STJ: Recurso Especial – Direito das Sucessões – Inventário – Omissão do acórdão recorrido – Inexistência – Doação em vida de todos os bens imóveis aos filhos e cônjuges feita pelo autor da herança e sua esposa – Herdeiro necessário que nasceu posteriormente ao ato de liberalidade – Direito à colação – Percentual dos bens que deve ser trazido à conferência – Recurso parcialmente provido.

Superior Tribunal de Justiça
RECURSO ESPECIAL Nº 1.298.864 – SP (2011/0291796-0)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECORRENTE : ZORAIDE APARECIDA PISSINATTI DA SILVA E OUTROS
ADVOGADOS : LUIZ ANTÔNIO SOARES HENTZ E OUTRO(S)
ANDRÉ SOARES HENTZ E OUTRO(S)
RECORRIDO : G J DE M P (MENOR)
REPR. POR : R A DE M
ADVOGADO : VIVIANE BARUSSI CANTERO E OUTRO(S)
INTERES. : JOSÉ PISSINATTI – ESPÓLIO
REPR. POR : CECÍLIA MARIA POLETTINI PISSINATTI – INVENTARIANTE
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO DAS SUCESSÕES. INVENTÁRIO. 1. OMISSÃO DOACÓRDÃO RECORRIDO. INEXISTÊNCIA. 2. DOAÇÃO EM VIDA DE TODOS OS BENSIMÓVEIS AOS FILHOS E CÔNJUGES FEITA PELO AUTOR DA HERANÇA E SUA ESPOSA.HERDEIRO NECESSÁRIO QUE NASCEU POSTERIORMENTE AO ATO DE LIBERALIDADE.DIREITO À COLAÇÃO. 3. PERCENTUAL DOS BENS QUE DEVE SER TRAZIDO ÀCONFERÊNCIA. 4. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.
1. Embora rejeitados os embargos de declaração, tem-se que a matéria controvertida foidevidamente enfrentada pelo Colegiado de origem, que sobre ela emitiu pronunciamento deforma fundamentada, ainda que sucinta, com enfoque suficiente a autorizar o conhecimentodo recurso especial, não havendo que se falar, portanto, em ofensa ao art. 535, II, do CPC.
2. Para efeito de cumprimento do dever de colação, é irrelevante o fato de o herdeiro ternascido antes ou após a doação, de todos os bens imóveis, feita pelo autor da herança esua esposa aos filhos e respectivos cônjuges. O que deve prevalecer é a ideia de que adoação feita de ascendente para descendente, por si só, não é considerada inválida ouineficaz pelo ordenamento jurídico, mas impõe ao donatário obrigação protraída no tempode, à época do óbito do doador, trazer o patrimônio recebido à colação, a fim de igualar aslegítimas, caso não seja aquele o único herdeiro necessário (arts. 2.002, parágrafo único, e2.003 do CC/2002).
3. No caso, todavia, a colação deve ser admitida apenas sobre 25% dos referidos bens, porter sido esse o percentual doado aos herdeiros necessários, já que a outra metade foidestinada, expressamente, aos seus respectivos cônjuges. Tampouco, há de se cogitar dapossível existência de fraude, uma vez que na data da celebração do contrato de doação, oherdeiro preterido, ora recorrido, nem sequer havia sido concebido.
4. Recurso especial parcialmente provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TerceiraTurma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficasa seguir, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto doSr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo VillasBôas Cueva (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Brasília (DF), 19 de maio de 2015 (data do julgamento).
MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator
RECURSO ESPECIAL Nº 1.298.864 – SP (2011/0291796-0)
RELATÓRIO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE:
Trata-se de recurso especial interposto por Zoraide Aparecida Pissinatti daSilva e outros, com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, contraacórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo, assim ementado (e-STJ, fl. 416):
AGRAVO DE INSTRUMENTO – INVENTÁRIO – Insurgimento dos filhosdonatários contra o pedido de colação de bens do filho nascido apósa doação. Descabimento porque necessário igualar as legítimas e adoação se fez com essa finalidade, pouco importando o fato doposterior nascimento. NEGARAM PROVIMENTO AO AGRAVO.
No caso em exame, os ora recorrentes, na condição de donatários,interpuseram agravo de instrumento contra a decisão do Juízo da 1ª Vara da Comarca dePorto Ferreira – SP que, nos autos do incidente de colação distribuído por dependência aoinventário de José Pissinatti – cuja abertura foi requerida por G J DE M P (MENOR) -,julgou improcedente a oposição por eles oferecida ao pedido de colação de bens.
