandato em termos gerais só confere poderes de administração.

Para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos.

Consequentemente, por absoluta lógica jurídica, quando a lei exigir para o ato almejado instrumento público, como ocorre no caso em apreço (doação) com valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país (art. 108 do CC), a procuração outorgada para a sua prática deve observar, necessariamente, a forma pública.

É o que se extrai também do art. 657 do Código Civil:

“Art. 657. A outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado. Não se admite mandato verbal quando o ato deva ser celebrado por escrito”. (grifo nosso)

Assim, diante da solenidade que a doação impõe, em razão da disposição de patrimônio que acarreta, somente o mandatário munido de poderes especiais para o ato, constituído por instrumento público – no caso em apreço o imóvel exorbita trinta vezes o maior salário mínimo vigente no país – é que pode representar a empresa/autora.

Na hipótese, sendo incontroverso a inexistência de indicação do donatário do imóvel na procuração elaborada, nula é a doação, pois ela só se perfectibiliza se for mencionado na procuração o donatário a quem o doador quer beneficiar, não bastando o animus donandi indeterminado.

O doutrinador Pablo Stolze Gagliano na obra “O contrato de Doação” é enfático em asseverar que:

A doutrina e a jurisprudência brasileiras têm admitido a doação por procuração, desde que o doador cuide de especificar o objeto da doação e o beneficiário do ato (donatário).

Tal situação, aliás, não proibida por lei, já era prevista no Anteprojeto de Código de Obrigações, elaborado pelo grande CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA:

“Art. 432: Não vale a doação que se faça por procurador, salvo investido de poderes especiais, com indicação expressa do donatário, ou de um dentre vários que o doador nominalmente mencionar”.

Ora, desde que a referida procuração contenha poderes especiais, indicando, por conseguinte, o beneficiário da liberalidade e do bem doado, não vemos óbice a que se reconheça validade e eficácia ao ato, consoante anotam NELSON NERY JUNIOR e ROSA MARIA DE ANDRADE NERY:

“Para a validade de escritura de doação realizada por procurador não bastam poderes para a liberalidade, de modo genérico. É indispensável a menção do donatário, bem como o objeto respectivo. No mesmo sentido: RT 495/44 (RT 472/95)”

Respeita-se, assim, a autonomia da vontade do doador representado, sem risco à segurança jurídica. (GAGLIANO, Pablo Stolze – O contrato de doação: análise crítica do atual sistema jurídico e seus efeitos no direito de família e das sucessões. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 181)

Esta Corte Superior Tribunal de Justiça já se manifestou sobre o assunto, exarando o entendimento de que o animus donandi materializa-se pela indicação expressa do bem e do beneficiário da liberalidade, razão por que é insuficiente a cláusula que confere poderes genéricos para a doação do imóvel.

Nesse sentido:

Civil. Recurso especial. Doação praticada por ex-marido com o uso de mandato conferido pela esposa durante a vivência conjugal. Ausência de poderes específicos para a prática do ato. Nulidade. – Ausente o prequestionamento, não há que se conhecer da alegada violação a lei federal. – Reconhece-se a existência da vontade de doar, por parte do mandante, apenas quando do instrumento de mandato constar, expressamente, a individualização do bem e o beneficiário da liberalidade, sendo insuficiente a cláusula que confere poderes genéricos para a prática do ato jurídico. Recurso especial ao qual se nega provimento. (REsp 503.675/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 03/05/2005, DJ 27/06/2005, p. 366 – grifo nosso)

Na hipótese ora em foco, pela simples leitura do acórdão recorrido, verifica-se que as procurações não cumprem os requisitos mínimos para o ato de liberalidade, porquanto, além de terem sido elaborados por instrumento particular, o que contrasta com o regramento pátrio (artigos 108 e 657 do Código Civil) que exige, para doação de imóvel com valor superior a trinta salários mínimos, a forma pública, no documento datado de 11/09/2003 conferiu-se, apenas, poderes gerais e, naquele redigido em 30/09/2003, outorgou-se, tão somente, poder genérico de doação, visto inexistir menção ao eventual beneficiário/donatário do imóvel.

