STJ: Recurso Especial – Direito das Sucessões – Partilha em vida feita pelos ascendentes aos descendentes de todos os bens de que dispunham por meio de escrituras públicas de doação, com consentimento dos herdeiros e consignação de dispensa de colação futura. 1. Omissão do Acórdão recorrido. Inexistência. 2. Ausência de bens a colacionar. Inventário. Processo extinto por carência da ação. 3. Recurso desprovido.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.523.552 – PR (2015/0069008-1)

RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE

RECORRENTE : OLIMPIO PEREIRA

RECORRENTE : ANGELA MARIA TORREZ PEREIRA

ADVOGADOS : ALMIR TADEU BOTELHO

CLÁUDIO SIDINEY DE LIMA

RECORRIDO : ORIVALDO PEREIRA

RECORRIDO : DULCE MARIA LUTZ PEREIRA

RECORRIDO : OLINTO PEREIRA

RECORRIDO : NEIDE APARECIDA AGUIAR PEREIRA

RECORRIDO : MARILUCIA PEREIRA GONÇALVES

RECORRIDO : ANTONIO GONÇALVES

RECORRIDO : MAFALDA PEREIRA SCHWENGBER

RECORRIDO : ANISIO JOÃO SCHWENGBER

RECORRIDO : OLAMPIO PEREIRA

RECORRIDO : MARIA SALETE SILVESTRE PEREIRA

ADVOGADO : NIVALDO XAVIER MARQUES

EMENTA

RECURSO ESPECIAL. DIREITO DAS SUCESSÕES. PARTILHA EM VIDA FEITA PELOS ASCENDENTES AOS DESCENDENTES DE TODOS OS BENS DE QUE DISPUNHAM POR MEIO DE ESCRITURAS PÚBLICAS DE DOAÇÃO, COM CONSENTIMENTO DOS HERDEIROS E CONSIGNAÇÃO DE DISPENSA DE COLAÇÃO FUTURA. 1. OMISSÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. INEXISTÊNCIA. 2. AUSÊNCIA DE BENS A COLACIONAR. INVENTÁRIO. PROCESSO EXTINTO POR CARÊNCIA DA AÇÃO. 3. RECURSO DESPROVIDO.

1. Embora rejeitados os embargos de declaração, a matéria controvertida foi devidamente enfrentada pelo Colegiado de origem, que sobre ela emitiu pronunciamento de forma fundamentada, com enfoque suficiente a autorizar o conhecimento do recurso especial, não havendo que se falar em ofensa ao art. 535, II, do CPC.

2. Consoante dispõe o art. 2.002 do CC, os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação.

3. Todavia, o dever de colacionar os bens admite exceções, sendo de ressaltar, entre elas, as doações que o doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo da doação (CC, art. 2005), ou, como no caso, em que os pais doaram aos filhos todos os bens de que dispunham, com o consentimento destes, fazendo constar, expressamente, dos atos constitutivos de partilha em vida, a dispensa de colação futura, carecendo o ora recorrente, portanto, de interesse processual para ingressar com processo de inventário, que foi corretamente extinto (CPC, art. 267, VI).

4. Eventual prejuízo à legítima do herdeiro necessário, em decorrência da partilha em vida dos bens, deve ser buscada pela via anulatória apropriada e não por meio de ação de inventário.

Afinal, se não há bens a serem partilhados, não há a necessidade de inventário.

5. Recurso especial a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 03 de novembro de 2015 (data do julgamento).

MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

RELATÓRIO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE: Trata-se de recurso especial interposto por Olimpio Pereira e outro, com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição Federal, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná, assim ementado (e-STJ, fl. 590):

APELAÇÃO CÍVEL. PARTILHA FEITA PELOS ASCENDENTES AOS DESCENDENTES. ESCRITURAS PÚBLICAS DE DOAÇÃO. CONSENTIMENTO DOS HERDEIROS. INVENTÁRIO. INADEQUAÇÃO DA MEDIDA PROPOSTA. AUSÊNCIA DE BENS A INVENTARIAR. CARÊNCIA DA AÇÃO. EXTINÇÃO DO FEITO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. MEDIDA ACERTADA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MATÉRIA SUSCITADA EM AMBOS OS RECURSOS. MANUTENÇÃO. RECURSOS DE APELAÇÃO DESPROVIDOS.