O recurso foi improvido pelo Tribunal estadual, ao argumento de que o filhoconcebido posteriormente à doação tem legitimidade para requerer a colação dos bensanteriormente doados aos filhos havidos no casamento, a fim de igualar as legítimas, bemcomo de que o incidente de colação deveria recair sobre 50% dos imóveis, porque doadospelo autor da herança e pela mãe dos agravantes.
Houve a oposição de embargos de declaração (e-STJ, fls. 421-423), queforam rejeitados (e-STJ, fls. 425-428).
Nas razões do apelo excepcional, os donatários, ora recorrentes, alegaramviolação dos arts. 535, II, do CPC; 112, 2.002 e 2.018 do CC de 2002, correspondentesaos arts. 85, 1.176, 1.776, 1.785 e 1.786 do CC de 1916, além de dissídio jurisprudencial,sustentando, em síntese: a) omissão do acórdão recorrido, no que se refere àporcentagem dos bens doados a ser colacionada; e b) ao tempo das doações quecontemplaram todos os herdeiros necessários e seus cônjuges, o recorrido ainda nãohavia nascido e sequer tinha sido concebido, não havendo que se falar, portanto, em direitoà colação; e c) considerando que o autor da herança contemplou com a doação tambémos cônjuges dos herdeiros necessários, estes só têm a obrigação de colacionar a parteque efetivamente receberam do pai, equivalente a 25% dos bens.
Contra-arrazoado (e-STJ fls. 466/474), o recurso foi admitido (e-STJ, fls.476/477), vindo os autos a este Tribunal.
Instado, o Ministério Público Federal opinou pelo improvimento do recurso.(e-STJ, fls. 488-497)
O recurso foi distribuído, originariamente, ao Ministro Sidnei Beneti, queproferiu decisão (e-STJ, fls. 499-503), negando seguimento ao recurso especial. Todavia,em juízo de reconsideração, acolheu os embargos de declaração opostos pelosrecorrentes, declarou nula a decisão embargada, com a determinação de inclusão do feitoem pauta para julgamento colegiado (e-STJ, 526-527).
É o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.298.864 – SP (2011/0291796-0)
VOTO
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE(RELATOR):
Infere-se dos autos que, em 22/12/1987, José Pissinatti doou, juntamentecom sua esposa, Cecília Maria Polettini Pissinatti, todos os bens imóveis de quedispunham para seus três filhos e respectivos cônjuges, ora recorrentes, em proporçõesiguais aos seis donatários, conforme escritura anexada às fls. 46-54 (e-STJ).
Ocorre que, em 22/11/1988 – exatos 11 (onze) meses após a doação– nasceu o ora recorrido, G J DE MP (MENOR), fruto de um relacionamento extraconjugal.
José Pissinatti faleceu em 10/8/2003 e, de acordo com seu atestado de óbito, não deixoubens a inventariar (e-STJ, fl. 30).
Passados quase dois anos, no dia 26/4/2005, o ora recorrido requereu aabertura do inventário de seu pai (e-STJ, fls. 24-25) e, no dia 23/5/2005, ingressou comincidente de colação, distribuído por dependência nos autos do inventário, requerendo quetodos os bens recebidos em doação pelos ora recorrentes fossem conferidos nos autos.
Após o oferecimento de resposta, a Juíza da 1ª Vara da Comarca de PortoFerreira – SP julgou improcedente a oposição à colação, o que ensejou a interposição deagravo de instrumento (e-STJ, fls. 2-16), o qual foi improvido pelo Tribunal de Justiça deSão Paulo, aos seguintes fundamentos: i) o fato de o agravado ter sido concebido após adoação em vida de todos os bens pelo falecido pai não lhe retira o interesse de agir, nostermos do que dispõe art. 2.002 do CC de 2002 (arts. 1.785 e 1.786 do CC de 1916); e ii) adispensa da colação apenas se verificaria se expressamente manifestada a intenção dodoador na escritura, o que não ocorreu, razão pela qual deve ser colacionada toda a partedoada, isto é, 50% dos bens imóveis, já que a outra metade foi doada pela,respectivamente, mãe e sogra dos recorrentes.
