1ª VRP|SP: Registro Formal de Partilha – Casamento sob o regime da comunhão universal de bens – divórcio sem partilha de bens – mancomunhão – inexistência de quinhão patrimonial individualizado – não tendo sido partilhados os bens adquiridos na constância do casamento pelo regime da comunhão universal de bens, a mancomunhão é absorvida pela herança – Dúvida improcedente.

Processo 1066033-58.2014.8.26.0100

Dúvida – Registro de Imóveis

M. G. C. e outros

Registro Formal de Partilha – Casamento sob o regime da comunhão universal de bens – divórcio sem partilha de bens – mancomunhão – inexistência de quinhão patrimonial individualizado – não tendo sido partilhados os bens adquiridos na constância do casamento pelo regime da comunhão universal de bens, a mancomunhão é absorvida pela herança – Dúvida improcedente.

Trata-se de dúvida inversa suscitada por M. G. C., L. A. S. e A. de F. T. S. em face da negativa do Oficial do 1º Registro de Imóveis da Capital em proceder ao registro do Formal de Partilha expedido pelo MMº Juízo da 6ª Vara da Família e Sucessões do Foro Central, junto à matrícula nº 57.654.

Alegam os suscitantes que M. G. C. é legatária do “de cujus” V. R. C., tendo sido com ele casada sob o regime da comunhão universal de bens. Relatam que a primeira suscitante e seu ex cônjuge, juntamente com os demais suscitantes, firmaram um instrumento particular de compra e venda do imóvel matriculado sob nº 57.654, sendo que tal bem foi adquirido pelo falecido após o divórcio, sendo que os bens do casal não foram partilhados e, consequentemente, o bem não foi transferido, fazendo parte do acervo de bens inventariados.

Sustentam que durante a tramitação do inventário não foi expedido alvará para transferência da propriedade, e que o juiz não pode determinar a expedição de alvará para a transferência de imóveis em inventários findos, pois realizada a partilha cabe ao herdeiro do quinhão promover a transferência do imóvel. Asseveram que em observância ao princípio da continuidade registral o Formal de Partilha obrigatoriamente deve ser registrado para que conste a transferência do imóvel por força de partilha para a primeira suscitante. Juntaram documentos às fls. 07/227.

O Oficial Registrador prestou informações às fls. 235/237. Argumenta sobre a existência de seis óbices registrários: a) que os bens legados à Maria Garcia Carrion foram vendidos no decorrer do inventário, tendo sido requerido alvará judicial para transmissão, sendo que do documento em referência, constou expressamente que esta transferência seria feita por meio da escritura pública. Entende que houve opção pelo instrumento notarial, restando aos interessados a elaboração da escritura pública ou o aditamento do Formal de Partilha; b) o imóvel encontra-se hipotecado à Caixa Econômica Federal; c) apresentação da carta de sentença do divórcio onde conste que o imóvel coube exclusivamente a Valentim, por ocasião do divórcio com a primeira suscitante; d) apresentação de cópia autenticada da certidão de casamento de Valentim com Maria Garcia, constando a averbação do divórcio; e) apresentação da certidão de casamento de Valentim com Rita Maria Silvestre; f) falta de qualificação dos compromissários compradores. Apresentou documentos às fls. 238/444. Os suscitantes manifestaram-se acerca do cancelamento da hipoteca que incidia sobre o imóvel, bem como a superação das demais exigências (fls.459/462, 466/467 e 479/480).

O Ministério Público opinou pela improcedência da dúvida (fl.489).

É o relatório. Passo a fundamentar e a decidir.

Conforme se verifica dos documentos juntados aos autos, M. G. C. foi casada com V. R. C. sob o regime da comunhão universal de bens, antes da Lei 6.515/77, e com o divórcio não houve a partilha, caracterizando o instituto denominado mancomunhão. Portanto, do fato jurídico da morte de V. R. C. decorreram: (a) o fim do casamento e a dissolução da sociedade conjugal, com a necessidade de fazer partilha dos bens sobre os quais havia mancomunhão, i. e., comunhão em razão da sociedade conjugal; e (b) a transmissão causa mortis do domínio e da posse da herança, gerando necessidade de partilha.

O Colendo Conselho Superior da Magistratura, em julgamento ocorrido no dia 04 de outubro de 2012, no autos da Apelação Cível nº 0037763- 38.2010.8.26.0114, abordou com minúcias as questões afetas ao patrimônio coletivo e à extinção do estado de indivisão associado ao regime da comunhão universal de bens: “De acordo com o regime da comunhão universal de bens, estatuto patrimonial eleito pelos cônjuges, o patrimônio comum compreende todos os bens, exceto os insuscetíveis de comunicação. Tal conjunto de relações jurídicas aferíveis economicamente constitui um patrimônio coletivo, enfim, um único patrimônio sob a titularidade de dois sujeitos de direito”.

Contudo, na presente hipótese não houve a partilha dos bens adquiridos pelo casal, sendo instituía a primeira suscitante através de testamento (fls.460/ 462) como legatária. Neste caso, como bem explana Philadelpho Azevedo: “Quando simultaneamente com o desquite não se faz a partilha dos bens, resta um período complementar, como acontece na herança, ou na sociedade que, depois de dissolvida, ainda entra em liquidação, fase que Carvalho de Mendonça chamava de agonia da sociedade, sem desaparecimento da personalidade jurídica”. (AZEVEDO. Philadelpho. Um triênio de judicatura. Direito de Família. São Paulo: Max Limonad, [19-], p. 347, voto 143).

Logo, tem-se que enquanto não efetivada a partilha dos bens comuns, estes pertencem a ambos os cônjuges em estado de mancomunhão, e após o falecimento de um dos cônjuges esta partilha é absorvida pela herança sobre a totalidade do imóvel, tornando herdeiros e legatários legítimos detentores de direitos da universalidade dos bens. Ao contrário do entendimento do Oficial, o estado de mancomunhão, somente cederia lugar ao estado de condomínio depois de operada a partilha dos bens do casal, o que não é o caso dos autos.

Outrossim, verifico que a quebra do princípio da continuidade registraria pela mancomunhão em relação a titularidade do domínio foi afastada em anterior processo de dúvida, que tramitou perante este Juízo (nº 0044387-14.2011.8.26.0100). Logo, entendo não haver a necessidade de expedição de alvará judicial para a efetivação do registro do formal de partilha junto à matrícula do imóvel para que o domínio do bem possa ser transferido à M. G. C. e, posteriormente, através de escritura, aos interessados L. A. S. e sua mulher.

Por fim, verifico que os outros óbices encontram-se superados, através da documentação juntada ao Formal de Partilha.

Do exposto, julgo improcedente a dúvida inversa suscitada por M. G. C., L. A. S. e A. de F. T. S., em face do Oficial do 1º Registro de Imóveis da Capital, a fim de que se proceda ao registro do Formal de Partilha. Não há custas, despesas processuais nem honorários advocatícios decorrentes deste procedimento. Oportunamente, cumpra-se o art. 203, II da Lei 6.015/73 e arquivem-se os autos.

P.R.I.C.

São Paulo, 09 de janeiro de 2015.

Tania Mara Ahualli Juíza de Direito

(DJe de 20.01.2015 – SP)