No caso em exame, o ora recorrente e sua esposa, Angela Maria Torrez Pereira, ingressaram com ação de inventário dos bens de Orlando Pereira, pai do primeiro autor, falecido em 5/2/2007, o qual deixou viúva meeira e filhos.

Ao prestar as primeiras declarações (e-STJ, fls. 35-37), o inventariante indicou como bens deixados pelo autor da herança uma área de terra de 795,24 hectares, situada no município de Naviraí-MS, além de 4.679 cabeças de gado, entre animais de grande e pequeno porte.

Os demais herdeiros se manifestaram alegando carência da ação (e-STJ, fls. 54-64), aduzindo que o inventariado, quando em vida e ao lado de sua esposa, Anair Berndt Pereira, doou todo o patrimônio para os filhos, beneficiando, inclusive, o inventariante. Salientaram que os animais a que aludiu a inicial não pertenciam somente a seu pai, mas também aos filhos, em percentuais distintos, sendo que parte deles foi vendida para custear tratamento médico do genitor, e a outra parte que lhe cabia foi transferida à sua mulher, em comum acordo com os filhos. Quanto ao imóvel rural localizado no município de Naviraí-MS, afirmaram que ele nunca pertenceu ao falecido, porque adquirido de terceira pessoa em 25/9/2001 pelos filhos Olâmpio, Orivaldo e Olinto, e que em relação aos demais imóveis urbanos e rurais, o de cujus e sua esposa haviam doado o valor referente à nua-propriedade a todos os filhos, como antecipação da legítima, inclusive aos autores, dispensando-os de futura colação, já que a doação respeitou o limite da parte disponível (e-STJ, fls. 425-441).

Apresentaram, outrossim, impugnação ao valor da causa (e-STJ, fls. 67-70), a qual foi acolhida pelo magistrado (e-STJ, fls. 65-66), que atribuiu à demanda a importância de R$ 2.883.746,20 (dois milhões oitocentos e oitenta e três mil setecentos e quarenta e seis reais e vinte centavos), sendo R$ 1.480.046,20 (um milhão quatrocentos e oitenta mil quarenta e seis reais e vinte centavos) pelas terras e R$ 1.403.700,00 (um milhão quatrocentos e três mil e setecentos reais) pelos semoventes.

Foi determinada a intimação dos autores para que retificassem as primeiras declarações, “dando integral cumprimento ao art. 993 do CPC, relacionando e qualificando o cônjuge supérstite e apresentando o valor de cada bem” (e-STJ, fl. 367).

Ao apresentar a aludida retificação (e-STJ, fls. 384-397), o inventariante relacionou entre os bens deixados pelo de cujus, além da área de 795,24 hectares na cidade de Naviraí-MS e 4.679 cabeças de gado, 8 (oito) imóveis urbanos e 15 (quinze) imóveis rurais, distribuídos entre alguns municípios localizados nos Estados do Paraná e de Mato Grosso do Sul, além de ações e valores em conta-corrente.

Em primeiro grau, o processo foi extinto, sem resolução do mérito, por carência de ação (CPC, art. 267, IV), ao entendimento de que o de cujus, ainda em vida, juntamente com sua esposa, se desfez de todos os seus bens, partilhando-os em benefício dos filhos, por meio de escrituras públicas de doação, não havendo, portanto, que se falar em abertura de inventário, exceto se demonstrada a hipótese de sobrepartilha (e-STJ, fls. 465-468).

É o que se infere dos seguintes excertos da sentença (e-STJ, fls. 466-468):

(…).

Em detida análise da documentação colacionada nos autos, em especial os documentos trazidos pelos requeridos, consistentes em Escrituras Públicas de Doação, vê-se que o de cujus Orlando Pereira e sua mulher Anair Berndt Pereira, quando em vida e com o consentimento dos filhos, fez a partilha de todo seu patrimônio entre os herdeiros, fazendo-a por meio das escrituras mencionadas.

