CGJ|SP: Tabelião de Notas – Escritura pública de compra e venda de imóvel – Retificação na via administrativa – Impossibilidade, por implicar alteração do objeto do negócio jurídico – Recurso não provido.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA

Processo CG n° 2014/171177

(55/2015-E)

Tabelião de Notas – Escritura pública de compra e venda de imóvel – Retificação na via administrativa – Impossibilidade, por implicar alteração do objeto do negócio jurídico – Recurso não provido.

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça:

Trata-se de recurso interposto por A. R. e outros buscando a reforma da decisão de fls. 151/152, que rejeitou o pedido de retificação da escritura pública de venda e compra lavrada em 15.10.87, no livro 1056, p. 181, do 26° Tabelião de Notas da Capital.

Aduzem que por erro material do 26° Tabelião de Notas, constou da referida escritura que os outorgantes Angélica Roberto Betti e filhos eram possuidores de 1/8 da fração ideal do imóvel alienado, e não de 1/4, o que seria o correto, sendo a retificação necessária para permitir o registro da escritura.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça apresentou parecer opinando pelo não provimento do recurso (fls. 205/207).

É o relatório.

Opino.

Observe-se, de início, que a apelação deve ser conhecida como recurso administrativo, na forma do art. 246, do Decreto-lei Complementar Estadual n° 3/69, aplicando-se o princípio da fungibilidade. Escritura pública é ato notarial que reflete a vontade das partes na realização de negócio jurídico, observados os parâmetros fixados pela Lei e pelas Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça, reproduzindo, portanto, exatamente aquilo que outorgantes e outorgados declararam ao Escrivão ou ao Escrevente.

Por esta razão – conforme entendimento sedimentado desta Corregedoria Geral – o juiz não pode substituir o notário ou uma das partes, retificando escrituras que encerram tudo quanto se passou e declarou perante aquele oficial público (Proc. n° 17/76, 1ª Vara Registros Públicos).

Narciso Orlandi Neto, a propósito, bem explica que:

“Não há possibilidade de retificação de escritura sem que dela participem as mesmas pessoas que estiveram presentes no ato da celebração do negócio instrumentalizado. É que a escritura nada mais é que o documento, o instrumento escrito de um negócio jurídico; prova preconstituída da manifestação de vontade de pessoas, explicitada de acordo com a lei. Não se retifica manifestação de vontade alheia. Em outras palavras, uma escritura só pode ser retificada por outra escritura, com o comparecimento das mesmas partes que, na primeira, manifestaram sua vontade e participaram do negócio jurídico instrumentalizado.” (Retificação do Registro de Imóveis, Juarez de Oliveira, pág. 90).

E arremata com a lição de Pontes de Miranda:

“falta qualquer competência aos Juízes para decretar sanções e, até, para retificar erros das escrituras públicas: escritura pública somente se retifica por outra escritura pública, e não por mandamento judicial” (Cfr. R.R. 182/754 – Tratado de Direito Privado, Parte Geral, Tomo III, 3ª ed., 1970, Borsoi, § 338, pág. 361).

Assim, se a escritura pública de compra e venda de fls. 56/58 não reflete a realidade fática e jurídica do negócio entabulado entre as partes, esse vício, de ordem intrínseca, só pode ser questionado na via jurisdicional.

No caso em exame, o equívoco recaiu sobre o objeto da compra e venda. Consta da escritura que os outorgantes vendedores A. R. B. e filhos são senhores e legítimos possuidores de 1/8 da parte ideal do imóvel objeto do negócio, pretendendo os recorrentes retificá-la para constar que, em verdade, aqueles possuíam 1/4 do imóvel em questão.

Não se trata, portanto, de mero equívoco na escritura pública de compra e venda. A pretensão da requerente altera substancialmente o ato, produzindo efeitos com relação à propriedade do imóvel e o objeto do negócio jurídico, o que não é permitido.

Ademais, à época da lavratura da escritura, conforme constou da manifestação do Tabelião (fls. 77/80), os outorgantes realmente não dispunham de 1/4 do imóvel, mas apenas de 1/8, uma vez que a parcela de 1/8 decorrente do falecimento de Maria Neri Roberto ainda não havia sido inventariada e partilhada, o que ocorreu somente aos 06.12.12, conforme consta do R.07 da matrícula do imóvel (fl. 36).

Diante do exposto, o parecer que respeitosamente se submete à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido de que seja negado provimento ao recurso.

Sub censura.

São Paulo, 5 de março de 2015.

Gustavo Henrique Bretas Marzagão

Juiz Assessor da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, nego provimento ao recurso.

Publique-se.

São Paulo, 06.03.2015.

(a) HAMILTON ELLIOT AKEL

Corregedor Geral da Justiça

DJe de 18/03/2015

Fonte: INR