CGJ|SP: Defensoria Pública – Requisição de Certidões às Serventias Extrajudiciais – Gratuidade – Inteligência da Lei Complementar Estadual 988/06 – Escopos da Defensoria Pública – Regramento em Caráter Geral e Normativo.

DICOGE 5.1
PROCESSO Nº 2014/107523 – SÃO VICENTE – CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.
PARECER (27/2015-E)
DEFENSORIA PÚBLICA – REQUISIÇÃO DE CERTIDÕES ÀS SERVENTIAS EXTRAJUDICIAIS – GRATUIDADE – INTELIGÊNCIA DA LEI COMPLEMENTAR ESTADUAL 988/06 – ESCOPOS DA DEFENSORIA PÚBLICA – REGRAMENTO EM CARÁTER GERAL E NORMATIVO.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,
Trata-se de expediente iniciado por provocação do Juiz Corregedor Permanente do Registro de Imóveis de São Vicente, que entendeu, diante de reclamação da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, que os Cartórios Extrajudiciais deveriam emitir certidões, a esse órgão, sem a cobrança de emolumentos.
Em face do caráter geral da consulta, ouviram-se o Defensor Público Geral do Estado e as Associações de Classe.
A Defensoria Pública defendeu a possibilidade de isenção para os pedidos de emissão de certidões. As Entidades de Classe, contudo, foram contrárias ao pleito.
Passo a opinar.
Em primeiro lugar, é necessário delimitar a extensão desse parecer. A Defensoria Pública deixou claro que a isenção que pleiteia refere-se aos emolumentos cobrados, tão somente, para a expedição de certidões. Nada além disso.
Portanto, de forma correlata, o parecer que segue limita-se a tratar de isenção para expedição de certidões, ato previsto no artigo 16, 1º, da Lei n. 6.015/73 e item 36, do Capítulo XIII, das Normas de Serviço.
Por essa razão, afasta-se, desde já, o argumento de que a Corregedoria Geral da Justiça tem precedente firmado sobre o assunto. Não tem. Os precedentes paradigmas abordados nestes autos – processos CG 340/2007, 89/2007 e similares – cuidam de hipóteses diferentes. Lá, o que se pedia era a isenção, sem determinação jurisdicional, para atos de registro – em sentido amplo – e lavratura de escrituras. Aqui, repito, aborda-se, apenas, a questão da emissão de certidões, gratuitamente, mediante requisição da Defensoria Pública.
Posta a questão em seus devidos termos, entendo que a isenção deva ser regrada, em caráter normativo, pela Corregedoria.
A Lei Complementar Estadual n. 988/06, que organizou, em âmbito estadual, a Defensoria Pública, reza, em seu art. 2º:
Artigo 2º – A Defensoria Pública do Estado é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, e tem por finalidade a tutela jurídica integral e gratuita, individual e coletiva, judicial e extrajudicial, dos necessitados, assim considerados na forma da lei. (grifos meus)
Já o art. 5º, VI, alínea ‘a’ , diz:
Artigo 5º – São atribuições institucionais da Defensoria Pública do Estado, dentre outras:
VI – promover:
a) a mediação e conciliação extrajudicial entre as partes em conflito de interesses; (grifo meu)
E o art. 162, incisos IV e IX:
Artigo 162 – São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Estado, além daquelas definidas na legislação federal:
IV – requisitar, a quaisquer órgãos públicos estaduais, exames, certidões, cópias reprográficas, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais providências necessárias ao exercício de suas atribuições, podendo acompanhar as diligências requeridas;
IX – agir, em juízo ou fora dele, com isenção de emolumentos, taxas e custas do foro judicial e extrajudicial, no exercício de suas funções; (grifo meu)
Tais dispositivos legais – previstos em Lei Complementar, ressalte-se -, deixam entrever que: a) a finalidade da Defensoria é conferir ao hipossuficiente a tutela jurídica, integral e gratuita, judicial ou extrajudicialmente; b) para tanto, deve promover, sempre, a conciliação e mediação extrajudiciais; c) e, com esse desiderato, tem a prerrogativa de requisitar certidões de órgãos públicos, no exercício de sua atividade, em juízo ou fora dele, com isenção de emolumentos.