Tanto o inventariante como os requeridos atestam que a divisão se deu por consentimento de todos os herdeiros, inclusive o inventariante, na petição de fl. 27 (segundo parágrafo do item VI), diz que a partilha dos bens “foi feita de forma cômoda aos herdeiros filhos”.

(…).

O que se observa, agora, é que herdeiro filho e ora inventariante Olímpio Pereira, se sentindo lesado na divisão dos bens feita por seus pais, ingressou com o presente inventário buscando trazer à colação uma das propriedades do de cujus e os semoventes que alega serem todos do seu falecido pai, argumentando que tais bens foram doados aos seus irmãos em antecipação da legítima e extrapolando a parte disponível.

Ocorre que, como já relatado, o de cujus se desfez de todos os bens, partilhando-os aos seus filhos quando ainda em vida, de forma que ele não deixou bens.

Não existindo mais bens, não há que se falar na abertura de inventário, exceto em caso de sobrepartilha, que não é o caso dos autos, pois não foi noticiada a descoberta de outros bens após a morte do de cujus.

Mesmo que considere o disposto nos art. 2.005 e art. 2.007 do Código Civil, tais dispositivos não socorrem o inventariante para justificar a propositura do presente inventário, isto porque a sua pretensão não é reduzir as doações para o fim de igualar as legitimas de cada herdeiro, pois, se assim fosse, ele deveria ter relacionado todas as doações feitas pelo de cujus e sua esposa, inclusive as doações onde foi beneficiado, buscando a apuração do valor de cada uma para o fim de igualar as legítimas (C.C., art. 2003). Mas não foi isso que o inventariante fez, pois relacionou apenas a doação de um imóvel rural e milhares de semoventes deixando claro que sua pretensão é anular referida doação e, então, buscar a divisão igualitária do bem entre os herdeiros.

Ocorre que o inventário não é o meio adequado para tal pretensão, o que deve ser pleiteado por meio de ação própria, com a devida fundamentação que justifique a pretensão anulatória (C.C., art. 549).

Vê-se, então, que o requerente é carecedor da ação, pelo que, com fundamento no art. 267, IV, do CPC, JULGO EXTINTO o presente feito, sem resolução do mérito.

Irresignados, os autores apelaram (e-STJ, fls. 472-487), tendo sido o recurso desprovido pelo Tribunal estadual, nos termos da ementa acima transcrita.

Houve a oposição de embargos de declaração (e-STJ, fls. 606-610), que foram rejeitados (e-STJ, fls. 616-623).

Nas razões do apelo excepcional, os demandantes alegam violação dos arts. 128, 131, 165, 332, 333, I e II, 458, II e III, 460, 535, I e II, 984, 999, 1.001 e 1.002 do CPC; 166, IV e V, 544, 549, 1.806, 1.808, 1.992, 2.002, 2.003, 2.007 e 2.018 do CC de 2002, sustentando, em síntese: a) ausência de fundamentação e negativa de prestação jurisdicional; b) não se encontrar provado nos autos que no momento das doações o falecido respeitou a parte disponível à liberalidade feita em favor dos herdeiros necessários; e c) que os recorrentes não receberam o quinhão hereditário de forma igualitária nos termos da lei, o que justifica a abertura do procedimento de inventário, haja vista que o autor da herança possuía um vasto patrimônio, incluindo imóveis urbanos e rurais, além de semoventes, ações e veículos, os quais não foram objeto de partilha.

Sem que fossem oferecidas contrarrazões (e-STJ, fl. 655), o recurso foi admitido (e-STJ, fls. 657/658), vindo os autos a este Tribunal.

É o relatório.

VOTO

O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE(RELATOR):

Discute-se nos autos sobre a necessidade ou não da instauração de processo de inventário dos bens deixados por Orlando Pereira, falecido em 5/2/2007, conforme requerido por seu filho, Olimpio Pereira, e sua esposa, Angela Maria Torres Pereira.

O processo foi extinto no Juízo singular, por carência de ação (CPC, art. 267, IV), ao entendimento de que o de cujus, ainda em vida e com a anuência de sua esposa, se desfez de todos os bens, partilhando-os em benefício dos filhos, não havendo que se falar, portanto, em abertura de inventário.

