CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Aditamento – Formal de partilha – Doação da metade ideal do imóvel aos filhos – Admissibilidade – Ausência de expressa manifestação da doadora – Vício que gera nulidade do ato – Inviabilidade do registro – Recurso não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 9000001-15.2013.8.26.0602, da Comarca de Sorocaba, em que é apelante JOÃO FERNANDES MARQUES, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE SOROCABA.
ACORDAM,em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”. DECLARARÃO VOTO OS DESEMBARGADORES ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO E RICARDO MAIR ANAFE, que, juntamente com o voto do(a) Relator(a), integram este acórdão.
O julgamento teve, ainda, a participação dos Desembargadores RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, E PINHEIRO FRANCO.
São Paulo, 18 de março de 2014.
HAMILTON ELLIOT AKEL
Corregedor Geral da Justiça e Relator
VOTO N° 33.943
REGISTRO DE IMÓVEIS – DÚVIDA – ADITAMENTO – FORMAL DE PARTILHA – DOAÇÃO DA METADE IDEAL DO IMÓVEL AOS FILHOS – ADMISSIBILIDADE – AUSÊNCIA DE EXPRESSA MANIFESTAÇÃO DA DOADORA – VÍCIO QUE GERA NULIDADE DO ATO – INVIABILIDADE DO REGISTRO – RECURSO NÃO PROVIDO.
Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença do MMº Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Sorocaba, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve o óbice descrito na nota devolutiva decorrente do exame do aditamento do formal de partilha expedido pela 2ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Sorocaba, sob o fundamento de que o formal de partilha anteriormente registrado atribuiu para cada ex-cônjuge a metade ideal do imóvel, e que a modificação da titularidade do domínio dependerá de novo título translativo, no caso, escritura pública, nos termos dos artigos 541 e 108 do Código Civil.
O recorrente não concorda com o fundamento de que a doação só pode ser feita por escritura pública, porque o artigo 541 do Código Civil possibilita que seja formalizada por instrumento particular, além de o oficial sequer ter feito menção ao artigo 108 do mesmo Código, o qual não se aplica ao caso vertente, porque o valor de trinta salários mínimos é o valor atribuído pelas partes contratantes e não o valor do bem, e nenhum valor foi estabelecido.
Diz que o oficial inovou ao suscitar a dúvida, que a doadora estava representada por advogado com amplos poderes, que a intenção de doar foi inequivocamente manifestada, e que é válida a doação feita de ascendente a descendente, independentemente de aceitação ou concordância de todos os herdeiros, porque importa em adiantamento do que lhes cabe.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
O recorrente partilhou em ação judicial o bem em questão com sua ex-cônjuge e cada um passou a ter a titularidade do domínio da metade ideal do imóvel.
O formal de partilha expedido em decorrência da sentença datada de 22/07/2010 e que transitou em julgado, ingressou no registro imobiliário em 26/01/12, de modo a atribuir a cada um dos ex-cônjuges a parte ideal da titularidade do domínio do bem, na proporção mencionada.
O aditamento do formal de partilha decorre de petição datada de março de 2012, na qual os requerentes mencionam que “Entretanto, embora não tenha ficado claro anteriormente, inclusive no Instrumento de Partilha Amigável fls. 71/72, o certo é que a verdadeira intenção das partes é que metade ideal (50%) cabente à mulher Francine Stefanelli sobre o bem imóvel descrito fica DOADA aos filhos FREDERICO STEFANELLI MARQUES, portador da cédula de identidade R.G. n. 52.616.820-1 e do CPF 430.017.838-00 e LEONARDO STEFANELLI MARQUES, portador da cédula de identidade R.G. n. 52.616.822-5 e do CPF n. 430.018.568-90, ambos brasileiros, menores, estudantes residentes e domiciliados à Alameda dos Pinheiros, 36, Condomínio Lago Azul, em Araçoiaba da Serra/SP”.
Incumbe ao registrador, no exercício do dever de qualificar o título que lhe é apresentado, examinar o aspecto formal, extrínseco, e observar os princípios que regem e norteiam os registros públicos, dentre eles, o da legalidade, que consiste na aceitação para registro somente do título que estiver de acordo com a lei.
Consoante lições de Afrânio de Carvalho, o Oficial tem o dever de proceder ao exame da legalidade do título e apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e à conexão de seus dados com o registro e sua formalização instrumental (Registro de Imóveis, editora Forense, 4ª edição).
O título judicial, do mesmo modo, submete-se ao exame pelo Oficial, conforme iterativa jurisprudência deste Conselho Superior da Magistratura:
“O mandado judicial não o torna imune à qualificação registrária tão só pela sua procedência. O exame da legalidade não promove incursão sobre o mérito da decisão judicial, mas a apreciação das formalidades extrínsecas da ordem e conexão de seus dados com o registro e sua formalização instrumental.”(ApelaçãoCível n° 33.111-0/3).