As Entidades de Classe aduzem, como argumento central, que os emolumentos têm a natureza jurídica de taxa e que eventual norma de isenção só poderia decorrer de lei que especificasse as condições e requisitos exigidos para a sua concessão (art. 176, do Código Tributário Nacional). Em São Paulo, a norma que trata da matéria é a Lei n. 11.331/02 – Lei de Custas -, que só prevê, como hipótese de isenção, os atos praticados em cumprimento de mandados judiciais expedidos em favor da parte beneficiária da justiça gratuita (art. 9º, II). Logo, por esse raciocínio, a isenção só poderia ser determinada por mandado judicial, enfatizando-se que a legislação tributária que disponha sobre isenção interpreta-se literalmente (art. 111, II, do Código Tributário Nacional).
Efetivamente, não paira dúvida sobre a natureza jurídica dos emolumentos. Cuida-se de taxas. A isenção de pagamento, por isso, depende de lei que a preveja. Acredito, no entanto, que é justamente isso que a Lei Complementar Estadual 988/06 faz.
A Lei 988/06 prevê uma hipótese de isenção absoluta, simples, por prazo indeterminado, ampla, especial, subjetiva e autonômica (Hugo de Brito Machado, Curso de Direito Tributário, 14ª edição, São Paulo: Malheiros, 1998, p. 159/160). Absoluta, porque concedida diretamente por lei, sem a necessidade, para sua efetivação, de qualquer ato de autoridade administrativa; simples, porque não há imposição de ônus ao interessado, que não a comprovação de que está agindo no exercício de sua atividade; por prazo indeterminado, à falta de prazo certo da isenção; ampla, pois prevalente em todo o território da entidade tributante (Estado de São Paulo), especial, já que abrange, no presente caso, um tributo específico: os emolumentos devidos para a expedição de certidão; subjetiva, porque leva em consideração a situação especial de quem seria o sujeito passivo da obrigação tributária; e autonômica, visto que concedida por lei da própria pessoa jurídica titular da competência para instituir o tributo.
Tal lei especifica, absolutamente: 1) as condições e requisitos exigidos para sua concessão: que a Defensoria Pública atue, no exercício de sua atividade, para a tutela jurídica, integral e gratuita, do necessitado, notadamente na busca da conciliação ou mediação extrajudicial; 2) o tributo a que se aplica: emolumentos, ou seja, taxas, devidos por conta da expedição de certidões.
Ora, respeitadas opiniões diversas, não vejo o que mais se pode exigir para que se identifique, aí, uma hipótese de isenção.
É evidente que a Lei de Custas – 11.331/02 – não previu a hipótese. Nem seria possível. A Defensoria Pública só foi organizada, de fato, no ano de 2006 e, portanto, apenas a partir daí se poderia pensar na isenção a ela concedida.
Não fosse apenas isso, mencionada norma é Lei Complementar, que, além de posterior, para boa parte da doutrina é hierarquicamente superior à Lei Ordinária, status de que goza a Lei de Custas. Vale dizer, impõe-se sua aplicação tanto pelo critério temporal como pelo critério hierárquico.
Não fosse apenas pelo aspecto legal, a normatização da isenção também se alinha à tendência atual de desjudicialização dos conflitos.
Vossa Excelência, assim como o Digníssimo Presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, tem ressaltado amiúde a necessidade do fomento dos métodos extrajudiciais de resolução de conflitos. Afora a negociação – que pressupõe o diálogo direto entre os envolvidos, sem a intervenção de um terceiro imparcial -, a conciliação e a mediação estão na pauta do Conselho Nacional de Justiça, cuja Resolução n. 125 cuida da política pública de tratamento adequado dos conflitos de interesses.