Inicialmente, quanto à alegada violação dos arts. 165 e 458, II, do CPC, a jurisprudência desta Corte é pacífica ao proclamar que, se os fundamentos adotados bastam para justificar o concluído na decisão, o julgador não está obrigado a rebater, um a um, os argumentos utilizados pela parte.

No caso, o Tribunal de origem apreciou todas as questões relevantes ao deslinde da controvérsia nos limites do que lhe foi submetido. Portanto, também não há que se falar em ofensa ao art. 535 do CPC ou negativa de prestação jurisdicional.

Quanto ao tema de fundo, verifico que ao negar provimento à apelação dos demandantes, confirmando a sentença de extinção do processo por ausência de interesse de agir, a Corte estadual assim fundamentou (e-STJ, fls. 592-59):

(…).

No caso, observou o julgador que tanto o inventariante como os requeridos – demais herdeiros -, consentiram com a partilha dos bens, a qual foi feita pouco antes da morte de seu pai, pois as cessões são datadas do início de 2006, final de 2006 e inicio de 2007, tendo o de cujus falecido em 05/02/2007, restando consignado nas cessões a dispensa da colação futura dos bens doados.

Assim, considerou que tendo o falecido se desfeito de todos os bens, partilhando-os aos filhos ainda em vida, o inventário não seria o meio adequado para a pretensão do requerente, julgando-o carecedor da ação e extinto o feito, com a ressalva de que eventual discussão enseja ação própria e com a devida fundamentação que justifique a pretensão anulatória (CC, art. 549).

De fato, em que pese as alegações dos ora apelantes, diante da inexistência de bens a inventariar em face da partilha daqueles existentes em vida pelo de cujus e sua esposa, não há que se falar em inventário.

A propósito, dos Tribunais pátrios colhem-se as seguintes decisões:

“Apelação. Inventário. Extinção do feito sem julgamento do mérito, com fundamento na existência de questões de alta indagação a depender de produção de provas. Manutenção da sentença que assim decidiu, mas por fundamento diverso.

Doação, ainda em vida, do único imóvel de propriedade do falecido. Inexistência de bens a inventariar. Ausência de interesse de agir da inventariante, ora apelante. Precedente desta Corte. Apelante que, querendo e havendo fundamento para tanto, poderá pleitear a desconstituição do negócio jurídico de que se cuida, para então, em tendo sucesso e passando a haver o que partilhar, abrir o inventário. Recurso desprovido.”

“Inventário. Extinção do processo. Falta de pressuposto processual. Partilha já efetivada por escritura pública. E extinto o processo de inventário, sem resolução de mérito, quando verificado que o bem inventariado já se encontra devidamente partilhado por escritura pública, nos termos do art. 982 do Código de Processo Civil. Recurso não provido”.

“INVENTÁRIO – AUSÊNCIA DE BENS A INVENTARIAR – EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. No inventário, inexistindo bens a inventariar, o processo deve ser extinto, sem julgamento do mérito, com base no art. 267, IV, do CPC. Recurso provido.”

“INVENTÁRIO Extinção do feito sem análise de mérito, ante a ausência de bens a inventariar. Insurgência do inventariante, sob a alegação de que ainda há imóvel a integrar o espólio. Descabimento. Imóvel doado aos apelados há mais de 25 anos. Negócio válido e eficaz, cujo instrumento já foi registrado no Cartório de Registro de Imóveis. Inexistência de interesse de agir caracterizada. Sentença mantida por seus próprios fundamentos,

conforme Regimento Interno do TJSP Recurso desprovido”.

(…).

Com efeito, segundo a lição de Silvio Rodrigues, “inventário é o processo judicial que se destina a apurar os bens deixados pelo finado, a fim de sobre o monte proceder-se à partilha” (Direito Civil, Direito das Sucessões. Sucessão legítima. 26. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. p. 285).

Consiste, portanto, na descrição pormenorizada dos bens da herança, tendente a possibilitar o recolhimento de tributos, o pagamento de credores e, por fim, a partilha.

No caso, observou a Câmara julgadora que, tendo havido a doação dos bens em vida pelos pais em benefício dos filhos, o inventário não seria o meio adequado para a pretensão dos requerentes, ora recorrentes, razão pela qual os considerou carecedores da ação e, por conseguinte, julgou extinto o processo sem análise do mérito.

