1ª VRP|SP: Dúvida – Separação obrigatória de bens – Súmula 377 do STF – Presunção relativa – Bens adquiridos com esforço próprio não se comunicam – Comprovação inequívoca de que 50% do bem foi adquirido anteriormente ao matrimônio – Caráter exclusivo do restante do imóvel deve ser comprovado em rito ordinário, e não em sede administrativa – Doação da parte exclusiva possível – Improcedência.

Processo 1085808-25.2015.8.26.0100

Dúvida

Registro de Imóveis

C. das D. C. P.

Dúvida – separação obrigatória de bens – súmula 377 do STF – presunção relativa – bens adquiridos com esforço próprio não se comunicam – comprovação inequívoca de que 50% do bem foi adquirido anteriormente ao matrimônio – caráter exclusivo do restante do imóvel deve ser comprovado em rito ordinário, e não em sede administrativa – doação da parte exclusiva possível – improcedência.

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de M. B., representante de C. das D. C. P.. Foi apresentada pela suscitada escritura de doação, cujo objeto é parte ideal de 1/2 (metade) do imóvel de matrícula nº 11.764 daquela Serventia.

O ingresso do título foi negado, exigindo-se a juntada de formal de partilha de J. A. P., cônjuge falecido da outorgante que, segundo o Oficial, também era proprietário do bem, uma vez que consta da matrícula que este era casado com a outorgante pelo regime da separação legal quando da aquisição, havendo assim comunicação, conforme Súmula 377 do C. Supremo Tribunal Federal.

Alega, também, o Registrador que a presunção de que os bens se comunicaram só pode ser afastada com prova inequívoca, de forma que qualquer incerteza deve ser analisada pelo juízo competente. Juntou documentos às fls. 07/135.

Em sua impugnação (fls. 144/149), a suscitada defende que a arrematação, cuja carta foi utilizada para aquisição de propriedade, foi feita com recursos próprios, advinda de condenação de perdas e danos cujos réus eram os ex-proprietários do imóvel, e no qual a causa de pedir foi a existência de condomínio, deferida por sentença em 1975, ou seja, antes do matrimônio, de forma que não houve comunicação do bem.

O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida, alegando, entretanto, ser possível a alienação de 50% do imóvel (fls. 153/155).

É o relatório. Decido.

Como é sabido, os bens imóveis são transferidos quando do registro do título aquisitivo hábil no registro de imóveis. No caso ora em análise, o imóvel só passou a pertencer à suscitada em agosto de 1998 (R.09), que segundo a A.10 contraiu matrimônio em junho de 1990, ou seja, a presunção da Súmula 377 é aplicável.

A súmula nº 377 do Supremo Tribunal Federal dispõe que:

“No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.”

Esta é uma presunção relativa, que como bem exposto na impugnação. Assim, pode ser afastada, diante de pacto antenupcial ou prova de que foi adquirido com esforço individual de um dos cônjuges. Também deve ser considerado que no regime de separação obrigatória do Código Civil de 1916, aplicável ao caso, não se comunicam os bens adquiridos antes do casamento.

A hipótese examinada nos autos se mostra excepcionalmente peculiar, pois a arrematação do bem adveio de penhora relativa a ação de perdas e danos, sendo que esta surgiu após o não cumprimento de sentença declaratória de 1975 que estipulou condomínio em favor da suscitada.

Segundo as sentenças de fl. 34 e fls. 87/105, Cezilia sempre foi titular de 50% do bem, restando comprovado que, pelo menos esta parte ideal, adquiriu com esforço próprio e anteriormente ao casamento. Pode-se alegar que não houve registro em cartório de sua parte ideal, mas é justamente a negativa dos antigos proprietários em fornecer a escritura para registro que deu origem as ações judiciais juntadas aos autos, de forma que deve-se aplicar o princípio da razoabilidade para entender que é inequívoca sua exclusiva titularidade da metade do bem.

Fica claro também, com o documento de fl. 119, que a arrematação se deu única e exclusivamente com o crédito advindo da ação de perdas e danos (“por conta e em benefício de seu crédito). Esse crédito era composto (fl. 103) pelo valor de metade do imóvel, que como já amplamente exposto era de direito de Cezilia desde 1975, somado ao valor de seus rendimentos. São estes rendimentos, apurados desde a aquisição do imóvel até a arrematação, que podem ser fonte de controvérsia quanto à comunicação ao patrimônio do cônjuge falecido, que pode ter ocorrido desde o matrimônio até o leilão.

Como já dito, esta comunicação é presunção relativa, mas só pode ser afastada diante de provas inequívocas produzidas em rito ordinário, com ampla defesa e contraditório na sua mais alta expressão, necessários para preservar interesses de possíveis herdeiros do falecido.

Em conclusão, restou inequívoco o fato de que 50% do imóvel pertence exclusivamente a C. das D. C. P., enquanto a outra metade pode ter se comunicado com o patrimônio de J. A. P., presunção esta que não pode ser afastada neste juízo, com as provas trazidas aos autos e sem o devido processo legal.

Assim, uma vez que a escritura de doação de fls. 07/09 outorga 50% do bem, entendo que pode ser afastado o óbice, devendo ficar claro que a parte alienada é aquela exclusiva de Cezilia, e a parte restante pertence a ela e seu falecido marido, diante do regime de separação obrigatória de bens, com interpretação da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal.

Ante o exposto, julgo improcedente a dúvida formulada pelo Oficial do 17º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de M. B.. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 10 de setembro de 2015.

Tania Mara Ahualli Juíza de Direito

(DJe de 18.09.2015 – SP)