Contra essa decisão colegiada, os agravantes interpuseram recursoespecial, com fundamento em ambas as alíneas do permissivo constitucional, alegandoviolação dos arts. 535, II, do CPC; 112, 2.002 e 2.018 do CC de 2002, correspondentesaos arts. 85, 1.176, 1.776, 1.785 e 1.786 do CC de 1916, além de dissídio jurisprudencial,sustentando, em síntese: a) omissão do acórdão recorrido, no que se refere àporcentagem dos bens doados a ser colacionada; e b) ao tempo das doações quecontemplaram todos os herdeiros necessários e seus cônjuges, o recorrido não havianascido e sequer tinha sido concebido, não havendo que se falar, portanto, em direito àcolação; e c) considerando que o autor da herança contemplou com a doação também oscônjuges dos herdeiros necessários, estes só têm a obrigação de colacionar a parte queefetivamente receberam do pai, equivalente a 25% dos bens.
De início, embora rejeitados os embargos de declaração, tem-se que amatéria controvertida atinente ao percentual dos bens que deveria ser trazido à colação foidevidamente enfrentada pelo Colegiado de origem, que sobre ela emitiu pronunciamentode forma fundamentada, ainda que sucinta, com enfoque suficiente a autorizar oconhecimento do recurso especial, não havendo que se falar, portanto, em ofensa ao art.535, II, do CPC.
Quanto ao tema de fundo, alegam os donatários que o ora recorrido aindanão havia nascido e sequer tinha sido concebido ao tempo das doações, o que afastaria oseu interesse em formular pedido de colação. Todavia, o argumento foi rechaçado peloColegiado estadual, aos seguintes fundamentos (e-STJ, fls. 417-418):
(…).
Retrata o instrumento que o autor da herança e a cônjuge supérstitedoaram bens aos filhos, conforme escritura de doação lavrada em 22de dezembro de 1987 (fls. 41/46). Após o falecimento do doador emagosto de 2003, o agravante pediu a abertura do inventário do paiporque nascido em 22 de novembro de 1988, fruto de relacionamentoextraconjugal (fls. 26). Em vista disso, pediu a colação dos bensanteriormente doados, do que discordaram os agravantes.
Neste passo, observa-se que o agravado tem interesse de agir nopedido de colação dos bens anteriormente doados aos filhos havidosno casamento. Isto porque o falecimento do pai ocorreu na vigênciado atual Código Civil, que dispõe no artigo 2.002, a exemplo doCódigo Civil de 1916, artigos 1.785 e 1.786, que a colação tem porobjetivo igualar as legítimas dos herdeiros. Neste raciocínio,obrigam-se os descendentes que disputarem a sucessão doascendente comum de “conferir o valor das doações que dele em vidareceberam, sob pena de sonegação.” Em vista disso, importa saber asituação à época do falecimento do “de cujus” e não aquelacaracterizada no momento da doação, pois a doação revelou indelévelintenção de adiantamento de legítima, cuja transmissão ocorre com amorte. (…).
Como se viu, a dispensa da colação apenas se verificaria seexpressamente manifestada a intenção do doador na escritura, o queefetivamente não ocorreu. Por outro lado, insustentável questionar aesta altura a natureza do negócio jurídico, vale dizer, se houve partilhade bens e não doação, porquanto a escritura de doação foi hialina aoespelhar a vontade do doador em transmitir os bens nesta modalidadee foi formalizada com todos os requisitos da substância do ato notarial.
(…).
De fato, para efeito de cumprimento do dever de colação, é irrelevante se oherdeiro nasceu antes ou após a doação, não havendo também diferença entre osdescendentes, se são eles irmãos germanos ou unilaterais ou se supervenientes àeventual separação ou divórcio do doador.
No mesmo sentido, adverte Pontes de Miranda que “não importa o tempo emque foi feita a liberalidade, se doada antes de ter nascido o filho, ou antes do casamento dode cujo com o genitor do herdeiro necessário” (Tratado de Direito Privado, ParteEspecial, Direito das Sucessões: Sucessão em Geral. Sucessão legítima. 3. ed. Rio deJaneiro: Editor Borsoi, 1972. t. LV. p. 318 ).
O que deve prevalecer é a ideia de que a doação feita de ascendente paradescendente, por si só, não é considerada inválida ou ineficaz pelo ordenamento jurídico,mas impõe ao donatário obrigação protraída no tempo, de à época do óbito do doador,trazer o patrimônio recebido à colação, a fim de igualar as legítimas, caso não seja aqueleo único herdeiro necessário (arts. 2.002, parágrafo único, e 2.003 do CC/2002).