Em regra, a doação feita de ascendente para descendente, por si só, não é considerada inválida ou ineficaz pelo ordenamento jurídico, mas impõe ao donatário a obrigação protraída no tempo, de à época do óbito do doador, trazer o patrimônio recebido à colação, a fim de igualar as legítimas, caso não seja aquele o único herdeiro necessário (arts. 2.002, parágrafo único, e 2.003 do CC/2002), sob pena de perda do direito sobre os bens não colacionados.

Discorrendo sobre o tema, observa Maria Helena Diniz que “o pai poderá fazer doação a seus filhos, que importará em adiantamento de legítima, devendo ser por isso conferida no inventário do doador, por meio de colação” (Código Civil Anotado. São Paulo. Saraiva. 1995. p. 738).

Também quanto à matéria, ensina Silvio de Salvo Venosa que:

Toda doação feita em vida pelo autor da herança a um de seus filhos presume-se como um adiantamento de herança. Nossa lei impõe aos descendentes sucessíveis o dever de colacionar. Estão livres os demais herdeiros necessários, ao contrário de outras legislações. Os netos devem colacionar, quando representarem seus pais, na herança do avô, o mesmo que seus pais teriam de conferir. Contudo, não está o neto obrigado a colacionar o que recebeu de seu avô, sendo herdeiro de seu pai, e não havendo representação” (Direito das Sucessões. 3ª ed. São Paulo. Atlas. 2003. ps. 362 e 365).

Nessa mesma linha de entendimento, o art. 2002 do CC dispõe expressamente que os descendentes que concorrerem à sucessão do ascendente comum são obrigados, para preservar a regra de igualdade das legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida receberam, sob pena de sonegação.

Não obstante, o dever de colacionar os bens admite exceções, sendo de destacar, entre elas, “as doações que o doador determinar saiam da parte disponível, contanto que não a excedam, computado o seu valor ao tempo da doação” (CC, art. 2005). Assim, a única restrição imposta pela lei à livre vontade do disponente é o respeito à legítima dos herdeiros necessários, que, por óbvio, não pode ser reduzida. Desde que observado esse limite, não fica o autor da herança obrigado nem mesmo a proceder à distribuição igualitária dos quinhões, contanto que eventuais desigualdades sejam imputadas à sua quota disponível. Isso porque, sendo-lhe lícito dispor livremente de metade de seus bens, nada impede que beneficie um de seus herdeiros mais do que os outros, embora sejam todos necessários, contando que não lhes lese a legítima.

Complementando a regra anterior, o art. 2.006 do mesmo diploma legal preconiza que a dispensa da colação “pode ser outorgada pelo doador em testamento, ou no próprio título de liberalidade”, revelando, portanto, a necessidade de que seja expressa.

A propósito do tema, expõe Washington de Barros Monteiro que “todo descendente que, em vida do ascendente, haja sido por ele beneficiado, se obriga a conferir o que recebeu, quando falecer o autor da liberalidade. Mas pode este dispensar a conferência, desde que determine, em termos claros, e explícitos, saiam de sua metade disponível as doações. Podia ele, realmente, deixar-lhe a porção disponível por testamento. Nada impede, portanto, que beneficie o herdeiro, dispensando-o da colação. Essa dispensa, porém, há de ser outorgada no próprio título constitutivo da liberalidade, ou então por testamento. Só nesses casos taxativos vale a dispensa, não podendo esta manifestar-se de outro modo, ainda que autêntico.” (Curso de Direito Civil, p. 300)

No mesmo sentido, adverte Silvio Rodrigues, ao comentar o dispositivo mencionado que “a dispensa da colação é ato formal que só ganha eficácia se efetuada por testamento, ou no próprio título de liberalidade”, destacando, ainda, que esta última hipótese é preferível. (Obra cit. p. 313).

No caso em análise, conforme assinalou o aresto hostilizado, os atos de liberalidade foram realizados abrangendo todo o patrimônio dos cedentes, com a anuência dos herdeiros, o que configura partilha em vida dos bens, tendo constado, ainda, das escrituras públicas de doação a dispensa de colação futura (e-STJ, fls. 261-267, 283-289, 290-294, 295-307, 308-314, 315-321, 322-328 e 329-337).

