1ª VRP|SP: Registro de escritura de doação – Direito de acréscimo convencional – Doação conjunta – Descaracterização de fideicomisso – Dúvida improcedente.

1110538-37.2014
(CP 409)
Dúvida
4º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo
F. R. G. e outro
Sentença (fls.54/57)
Registro de escritura de doação direito de acréscimo convencional doação conjunta – descaracterização de fideicomisso dúvida improcedente.
Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de F. R. G. e R. R. G., em face da negativa em se proceder ao registro da escritura de doação, na qual os suscitados receberam de seus genitores (E. M. R. G. e I. R. G.) frações ideais referentes aos imóveis matriculados sob nºs 54.133, 77.245 e 153.787.
O óbice registrário refere-se à clausula de acréscimo entre donatários instituída no documento apresentado, em seu item “quinto”, denominado “Das Cláusulas e da Justificativa” (fl.25).
Aponta o Registrador violação do disposto no artigo 547, parágrafo único, do Código Civil, que veda o fideicomisso “inter vivos”, bem como a regra do artigo 551 do Código Civil, que estabelece que o direito de acrescer na doação só se aplica quando os donatários forem marido e mulher. Juntou documentos às fls. 05/39. Os sucitados apresentaram impugnação (fls. 40/43). Argumentam que a cláusula de acréscimo não se confunde com o fideicomisso e discorrem sobre a diferença entre os institutos do fideicomisso, acréscimo e reversão, estes considerando o contrato de doação.
O Ministério Público opinou pela improcedência da dúvida (fls. 51/53).
É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.
Verifico que os impugnantes não estão sendo representados processualmente. Assim, no caso de interposição de eventual recurso ou qualquer outra prática de atos processuais, deverão regularizar sua representação, tendo em vista a ausência de capacidade postulatória.
Feita esta consideração, passo a análise do mérito. Pretendem os suscitados o registro da escritura de doação de bens imóveis (fls. 21/27), na qual os seus genitores, figurando como doadores, os beneficiaram com 1/12 (um doze avos) de cada um dos bens acima mencionados.
O óbice registrário imposto não merece prosperar. Ao contrário do que faz crer o Registrador, a presente hipótese não se trata de fideicomisso (previstos nos artigos 1951 a 1960 do Código Civil), mas sim direito de acréscimo entre os donatários, caracterizando doação conjunta.
De acordo com recente artigo publicado na revista “Direito”, pelo Professor Jorge Americano, sob o título “Fideicomisso por ato entre vivos”, com o qual concordo, são inválidas as estipulações fideicomissárias nas doações “inter vivos”.
A afirmação baseia-se nas seguintes razões: “A) O fideicomisso nas doações “inter vivos” contém um pacto “de sucedendo”, proibido pelo artigo 1089 do Código Civil; B) O fideicomisso é forma de substituição e na lei só tem lugar no direito sucessório; C) Se o nosso Código quisesse admiti-lo no nosso direito, teria feito como no português, de modo expresso; D) A disposição a favor de pessoa que não tem parte no ato, ou seja, o fideicomissário, não tem cabimento no ato bilateral de doação, mas só na transmissão “causa mortis”. E) Não cabe interpretação analógica, visto como a matéria da substituição é de lei especial”.
Todavia, a questão posta a deslinde deverá ser tratada como doação. A doação consubstancia típico ato de liberalidade, por maio do qual uma pessoa transfere a outra (s) bem ou vantagem integrante do patrimônio dela. Em se tratando de contrato, o aperfeiçoamento do negócio está condicionado à aceitação pelo donatário, ainda que tacitamente (exigindo-se para esta finalidade, ordinariamente, um comportamento qualificado apto a evidenciar a concordância por parte do beneficiário).
De acordo com o artigo 551 do Código Civil: “Salvo declaração em contrário, a doação em comum a mais de uma pessoa entende-se distribuída entre elas por igual”. Daí se conclui que ao contrário da argumentação do Registrador, a doação poderá ser feita com clausula de acréscimo a mais de uma pessoa, mesmo não sendo cônjuges (direito de acrescer convencional).
Segundo leciona Maria Helena Diniz acerca da doação convencional: “ A doação poderá ser feita em comum a várias pessoas, distribuída por igual entre elas, sendo uma obrigação divisível (CC, art 551), porém, o doador poderá, se quiser, estipular divisão desigual”. (Curso de Direito Civil Brasileiro 23ª edição, p. 240).
Como bem explanado pela Douta Promotora de Justiça: “…. Não se pode olvidar que no direito contratual vigora a autonomia da vontade, sendo que ausente vedação expressa, faculta-se às partes dispor da maneira que melhor lhes aprouver”.
Neste mesmo sentido, o professor Nelson Rosenvald, interpretando o artigo 551 do Código Civil diz que: “… Todavia independentemente da qualificação dos donatários, a autonomia privada do doador permite a estipulação de clausula expressa de direito de acrescer sobre o bem doado, seja no próprio título constitutivo da doação, seja em posterior testamento”. Logo, descabido o entrave.
Diante do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 4º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de F. R. G. e R. R. G., e determino o registro do documento apresentado. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos.
P. R. I.C.
São Paulo, 29 de janeiro de 2015.
Tania Mara Ahualli Juíza de Direito
(DJe de 06.02.2015 – SP)