No presente caso, o ato do falecido de doar, juntamente com sua esposa,todos os bens aos filhos, em detrimento do filho caçula fruto de outro relacionamento,ainda que este tenha sido concebido posteriormente, torna inoficiosa a doação no tocanteao que excede a parte disponível do patrimônio mais as respectivas frações da legítima,porque caracterizado o indevido avanço da liberalidade sobre a legítima do herdeiropreterido.
A matéria já foi enfrentada neste Tribunal, que firmou entendimento assentecom a conclusão do aresto recorrido, conforme se infere dos precedentes abaixo:
Recurso especial. Sucessões. Inventário. Partilha em vida. Negócioformal. Doação. Adiantamento de legítima. Dever de colação.Irrelevância da condição dos herdeiros. Dispensa. Expressamanifestação do doador.- Todo ato de liberalidade, inclusive doação, feito a descendente e/ouherdeiro necessário nada mais é que adiantamento de legítima,impondo, portanto, o dever de trazer à colação, sendo irrelevante acondição dos demais herdeiros: se supervenientes ao ato deliberalidade, se irmãos germanos ou unilaterais. É necessária aexpressa aceitação de todos os herdeiros e a consideração dequinhão de herdeira necessária, de modo que a inexistência daformalidade que o negócio jurídico exige não o caracteriza comopartilha em vida.- A dispensa do dever de colação só se opera por expressa e formalmanifestação do doador, determinando que a doação ou ato deliberalidade recaia sobre a parcela disponível de seu patrimônio.Recurso especial não conhecido.(REsp 730.483/MG, Relatora a Ministra Nancy Andrighi, TerceiraTurma, DJ de 20/6/2005);
RECURSO ESPECIAL. INVENTÁRIO. DOAÇÃO. COLAÇÃO.PROVIMENTO. DEVEM OS HERDEIROS DONATÁRIOS TRAZER ACOLAÇÃO OS BENS RECEBIDOS EM DOAÇÃO A FIM DE SERMANTIDA A IGUALDADE DAS LEGITIMAS. RECURSO ESPECIALPROVIDO.(REsp 9.081/SP, Relator o Ministro Claudio Santos, Terceira Turma,DJ de 20/4/1992).
Importante destacar que o dever de colacionar os bens recebidos a título deliberalidade só se dispensa por expressa manifestação do doador, determinando que adoação seja extraída da parte disponível de seus bens, o que também não ocorreu nahipótese presente, conforme noticiado no aresto hostilizado. Sobre o tema: Ag n.1.394.828/SP, Relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, DJ de10/5/2012; AgRg noAg n. 484.969/SP, Relator o Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador Convocado doTJ/RS), Terceira Turma, DJ de 7/10/2009; Ag n. 1.085.789/GO, Relator o Ministro SidneiBeneti, DJ de 16/3/2009.
Por fim, sustentam os donatários, ora recorrentes, que tendo o autor daherança contemplado com a doação também os seus respectivos cônjuges, a obrigaçãode colacionar só pode atingir a parte que individualmente receberam do pai, equivalente a25% dos bens e não 50%, conforme decidiu o Tribunal de origem.
No ponto, assiste-lhes razão.
Da leitura da escritura pública de doação firmada pelo casal Pissinatti(e-STJ, fl. 46), infere-se que foram indicados como outorgados/donatários a Sra. ZoraideAparecida Pissinatti da Silva e seu marido, Jaime da Silva, o Sr. Walter Pissinatti e suaesposa, Ana Maria Prezotto Pissinatti, e a Sra. Ivete Maria Pissinatti Borges e seu marido,Carlos Antonio da Silva Borges, sendo que, dentre eles, apenas o casal Ivete e Carlos sãocasados sob o regime da comunhão parcial de bens, os demais pelo regime da comunhãouniversal.
Segundo disposição do CC/1916, vigente à época da celebração da referidaescritura pública, no casamento sob o regime da comunhão parcial, não se comunicavamos bens que sobreviessem na constância do matrimônio por doação (art. 269, I, tendo pordispositivo correspondente o art. 1.659, I, do CC/2002), já no regime da comunhãouniversal, os bens doados só não beneficiavam o cônjuge, se a doação fosse efetivadacom cláusula de incomunicabilidade (art. 263, II, tendo por dispositivo correspondente o art.1.668, I, do CC/2002).
Vê-se, assim, que nas relações matrimoniais regidas pelo regime decomunhão parcial de bens, há um claro descolamento entre a aquisição de patrimônio euma perceptível congruência de esforços do casal, pois não se verifica a contribuição donão-donatário na incorporação do patrimônio. Nessas hipótese, portanto, o aumentopatrimonial de um dos consortes prescinde da participação direta ou indireta do outro,sendo fruto da liberalidade de terceiros, razão pela qual, a doação realizada a um doscônjuges somente será comunicável quando o doador expressamente se manifestar arespeito, e, no silêncio, presumir-se-á feitas apenas ao donatário.