O primeiro óbice apresentado pelo Oficial, de que o aditamento do formal de partilha não é título hábil para o registro da doação, e o entendimento manifestado na sentença recorrida de que o ato reclama formalização por escritura pública, devem ser afastados.
A interpretação do termo “escritura pública” deve ser ampla, de modo a abranger todos os instrumentos públicos e os atos judiciais.
Assim foi decidido por este Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n° 013296-0/0, j. 04/05/1992, Relator Desembargador Dínio de Santis Garcia, cujos trechos de interesse passo a transcrever:
“Não é unívoco o termo escritura pública: análogo, seu sentido principal é de instrumento público notarial, mas, em sentido amplo, abrange ‘os instrumentos públicos da categoria dos extrajudiciais, ou civis’ (MOACYR AMARAL DOS SANTOS, ‘Prova Judiciária no Cível e no Comercial’, edição 1972, IV, pág. 85) e igualmente os atos judiciais. Nesse sentido, destaca-se a lição do eminente Ministro RODRIGUES ALCKMIN, no julgamento do Recurso Especial n. 81.632 (‘Revista Trimestral de Jurisprudência’, vol. 76, págs. 299 ss): ‘O escrito público, emanado do tabelião de notas ou do escrivão, tem a sua autenticidade assegurada pela mesma fé pública. São escrituras públicas, em sentido amplo, revestidas do mesmo valor. A questão da validade do ato jurídico por eles documentado se desloca, assim, para o âmbito da competência para fazê-lo. Não se cuida de forma, que públicos e dotados de fé pública são os escritos. Mas de saber se podia fazê-lo o serventuário que o fez. Se cabe na competência de um escrivão a documentação de determinado ato os efeitos deste ato serão aqueles que a lei atribua. Assim, quando se realiza um ato no processo, ou um ato de procedimento, cabe ao escrivão documentá-lo, ainda que dele decorra efeito como a transmissão da propriedade. Assim, acontece com as arrematações e as adjudicações. Postos os princípios, vê-se que se, como regra geral, a competência para a documentação de negócios jurídicos que sejam aptos à transmissão do domínio de bens imóveis de valor superior à taxa legal cabe a tabeliães de notas, tal regra não se reveste de natureza absoluta e comporta exceções relativas a atos jurídicos admitidos em procedimentos judiciais’.”
Assim, o título judicial apresentado deve ser admitido para o fim de transmissão da propriedade por doação.
Inobstante, a segunda exigência do Oficial, referente à inexistência de manifestação expressa de vontade da doadora, está correta, pois, embora ela conste como requerente na petição destinada a transferir por doação aos filhos parte ideal do imóvel de sua titularidade do domínio, apenas o seu ex-cônjuge subscreveu o pedido, e a procuração outorgada ao advogado de ambos os ex-cônjuges não atribui poderes especiais para tal ato, o que configura vício gerador de nulidade, e impede o ingresso do título no fólio real.
A doutrina de Maria Helena Diniz sobre o tema, em sua festejada obra “Sistemas de Registros de Imóveis” (Editora Saraiva, 1992, p. 67) é nesse sentido:
“O serventuário só poderá levar a registro doação de imóvel que seja válida, contendo, além dos requisitos gerais reclamados por qualquer negócio jurídico, os especiais, que lhes são peculiares (CC, arts. 428, II, 385, 235, IV, 242, I, 1.177, 178, §7°, VI, 248, IV e V, 1.474, 1.171, 1.786, 1.175, 1.176 e 1.168). O oficial não poderá registrar doações que apresentarem vícios que lhes são peculiares, sendo por isso nulas, como, por exemplo: a) a doação universal, compreensiva de todos os bens do doador, sem reserva de usufruto ou renda suficiente para a sua subsistência (CC, art. 1.175);”.
À vista do exposto, nego provimento ao recurso.
HAMILTON ELLIOT AKEL
Corregedor Geral da Justiça e Relator.
Apelação Cível n° 9000001-15.2013.8.26.0602
Apelante(s): João Fernandes Marques
Apelado(s): 2º Oficial de Registro de Imóveis, de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da comarca de Sorocaba
VOTO N. 25.905
1. Trata-se de autos de dúvida em que se interpôs apelação contra sentença pela qual o Juízo Corregedor Permanente manteve as exigências do 2° Ofício de Registro de Imóveis, de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da comarca de Sorocaba e denegou o registro de um formal de partilha aditado.
