CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Instrumento particular de constituição de hipoteca cedular vinculado à cédula de crédito bancário – Irresignação parcial decorrente de requerimento formulado no curso do procedimento – Conduta que torna prejudicada a dúvida – Inviabilidade do registro se assim não fosse – Corretas as exigências do oficial, em observância aos princípios da legalidade, da especialidade e da continuidade – Recurso não conhecido.

ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0001449-56.2013.8.26.0642, da Comarca de Ubatuba, em que é apelante BANIF – BANCO INTERNACIONAL DO FUNCHAL (BRASIL) S.A, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE UBATUBA.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NÃO CONHECERAM DO RECURSO, V.U. DECLARARÁ VOTO CONVERGENTE O DES. ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.
São Paulo, 18 de novembro de 2014.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Apelação Cível n° 0001449-56.2013.8.26.0642
Apelante: BANIF – Banco Internacional do Funchal (Brasil) S.A.
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Ubatuba
VOTO N° 34.092
Registro de imóveis – Dúvida – Instrumento particular de constituição de hipoteca cedular vinculado à cédula de crédito bancário – Irresignação parcial decorrente de requerimento formulado no curso do procedimento – Conduta que torna prejudicada a dúvida – Inviabilidade do registro se assim não fosse – Corretas as exigências do oficial, em observância aos princípios da legalidade, da especialidade e da continuidade – Recurso não conhecido.
Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença do MMº Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Ubatuba, que julgou procedente a dúvida suscitada e recusou o registro na matrícula n° 38.114 do instrumento particular de constituição de hipoteca cedular vinculado à cédula de crédito bancário, sob o fundamento de que a alteração do imóvel para condomínio edilício impossibilita registro posterior de hipoteca que recai sobre toda a área, como se condomínio não houvesse, porque viola o princípio da continuidade registrária, e que há necessidade de rerratificação do título para que incida o ônus real sobre as unidades que ainda não foram transmitidas a terceiros.
O apelante afirma que nos termos do artigo 42 da Lei 10.931/04, o contrato de garantia hipotecária não depende de registro para produzir efeitos entre a instituição financeira credora e o devedor, razão pela qual a garantia que abrangeu a totalidade do imóvel estava formalizada desde o dia em que foi assinada a cédula de crédito bancário e antes do efetivo desmembramento, e que nos termos do artigo 32, § 2°, da mesma Lei, é ilegal posterior parcelamento e alienação de frações do imóvel outorgado em garantia hipotecária, sem prévia anuência do credor. Diz que não é caso de rerratificação do instrumento de garantia, porque a possibilidade de a hipoteca incidir sobre as áreas remanescentes ainda não alienadas encontra amparo no artigo 1.488 do Código Civil, que exige apenas o requerimento judicial, providência que foi tomada no caso em tela, e que o requerimento de registro da hipoteca sobre o remanescente com expressa exclusão dos lotes já alienados não viola o princípio da continuidade, porque neste caso a garantia incide somente sobre bem que ainda está em nome do próprio devedor, além de tal princípio se referir exclusivamente ao nome da pessoa. Acrescenta que a cláusula segunda e seu item 2.2. dispõem sobre o fato de o imóvel estar em processo de loteamento e instituição de condomínio e de a hipoteca abranger não só o imóvel, mas também todas as acessões, melhoramentos e quaisquer outras benfeitorias presentes e futuras, mesmo que decorrentes de imobilização por destinação, além de o registro da hipoteca fracionada entre as matrículas das unidades autônomas resguardar os direitos de futuros adquirentes. Aduz que devido à informação do Oficial de que as 34 (trinta e quatro) unidades autônomas estão individualizadas e possuem numeração de matrículas, a garantia hipotecária deverá recair sobre todas as unidades que permanecem na titularidade da devedora.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso.
É o relatório.
A dúvida está prejudicada, e, consequentemente, o recurso não deve ser conhecido.
O interessado, ciente da nota devolutiva apresentada pelo Oficial, na qual um dos óbices se relaciona à constituição de condomínio edilício e transmissão a terceiros de 5 (cinco) das 34 (trinta e quatro) unidades autônomas com matrículas, ao impugnar a dúvida requereu que “seja o oficial de registro suscitante autorizado a efetuar o registro da hipoteca nas matrículas abertas para as unidades autônomas que permanecem na titularidade da hipotecante, quais sejam, todas as unidades listadas acima, com exceção das unidades 11-A, 14-A, 31-A, 31-B e 34B”. Esta manifestação revela concordância com a impossibilidade de o registro da hipoteca abranger as referidas unidades que não são da titularidade do domínio da empresa devedora, o que configura irresignação parcial.
O inconformismo parcial prejudica a dúvida, pois, ainda que afastadas as demais exigências impugnadas, o registro será inviável, pela impossibilidade de sanar a falta mediante apresentação do referido requerimento de exclusão das unidades condominiais alienadas no curso do procedimento, porque haveria ilegal prorrogação do prazo da prenotação e permissão de dilações e complementações em detrimento de direitos posicionais que acaso pudessem existir em contraposição ao do suscitado, conforme reiteradas decisões do Colendo Conselho Superior da Magistratura neste sentido (Apelações Cíveis números 15.351-0/6, 30.736-0/6, 31.007-0/4, 59.191-0/7).