Dessarte, a regra geral do Código no regime da comunhão parcial, seja nocódigo de 1916, seja no atual, é de que a doação realizada a apenas um dos cônjuges nãobeneficia o outro, e, contrario sensu, haverá comunicação quanto ao bem objeto dadoação toda vez que o doador expressamente se manifestar nesse sentido.
No caso em tela, há que se considerar a peculiaridade de que a doação foirealizada pelo Sr. José Pissinatti e pela Srª. Cecília Maria Polettini Pissinatti,expressamente, em favor dos filhos e de seus respectivos cônjuges, impondo-se concluirque cada filho/donatário passou a ser proprietário individualmente da cota partecorrespondente a 25% dos imóveis, já que os outros 25% do total de sua parte disponível,o autor da herança doou aos cônjuges de seus filhos.
Como é cediço, por meio do contrato de doação, alguém (doador) se obrigaa transferir bens ou vantagens do seu patrimônio para o de outrem (donatário), movidopelo espírito de liberalidade. E não é qualquer benefício que enseja a doação, apenas o quediminui o patrimônio de bens do benfeitor e aumenta o do beneficiário.
Conforme observa Paulo Nader, “o elemento objetivo consiste no objeto daliberalidade e sem o qual não se tem doação. A transferência entre os patrimôniosopera-se com bens ou vantagens que apresentem valor econômico. Para que determinadobenefício de natureza econômica configure objeto do contrato é necessário que parte dopatrimônio do benfeitor se transfira para o do beneficiário. Ou seja, ocorre a diminuição noacervo de bens do doador e o consequente acréscimo no do donatário” (Curso de DireitoCivil: Contratos. Forense, 2008. v. III. p. 226).
Assim, nem toda liberalidade configura ato de doação, mas apenas a queimplica a diminuição no acervo patrimonial do benfeitor e o consequente acréscimo no dobeneficiado.
Nessa linha de entendimento, não há dúvida de que, na hipótese, a doaçãopura e simples realizada por escritura pública beneficiou, individualmente, não apenascada um dos herdeiros necessários, mas também os seus respectivos cônjuges, razãopela qual a colação deve ser admitida apenas sobre 25% dos bens, assim comosustentam os donatários, ora recorrentes, porque esse foi o percentual que coubeconjuntamente aos três irmãos, já que a outra metade foi destinada aos seus esposos eesposa, que poderão, inclusive, exigir sua cota da liberalidade em caso de eventualseparação.
Nem há que se cogitar, tampouco, da possível existência de fraude, uma vezque na data da celebração do contrato de doação (22/12/1987), o herdeiro preterido, orarecorrido, nem sequer havia sido concebido, o que só ocorreu em 22/11/1988.
Forte em tais fundamentos, dou parcial provimento ao recurso especial,determinando que a obrigação de colacionar recaia apenas sobre a parte que os orarecorrentes – Zoraide Aparecida Pissinatti da Silva, Walter Pissinatti e Ivete Maria PissinattiBorges – efetivamente receberam do pai, equivalente a 25% dos bens imóveis.
É como voto.
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2011/0291796-0 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.298.864 / SP
Números Origem: 02866323620098260000 2866323620098260000 4972005 6751324 6751324500994092866327
PAUTA: 19/05/2015 JULGADO: 19/05/2015
Relator
Exmo. Sr. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO DE PAULA CARDOSO
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : ZORAIDE APARECIDA PISSINATTI DA SILVA E OUTROS
ADVOGADOS : LUIZ ANTÔNIO SOARES HENTZ E OUTRO(S)
ANDRÉ SOARES HENTZ E OUTRO(S)
RECORRIDO : G J DE M P (MENOR)
REPR. POR : R A DE M
ADVOGADO : VIVIANE BARUSSI CANTERO E OUTRO(S)
INTERES. : JOSÉ PISSINATTI – ESPÓLIO
REPR. POR : CECÍLIA MARIA POLETTINI PISSINATTI – INVENTARIANTE
ASSUNTO: DIREITO CIVIL – Sucessões – Inventário e Partilha
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe nasessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A Terceira Turma, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso especial, nostermos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Paulo de Tarso Sanseverino e Ricardo Villas BôasCueva (Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
DJe: 29/05/2015