Segundo a sentença, esse título não é apto a registro, porque o primeiro formal já fora registrado para atribuir metade do imóvel a cada cônjuge; assim, a modificação pretendida ora pretendida (= a transmissão, aos filhos, do domínio sobre a fração que coubera à mulher em virtude da partilha) tem de ser feita por novo negócio jurídico celebrado mediante escritura pública (CC/2002, arts. 108 e 541), e não por mero aditamento da partilha e expedição de novo formal aditado.
2. Respeitado o entendimento do ilustre Relator, a modificação jurídica que as partes tinham em vista (i.e., a transmissão, aos filhos, do domínio sobre a fração que coubera à mulher em virtude da partilha) na realidade tem como título causal uma doação, a qual, por ser concernente a imóvel, tem de ser feita por escritura pública (CC/2002, art. 108 c. c. art. 541, caput).
2.1.O formal de partilha aditado, é verdade, pode ser considerado uma “escritura pública” ou um “instrumento público”, em sentido amplo. Porém, para que essa “escritura pública” ou esse “instrumento público”, em sentido amplo, pudesse ter sido passado, seria necessário que a partilha – objeto de sentença preclusa, note-se – realmente fosse passível de modificação, para o que seriam necessárias não só a verdadeira existência de uma causa de invalidade ou ineficácia, como a respectiva declaração judicial a respeito (cf., e.g., CC/2002, art. 2.027, caput).
Não foi isso o que ocorreu: in casu, longe de alegar-se e provar-se alguma verdadeira causa de desfazimento da partilha, afirmou-se apenas – e insuficientemente – que antes não haveria “ficado claro” que a intenção dos cônjuges era atribuir aos filhos a fração da mulher. Ora, essa circunstância não se assemelha a nenhum defeito de negócio jurídico; portanto, para dar outro destino ao bem partilhado, não tinha lugar o desfazimento (“aditamento”) da partilha, mas era necessária a celebração de outro negócio jurídico – no caso, a doação, que exigia escritura pública.
Vale notar que a primeira partilha já tinha sido dada a registro, de maneira que os cônjuges não tinham mais, sequer, disponibilidade para voltar a partilhar um todo que já não existia mais. Além disso, não se está a fazer intromissão no mérito da decisão judicial, mas apenas a examinar-se, do ponto de vista do registro (Lei 6.015/1973, art. 221), o cabimento e a aptidão do título formal apresentado – exame do qual, como é cediço, não escapam sequer os títulos formais judiciais.
2.2.De qualquer modo, ainda que se aceitasse o formal de partilha aditado como título formal apto (o que, repita-se, não era o caso), ainda assim, como bem salientado pelo i. Desembargador Relator, o registro não seria possível, porque, havendo defeito na representação da doadora, dela não existe manifestação de vontade, o que é causa de nulidade absoluta (quando não de inexistência) do ato jurídico estampado no formal de partilha aditado.
3. Ante o exposto, nego provimento ao recurso de apelação.
ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO
Presidente da Seção de Direito Privado
Apelação Cível n. 9000001-15.2013.8.26.0602
Apelante: João Fernandes Marques
Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica – Comarca de Sorocaba
TJSP – Voto n° 17.207
DECLARAÇÃO DE VOTO VENCEDOR
Registro de Imóveis.
Aditamento de Formal de Partilha – Inviabilidade de registro porque o formal anteriormente registrado já retirara dos cônjuges a disponibilidade do imóvel como um todo – Cada qual passou a deter a propriedade de metade do bem – Dúvida procedente.
Recurso desprovido.
1. Cuida-se de apelação contra decisão proferida pelo Juízo Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de Sorocaba, que julgou procedente a dúvida suscitada, recusando registro de um formal de partilha aditado.
É o relatório.
2. Respeitada a fundamentação do Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator Corregedor Geral da Justiça, o recurso não merece provimento, mas pelas razões expostas pelo Excelentíssimo Desembargador Presidente da Seção de Direito Privado.
Como bem salientou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente da Seção de Direito Privado, a “partilha já tinha sido dada a registro, de maneira que os cônjuges não tinham mais, sequer, disponibilidade para voltar a partilhar um todo que já não existia mais”.
Com efeito, embora o título judicial em questão (formal de partilha aditado) possa ser equiparado, em sentido amplo, a uma “escritura pública” ou um “instrumento público”, não se verifica como poderia desconsiderar o negócio jurídico anteriormente levado a registro, chancelado por sentença judicial transitada em julgado.
Em rigor, tratando-se de uma doação aos filhos do casal, haveria de ser feito novo negócio jurídico, especialmente considerando-se as implicações tributárias dele decorrentes.
3. Ante o exposto, pelo arrimo esposado, nego provimento ao recurso, acompanhando-se voto do Excelentíssimo Senhor Doutor Desembargador Presidente da Seção de Direito Privado.
Ricardo Anafe
Presidente da Seção de Direito Público
(D.J.E. de 05.05.2014 – SP)