1ª VRP|SP: Registro de escritura de inventário e adjudicação – alegada necessidade de ação de reconhecimento de união estável ante a ausência de outros herdeiros – existência de declaração de união estável firmada pelos cônjuges que supre a via judicial – Dúvida improcedente.

Processo 1120996-16.2014.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis

M. L. da S.

Registro de escritura de inventário e adjudicação – alegada necessidade de ação de reconhecimento de união estável ante a ausência de outros herdeiros – existência de declaração de união estável firmada pelos cônjuges que supre a via judicial – Dúvida improcedente.

Trata-se de dúvida suscitada pelo Oficial do 5º Registro de Imóveis da Capital a requerimento de M. L. da S., ante a negativa em se proceder ao registro da escritura de inventário e adjudicação, em que o imóvel matriculado sob nº 34.068, dentre outros, foi adjudicado à suscitada no inventário extrajudicial de seu ex-companheiro I. A..

Os óbices registrários referem-se: a) necessidade do reconhecimento da união estável pela via jurisdicional; b) necessidade do inventário operar-se por ação judicial. Sustenta o Registrador que o “de cujus” foi qualificado na matrícula supra mencionada como separado e faleceu, em 14.02.2014, sem deixar testamento e herdeiros. Relata que na escritura de inventário e adjudicação constou que sua única herdeira é a suscitada, com quem convivia em união estável desde 1991, conforme declaração firmada por ambos em julho de 2001 e registrada no 3º Registro de Títulos e Documentos da Capital. Juntou documentos às fls. 04/33. A suscitada apresentou impugnação (fls. 34/36).

Alega que, de acordo com a Constituição Federal de 1988, a união estável foi alçada à condição de entidade familiar, não havendo distinção entre o companheira que vivia em união estável e o cônjuge, consequentemente deve ser aplicado a presente hipótese o artigo 1.829, III e IV do Código Civil, que trata da ordem de vocação hereditária.

O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida.

É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.

Em que pese as alegações do Oficial Registrador e da Douta Promotora de Justiça, verifico que a dúvida é improcedente. Decerto, conforme estipulada na Resolução nº 35 do CNJ, que disciplinou a Lei 11.441/2007: “O companheiro que tenha direito à sucessão é parte, observada a necessidade de ação judicial se o autor da herança não deixar outro sucessor ou não houver consenso de todos os herdeiros, inclusive quanto ao reconhecimento da união estável”.

E ainda nos termos da NSCGJ, no Capitulo XIV, item 112: “O companheiro que tenha direito à sucessão é parte, observada a necessidade de ação judicial se o autor da herança não deixar outro sucessor ou não houver consenso de todos os herdeiros, inclusive quanto ao reconhecimento da união estável”.

Pois bem, conforme verifica-se na averbação da certidão de óbito acostada às fls. 25/26, o “de cujus”, vivia em união estável, bem como não deixou filhos e testamento, sendo a suscitada a única herdeira. Neste contexto, verifica-se à fl.29 que, em julho de 2001, foi firmada perante o 3º Registro de Títulos e Documentos da Capital declaração de união estável pela suscitada e o falecido companheiro, reconhecendo o tempo de convívio por prazo superior a dez anos.

A declaração de união estável com firma reconhecida pelo Tabelião, possui efeitos “erga omes”, ou seja, válida perante terceiros, sendo desse modo aplicável o texto legal, ou seja, o reconhecimento da união estável pela via jurisdicional, desde que não haja qualquer declaração de vontade emanada de livre e espontânea vontade pelos companheiros.

Ademais, observa-se que até a presente data, não houve qualquer impugnação em relação à declaração e consequentemente o ingresso com ação judicial geraria um grande ônus para a parte e para o Judiciário, bem como descaraterizaria os efeitos da declaração de reconhecimento firmada pelos próprios interessados.

Neste contexto, de acordo com Paulo Gaiger Ferreira, Tabelião do 26º Tabelionato de Notas da Capital: “O contrato de convivência afetiva está fundado no princípio da autonomia da vontade, a liberdade que tem cada um de se comprometer segundo os seus desejos e aspirações, obrigando-se por sua palavra e não ao contrário, pela palavra alheia ou pela lei generalizante” (Grandes Temas de Direito de Família e das Sucessões, editora Saraiva, 1ª edição, p. 230).

Dai conclui-se que a pessoa que declara a união estável, quer os efeitos legais previstos pelo Instituto, equiparado ao casamento para todos os fins, sendo que a obrigatoriedade do ingresso na via judicial para tal reconhecimento afrontaria o espírito da lei.

Diante do exposto, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo Oficial do 5º Registro de Imóveis da Capital, a requerimento de M. L. da S., a fim de que se proceda ao registro da escritura de inventário e adjudicação (fls. 11/24), junto à matrícula nº 34.068. Não há custas, despesas processuais ou honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 09 de janeiro de 2015.

Tania Mara Ahualli Juíza de Direito

(DJe de 20.01.2015 – SP)