Caso a dúvida não estivesse prejudicada, o registro não seria possível, porque as demais exigências são pertinentes.
É cediço que a análise do título pelo Oficial deve estar norteada pelos princípios que regem os registros públicos. Consoante lições da Afrânio de Carvalho, o Oficial tem o dever de proceder o exame da legalidade do título e apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e sua formalização instrumental (Registro de Imóveis, editora Forense, 4ª edição). O exame da legalidade consiste na aceitação para registro somente do título que estiver de acordo com a lei.
O artigo 225 e § 1° da Lei n° 6.015/73 assim dispõem:
“Art. 225. Os tabeliães, escrivães e juízes farão com que, nas escrituras e nos autos judiciais, as partes indiquem, com precisão, os característicos, as confrontações e as localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes e, ainda, quando se tratar só de terreno, se esse fica do lado par ou do lado ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância métrica da edificação ou da esquina mais próxima, exigindo dos interessados certidão do registro imobiliário.
§ 1° As mesmas minúcias, com relação à caracterização do imóvel, devem constar dos instrumentos particulares apresentados em cartório para registro.”
Este dispositivo legal atende o princípio da especialidade objetiva, previsto no artigo 176 da Lei de Registros Públicos, que exige a identificação do imóvel como um corpo certo, permitindo o encadeamento dos registros e averbações subsequentes, e com o fim de não prejudicar o controle da disponibilidade.
O princípio da continuidade, que se apoia no da especialidade, ao contrário do que afirma o apelante, não se refere exclusivamente ao nome da pessoa.
Com efeito, o princípio da continuidade está consagrado no artigo 195 da Lei de Registros Públicos, o qual exige que o imóvel esteja matriculado ou registrado em nome do outorgante, mas está também consagrado no artigo 225, § 2°, da mesma Lei, e assim dispõe: “Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior”.
O título sob exame, como bem observou o Oficial, se limitou a consignar no item 2.1 da cláusula segunda que “Em garantia do cumprimento das Obrigações Garantidas, o HIPOTECANTE dá o IMÓVEL ao CREDOR em primeira, única e especial hipoteca, perfeitamente descrito e individualizado na matrícula n° 38.114, do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Ubatuba, Estado de São Paulo”, ou seja, não descreve o imóvel objeto da garantia, como exigido por lei, além de se tratar de área na qual foi registrada a instituição e especificação de condomínio e criadas 34 (trinta e quatro) unidades autônomas, das quais 5 (cinco) foram alienadas a terceiros e possuem matrículas próprias, portanto, não há coincidência entre o que consta do registro existente e o que consta do título o qual é genérico e nada especifica.
A situação ora descrita configura afronta aos princípios da legalidade, da especialidade, da continuidade, e compromete o controle da disponibilidade.
Além do mais, não se discute nem se controverte acerca dos direitos invocados pelo apelante, baseado no disposto no artigo 42 da Lei 10.931/04, segundo o qual o contrato de garantia hipotecária produz efeitos entre o credor e o devedor independente de registro, e com fundamento no artigo 1.488 do Código Civil, sob o argumento de que este dispositivo legal possibilita a incidência da hipoteca sobre as áreas remanescentes ainda não alienadas, contudo, estes direitos não o exime do dever de observar as regras estabelecidas não só no próprio artigo 1.488 do Código Civil, que exige especificação, como na Lei de Registros Públicos, para possibilitar o ingresso do título no fólio real.
O Desembargador Francisco Eduardo Loureiro, ao comentar o artigo 1.488 do Código Civil, na obra “Código Civil Comentado Doutrina e Jurisprudência”, Ed. Manole, 1ª ed., 2007, assim dispõe:
“Pode também o imóvel onerado ser loteado – ou desmembrado – ou submetido ao regime de condomínio edilício, com atribuição de unidades autônomas. A hipoteca gravará, a princípio, cada lote ou unidade autônoma produto do negócio jurídico. Confere a norma em exame, como exceção ao princípio da indivisibilidade da garantia real, o direito potestativo do credor, do devedor, do terceiro prestador, ou do adquirente da coisa em garantia, de divisão do ônus real, gravando cada lote ou unidade autônoma de acordo com a proporção entre o valor de cada um deles e o valor do crédito”.
E, mais adiante, dispõe que:
“O desmembramento da hipoteca pode dar-se na via negocial ou judicial. Na via negocial, deve haver manifestação do dono do imóvel gravado – ou adquirente – e do credor, por escritura pública levada ao registro imobiliário.
Na via judicial, podem requerer a medida, em processo de conhecimento, o credor, o devedor e o proprietário do imóvel gravado, ou seu adquirente, aí incluído o promitente comprador, titular de direito real de aquisição. Pode o credor em contestação alegar e provar que o desmembramento provoca a diminuição da garantia real. Note-se que o desmembramento far-se-á obedecida a proporção entre o valor de cada um dos lotes ou unidades e o valor total do crédito. A divisão, portanto, não é feita pro rata e nem pelo tamanho de cada unidade, mas pelos respectivos valores que, no caso de discordância, pode exigir avaliação judicial, na fase de conhecimento ou em liquidação por arbitramento.”.
Em suma, o título tal como apresentado não atende as exigências legais.
À vista do exposto não conheço do recurso.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Apelação Cível 0001449-56.2013.8.26.0642
Apelante: BANIF Banco Internacional do Funchal (Brasil) S. A.
Apelada: Ofício de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da comarca de Ubatuba
DECLARAÇÃO DE VOTO CONVERGENTE
VOTO N° 29.275