Assim, a escritura de doação é reputada nula em virtude de não cumprir/atender os requisitos legais.

Ademais, apenas para corroborar, é incontroverso o fato de que além de não ter havido a indicação do donatário do imóvel nas procurações, o primeiro instrumento de mandato cuja assinatura é atribuída a Philippe Marie Jean é falso, conforme expressamente mencionado pelo Tribunal a quo, a sugerir/indicar, a partir da cronologia dos fatos, que o negócio jurídico de doação fora entabulado com a figura do falsus procurator (falso procurador), ou seja a representação sem poderes quando o pretenso representante atua ilegitimamente sem que lhe tenham sido deferidos poderes para agir em nome do dominus negotii (dono do negócio).

A representação sem poderes pode ocorrer por nunca terem sido conferidos poderes ao pretenso representante, ou por terem cessado ou se exaurido os poderes anteriormente conferidos. (…)

O ato ou negócio jurídico realizado pelo falso procurador encontra-se perfeito e acabado, contendo todos os elementos necessários à sua formação e validade.

Não há necessidade de acrescentar ou modificar nenhum dos elementos essenciais do negócio jurídico.

Porém, não é oponível ao dominus negotii, já que a outorga de poderes é necessária para a licitude do negócio jurídico representativo. Também não produz efeitos com relação ao dominus negotii, em razão da falta de

legitimidade da conduta do representante, já que este agiu sem lhe terem sido confiados os poderes necessários para a sua atuação. (MAIA JÚNIOR, Mairan Gonçalves. A representação no negócio jurídico. 2.ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 154-156)

Ressalte-se, também, que segundo a regra do parágrafo único do art. 662 do Código Civil, a doação feita por mandatário, que para tanto não dispunha de poderes, considerar-se-á válida, se ratificada pelo doador, de forma expressa ou por qualquer outro modo inequívoco, retroagindo os efeitos da ratificação até a data do contrato. Na presente hipótese, essa possibilidade de ratificação, por óbvio, não ocorreu, notadamente em virtude de estar a empresa litigando com o objetivo de estabelecer a ineficácia e invalidade dos atos realizados decorrentes do suposto mandato, bem ainda, demonstrar a inequívoca ausência do alegado animus donandi.

Por sua vez, a argumentação dos demandados no sentido de que o imóvel teria sido dado como presente à ré Cíntia, ainda que em virtude do suposto relacionamento amoroso mantido com o representante da autora (Philippe) não prospera, pois, além de nem mesmo o representante da empresa Sr. Philippe ter poderes para promover a doação do referido imóvel, verifica-se, conforme

expressamente mencionado pelo magistrado de piso (sentença de fls. 897-902), que a procuração cuja assinatura é autêntica, porém cujos elementos permitem concluir pelo aproveitamento da assinatura lançada em papel em branco, além de não mencionar poderes de doação, não possui qualquer elemento apto a permitir que o imóvel objeto da presente controvérsia fosse transferido à ré Cíntia, por intermédio de interposta pessoa.

E ainda, não refutaram os demandados a assertiva de que a empresa Oceanfront promoveu a revogação perante o tabelionato de toda e qualquer procuração que tenha sido outorgada à ré Cíntia, reconhecendo como inválidos os atos praticados, especialmente a escritura de doação.

Diante desse contexto, correto afirmar que o vício de forma inquina de nulidade absoluta a escritura pública de doação, tal como descrito pelo artigo 166, incisos IV e V, do Código Civil de 2002:

Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando:

(…)

IV – não revestir a forma prescrita em lei;

V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade;

(…)

É consabido que as nulidades absolutas não se convalidam, devendo, nos termos do artigo 168, parágrafo único, do Código Civil, serem pronunciadas pelo julgador, “quando conhecer do negócio jurídico ou dos seus efeitos e as encontrar provadas, não lhe sendo permitido supri-las, ainda que a requerimento da parte“.