Para Carlos Maximiliano, “no caso do que vulgarmente se denomina doação-partilha, não existe dádiva, porém inventário antecipado, em vida; não se dá colação; rescinde-se ou corrige-se a partilha, quando ilegal ou errada.” (Direito das Sucessões. 4ª ed., vol. III. p.23)

Desse modo, considerando os fatos tais como delineados pelas instâncias ordinárias, forçoso concluir pelo acerto do acórdão recorrido, ao considerar que os autores, ora recorrentes, são carecedores de interesse de agir para o processo de inventário, o qual, ante o ato constitutivo de partilha em vida e consequente dispensa de colação, não teria nenhuma utilidade, de modo que o desprovimento do presente recurso é medida que se impõe.

A matéria já foi enfrentada neste Tribunal, que firmou entendimento assente com a conclusão do aresto recorrido, conforme se infere do precedente abaixo:

INVENTÁRIO. PARTILHA EM VIDA/DOAÇÃO. PRETENSÃO DE COLAÇÃO. ASSENTADO TRATAR-SE, NO CASO, DE PARTILHA EM VIDA (PARTILHADOS TODOS OS BENS DOS ASCENDENTES, EM UM MESMO DIA, NO MESMO CARTÓRIO E MESMO LIVRO, COM O EXPRESSO CONSENTIMENTO DOS DESCENDENTES), NÃO OFENDEU OS ARTS. 1.171, 1.785, 1.786 E 1776, DO CÓD. CIVIL, ACÓRDÃO QUE CONFIRMOU SENTENÇA INDEFERITÓRIA DA PRETENSÃO DE COLAÇÃO. NÃO SE CUIDANDO, PORTANTO, DE DOAÇÃO, NÃO SE TEM COMO APLICAR PRINCÍPIO QUE LHE É PRÓPRIO. INOCORRENTES OFENSA A LEI FEDERAL OU DISSÍDIO, A TURMA NÃO CONHECEU DO RECURSO ESPECIAL. III- RECURSO CONHECIDO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (REsp n. 6.528/RJ, Relator o Ministro Nilson Naves, Terceira Turma, DJ de 12/8/1991).

Ressalte-se que eventual prejuízo à legítima do herdeiro necessário, ora recorrente, em decorrência de partilha em vida dos bens feita pelos pais, deve ser buscada pela via anulatória apropriada e não por meio de ação de inventário. Afinal, se não há bens a serem partilhados, não há a necessidade de processo do inventário.

Ante o exposto, na esteira dos fundamentos expendidos, nego provimento ao recurso especial. É como voto.

CERTIDÃO DE JULGAMENTO

TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2015/0069008-1 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.523.552 / PR

Números Origem: 00005074620088160070 10352055 1035205500 1035205501 1035205502 7352008

PAUTA: 03/11/2015 JULGADO: 03/11/2015

Relator

Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE

Presidente da Sessão

Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

Subprocurador-Geral da República

Exmo. Sr. Dr. ANTÔNIO CARLOS ALPINO BIGONHA

Secretária

Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : OLIMPIO PEREIRA

RECORRENTE : ANGELA MARIA TORREZ PEREIRA

ADVOGADOS : ALMIR TADEU BOTELHO

CLÁUDIO SIDINEY DE LIMA

RECORRIDO : ORIVALDO PEREIRA

RECORRIDO : DULCE MARIA LUTZ PEREIRA

RECORRIDO : OLINTO PEREIRA

RECORRIDO : NEIDE APARECIDA AGUIAR PEREIRA

RECORRIDO : MARILUCIA PEREIRA GONÇALVES

RECORRIDO : ANTONIO GONÇALVES

RECORRIDO : MAFALDA PEREIRA SCHWENGBER

RECORRIDO : ANISIO JOÃO SCHWENGBER

RECORRIDO : OLAMPIO PEREIRA

RECORRIDO : MARIA SALETE SILVESTRE PEREIRA

ADVOGADO : NIVALDO XAVIER MARQUES

ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Sucessões – Inventário e Partilha

CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A Terceira Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, João Otávio de Noronha, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Documento: 1460764

DJe: 13/11/2015