  1. Nestes autos de dúvida, foi interposta apelação contra sentença dada pelo Juízo Corregedor Permanente do Ofício de Registro de Imóveis, de Títulos e Documentos, e Civil de Pessoas Jurídicas de Ubatuba. Essa decisão manteve a negativa de registro stricto sensu de uma cédula hipotecária estipulada em garantia da cédula de crédito bancário 02.03.0482.11. Fundou-se a sentença no fato de que, segundo o título, a hipoteca cedular abrangeria todo o imóvel da matrícula 38.114; contudo, sobre esse imóvel já teria sido instituído e especificado condomínio edilício, e essa circunstância impediria o registro pretendido.

Alega o apelante que, nos termos da Lei 10.931/2004, arts. 32, § 2º, e 42, a hipoteca teria sido constituída antes da instituição e especificação do condomínio edilício (ou seja, na data em que foi celebrada a cédula de crédito). Desse modo, por força do Cód. Civil, art. 1.488, seria possível que se fizesse o registro stricto sensu da cédula hipotecária apenas sobre as unidades autônomas, e para essa finalidade deveria ser dado provimento ao recurso.
É o relatório.

  1. A incorporação imobiliária foi registrada em 02.02.2010, e o condomínio edilício foi instituído e especificado em 05.08.2011, como se vê na matrícula 38.114. A cédula hipotecária, que versa a totalidade do imóvel, foi emitida em 21.12.2011 (fls. 27-33).

Portanto, já na data de estipulação da hipoteca a descrição do imóvel constante do título não mais correspondia à descrição constante da matrícula. Logo, o ofício de registro de imóveis (e, depois dele, o juízo corregedor permanente) não podiam deferir o registro stricto sensu, por ofensa ao princípio da especialidade objetiva (LRP/1973, art. 225, §§ 2°-3°).
Contra essa conclusão não favorece o credor hipotecário (ora apelante) invocar:
(a) a Lei 10.931/2004, arts. 32, § 2º, e 42, pois, como está expressamente ressalvado nessa última regra, a hipoteca (mesmo a cedular) só se constitui (só “vale contra terceiros”) se e quando o respectivo título for apresentado ao ofício de registro de imóveis e o registro stricto sensu for deferido; portanto, ainda que o título tivesse sido formado antes da instituição do condomínio edilício (o que, de resto, não é verdade in casu), nem por isso o registro poderia ser deferido, se a rogação só se desse (como de fato se deu) quando o condomínio já existisse (como de fato já existia); nem
(b) o Cód. Civil, art. 1.488, caput, pois essa regra (que excepciona a indivisibilidade da hipoteca prevista no art. 1.421) pressupõe não apenas que a cédula hipotecária tenha sido apresentada a registro antes da instituição do condomínio edilício (verbis “se o imóvel, dado em garantia hipotecária, vier a ser loteado, ou se nele se constituir condomínio edilício…”), mas também que, para a divisão, o título descreva cada unidade autônoma e a proporção da dívida que caiba a cada um, o que não existe na cédula hipotecária apresentada.
Tanto o título não servia para o propósito pelo qual foi apresentado (= dar causa a uma hipoteca sobre a totalidade do imóvel), que ao impugnar a dúvida o ora apelante concordou com a exigência do ofício de registro de imóveis e solicitou que, em vez do imóvel todo, a hipoteca recaísse somente sobre as unidades autônomas ainda não alienadas (fls. 79). Por tal razão, a dúvida em verdade está prejudicada, e a apelação não pode ser conhecida.

  1. Ante o exposto, voto pelo não conhecimento do recurso de apelação.

ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO
Presidente da Seção de Direito Privado
(DJe de 02.03.2015 – SP)