Ora, diante desse quadro, parece-me essencial permitir que a Defensoria possa, no exercício de sua atividade, requisitar certidões, de forma gratuita, com vistas a obter a conciliação entre as partes. Previne-se ou compõe-se o litígio, extrajudicialmente, evitando-se todos os males inerentes ao ajuizamento desenfreado de ações.
Por outro lado, entender-se que a isenção só possa decorrer de determinação judicial, concedida em processo, no qual tenha sido deferida a assistência judiciária, equivale a empurrar as partes a juízo. Ora, se à Defensoria for defeso requisitar certidões, gratuitamente, e se isso for necessário para compor o litígio, ela terá que ajuizar ações que, provavelmente, não ajuizaria.
É absolutamente incongruente que, de um lado, se confira à Defensoria a missão de promover a conciliação e mediação extrajudiciais e, de outro, se lhe retirem os meios de fazê-lo. Muitas vezes, de posse de uma mera certidão, poderá a Defensoria verificar a pertinência ou viabilidade do ajuizamento de ações. Poderá, também, à vista do documento, esclarecer e convencer as partes sobre seus direitos. Tudo sem a necessidade do ajuizamento de ação.
Não se deve temer, por outro lado, que a Defensoria Pública venha a permitir abusos na requisição de certidões para a solução ou prevenção de conflitos envolvendo os necessitados. Muito pelo contrário. A Defensoria é extremamente rígida no exame dos requisitos para a admissão de patrocinados, não se podendo crer que passarão por seu filtro casos que prescindam de tutela. Aliás, visto que pautado em critérios objetivos, esse crivo é por vezes mais rígido que o jurisdicional.
Aliás, já é tempo de conferir à Defensoria Pública a envergadura e dignidade que a instituição merece. Cuida-se de órgão incumbido, lado a lado ao restante da Advocacia, ao Ministério Público e ao Judiciário, de obter a pacificação social. E de nada adianta a lei conferir à Defensoria os meios de alcançar tal fim se se entender que, no final das contas, ela precisa da tutela do Poder Judiciário. Veja-se: se a Lei 988/06 diz, expressamente, que a Defensoria deve promover a tutela jurídica integral e gratuita, individual e coletiva, judicial e extrajudicial, dos necessitados; fomentar a mediação e conciliação extrajudicial; e, para tanto, requisitar, a quaisquer órgãos públicos estaduais, exames, certidões, agindo em juízo ou fora dele, com isenção de emolumentos, taxas e custas do foro judicial e extrajudicial, por qual razão condicionar sua iniciativa ao crivo judicial? Qual o sentido de atrelar a prerrogativa de requisitar gratuitamente certidões ao comando positivo de um juiz?
Nem se diga que os serviços extrajudiciais têm caráter privado. Isso não é verdade. Trata-se de um serviço público, prestado em regime de delegação. Se o mesmo ente que instituiu o tributo previu, em lei hierarquicamente superior e posterior, uma hipótese de isenção, a obediência a essa norma é cogente.
Ante o exposto, o parecer que, respeitosamente, submeto a Vossa Excelência é no sentido de que se determine, em caráter geral e normativo, a todas as serventias extrajudiciais do Estado de São Paulo, que, diante de requisições feitas pela Defensoria do Estado, emitam as respectivas certidões gratuitamente, independentemente do pagamento de emolumentos.
Sub censura.
São Paulo, 02 de fevereiro de 2015.
(a) Swarai Cervone de Oliveira
Juiz Assessor da Corregedoria.
DECISÃO: Aprovo o parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, determino, em caráter geral e normativo, a todas as serventias extrajudiciais do Estado de São Paulo, que, diante de requisições feitas pela Defensoria do Estado, emitam as respectivas certidões gratuitamente, independentemente do pagamento de emolumentos. Publique-se no DJE em três dias alternados, dada a relevância da matéria. São Paulo, 06 de fevereiro de 2015.
(a) HAMILTON ELLIOT AKEL, Corregedor Geral da Justiça.
(DJe de 20.02.2015 – SP)