Desta forma, não cumprindo o instrumento de mandato para a perfectibilização da doação os requisitos mínimos e, não sendo possível confirmar o animus donandi da demandante com eventual ratificação dos procedimentos realizados pelo suposto mandatário, deve o ato de liberalidade ser reputado ineficaz perante o mandante e nula a escritura de doação.

Consigne-se, por fim, que, a despeito do tema afeto à nulidade da escritura de doação estar atrelado a questões referentes aos instrumentos de mandato, é inviável, na presente esfera processual, a declaração de invalidade das duas procurações outorgadas pelos representantes da diretora da empresa Oceanfront (Kevin Smith e Nixia Titley) por faltarem subsídios concretos e aptos para tanto, limitando-se esse provimento à declaração de sua ineficácia em relação à doação entabulada entre os réus, que é reputada nula ante a inobservância da forma pública de mandato e, ainda, em virtude da não previsão do donatário do referido bem.

Ressalte-se, inclusive, que se pode considerar a perda superveniente do objeto dos pedidos relacionados à nulidade das procurações em virtude da empresa já ter promovido ad cautelam a revogação dos mandatos outorgados à ré Cíntia Pessoa Cândido.

3. Do exposto, dou provimento ao recurso especial e julgo parcialmente procedente os pedidos para: a) reconhecer a nulidade da escritura de doação lavrada perante o 1º Tabelião de Notas da Capital do Estado de São Paulo (Livro 3415, página 137) e levada a registro perante o 15º Cartório de Registro de Imóveis daquela capital; b) determinar a expedição de ofício ao 1º Cartório de Notas da Capital do Estado de São Paulo para que anote à margem da escritura de doação constante do Livro 3415, página 137, a declaração de nulidade do referido negócio jurídico; e, c) determinar a expedição de ofício ao 15º Cartório de Registros de Imóveis da Capital do Estado de São Paulo a fim de que proceda à anotação na matrícula n° 86.498 a anulação da doação realizada.

Ante a sucumbência mínima da autora, fixa-se custas e honorários advocatícios pelos demandados, esses últimos arbitrados em R$ 20.000,00 (vinte mil reais) nos termos do artigo 20, § 4º do CPC, ante o trabalho despendido, a complexidade e o tempo de duração da demanda.

É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

QUARTA TURMA

Número Registro: 2015/0153590-1 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.575.048 / SP

Números Origem: 20050267268 50267264 91794113520098260000

PAUTA: 23/02/2016 JULGADO: 23/02/2016

Relator

Exmo. Sr. Ministro MARCO BUZZI

Presidente da Sessão

Exma. Sra. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. FRANKLIN RODRIGUES DA COSTA

Secretária

Bela. TERESA HELENA DA ROCHA BASEVI

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : OCEANFRONT INVESTMENTS LTD

ADVOGADOS : TIAGO MACHADO CORTEZ E OUTRO(S)

VICTOR FELFILI ARAGÃO E OUTRO(S)

DANILO ORENGA CONCEIÇÃO E OUTRO(S)

OLIVIER HAXKAR JEAN

RECORRIDO : CINTIA PESSOA CANDIDO HERCULANO

RECORRIDO : FLAVIO LIMA DO NASCIMENTO

ADVOGADO : MARCELO PAIVA PEREIRA E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Fatos Jurídicos – Ato / Negócio Jurídico – Defeito, nulidade ou anulação

SUSTENTAÇÃO ORAL

Dr. CÁSSIO HILDEBRAND PIRES DA CUNHA, pela parte RECORRENTE: OCEANFRONT INVESTMENTS LTD

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia QUARTA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Quarta Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Luis Felipe Salomão, Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Antonio Carlos Ferreira.

DJe: 26/02/2016