CSM|SP: Registro de Imóveis – Explicitados os fundamentos principais do julgamento administrativo não há nulidade por ausência de fundamentação – Escritura pública de compra e venda com descrição deficiente de imóvel rural, todavia, idêntica à contida na matrícula – violação do Princípio da Especialidade Objetiva caracterizado – necessidade de retificação – Presunção de veracidade do registro público em conformidade ao Princípio da Fé Pública – Existência de registros anteriores baseados na descrição deficiente para a individualização do imóvel – Conflito de Princípios norteadores dos Registros Públicos – Acesso do título ao registro tabular, entretanto, com o bloqueio da matrícula até que seja efetuada a retificação – Preliminar rejeitada e recurso provido com determinação ex officio de bloqueio da matrícula.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 0015507-36.2010.8.26.0362, da Comarca de MOJI GUAÇU, em que é apelante IVANI CREMASCO e apelado o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS, CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da referida Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em dar provimento ao recurso, com determinação, de conformidade com o voto do Desembargador Relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento os Desembargadores JOSÉ ROBERTO BEDRAN, Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ SANTANA, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça, JOSÉ GERALDO BARRETO FONSECA, Decano em exercício, CIRO PINHEIRO E CAMPOS, LUIS ANTONIO GANZERLA e FERNANDO ANTONIO MAIA DA CUNHA, respectivamente, Presidentes da Seção Criminal, de Direito Público e de Direito Privado do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 08 de setembro de 2011.

(a) Desembargador MAURÍCIO VIDIGAL, Corregedor Geral da Justiça e Relator

VOTO

REGISTRO DE IMÓVEIS – Explicitados os fundamentos principais do julgamento administrativo não há nulidade por ausência de fundamentação – Escritura pública de compra e venda com descrição deficiente de imóvel rural, todavia, idêntica à contida na matrícula – violação do Princípio da Especialidade Objetiva caracterizado – necessidade de retificação – Presunção de veracidade do registro público em conformidade ao Princípio da Fé Pública – Existência de registros anteriores baseados na descrição deficiente para a individualização do imóvel – Conflito de Princípios norteadores dos Registros Públicos – Acesso do título ao registro tabular, entretanto, com o bloqueio da matrícula até que seja efetuada a retificação – Preliminar rejeitada e recurso provido com determinação ex officio de bloqueio da matrícula.

Trata-se de apelação interposta contra r. sentença que reconheceu a impossibilidade do registro de escritura de compra e venda em razão da descrição do imóvel ser insuficiente a sua individualização, julgando procedente a dúvida suscitada.

Sustenta a apelante, em preliminar, a nulidade do julgamento por falta de fundamentação e no mérito ser cabível o registro em virtude da descrição do imóvel ser idêntica ao constante da matrícula, a qual produz todos efeitos nos termos do art. 252 da Lei n. 6.015/73 (a fls. 101/121).

A douta Procuradoria Geral de Justiça opina pelo não provimento do recurso (a fls. 136/142).

Esse o relatório.

Como na decisão objeto do inconformismo recursal houve referência expressa a falta de adequada individualização do imóvel como razão impeditiva do acesso do título ao fólio real, não ocorreu ausência de fundamentação. Rejeita-se, pois, a preliminar.

A descrição do imóvel contida na matrícula, repetida na escritura pública de compra e venda (a fls. 34/37 e 59/62), não permite a exata individualização do imóvel ante a não indicação das medidas perimetrais, rumos e ângulos de deflexão.

Desse modo, as descrições constantes da matrícula n. 18.110 e da Escritura Pública de Compra e Venda, respectivamente, são as seguintes:

UMA GLEBA de TERRAS com a área de 24,20,00 has. (vinte e quatro hectares e vinte ares), no imóvel rural com a denominação de “BOCAINA”, situado neste município, localizada junto às divisas com Waldemar e Aderbal Antunes Garcia, João Rodrigues da Silva, Antonio Batista Bueno e José Pires Cardoso e sua mulher Laudelina Olimpia da Boa Morte. INCRA n. 619.043.006.050-9, com a área total de 24,2 has; fração mínima de parcelamento 3,0 ha; módulo fiscal 18,0; n. de módulos fiscais 1,21; valor da terra nua Cr$ 9.657.745, conforme Recibo Certificado de Cadastro do exercício de 1985 (…).

UMA GLEBA de TERRAS denominada “SÍTIO BELA VISTA”, no imóvel rural com a denominação de “BOCAINA”, neste município e comarca de Mogi Guaçu, Estado de São Paulo, com a área de vinte e quatro hectares e vinte ares. (24,20,00 há), localizada junto à divisas com Waldemar e Aderbal Antunes Garcia, João Rodrigues da Silva, Antonio Batista Bueno e José Pires Cardoso e sua mulher Laudelina Olimpia da Boa Morte; imóvel esse objeto da matrícula n. 18.110 (R-11), do Cartório Imobiliário desta comarca; que referido imóvel encontra-se cadastrado no INCRA sob n. 619.043.006.050-9 (código do imóvel rural) (…).

O Princípio da Especialidade Objetiva, contido no art. 176 da lei n. 6.015/73, exige a identificação do imóvel como um corpo certo, o que neste caso concreto não é atendido tanto pela matrícula quanto pela escritura pública de compra e venda, baseada naquela.

Não há dúvidas da necessidade de retificação da descrição do imóvel rural em cumprimento ao determinado na Lei dos Registros Públicos, cuja finalidade é garantir segurança jurídica e reduzir os custos de transação entre particulares a partir da existência do registro público.

Noutra quadra, o Princípio da Fé Pública estabelece presunção (relativa) de veracidade da matrícula.

Além disso, deve ser salientado que a matrícula n. 18.110 foi aberta em 28/06/1985 com a mesma descrição utilizada na escritura pública de compra e venda cujo registro é objeto do presente processo administrativo, bem como que houve seis registros de transmissão da propriedade, o último registrado em 16/04/2003 (a fls. 59/62), cujos então compradores celebraram contrato de compra e venda com o apelante, conforme instrumento público realizado em 23/08/2010 (a fls. 34/35).

Essa situação caracteriza conflito entre os Princípios da Especialidade Objetiva e da Fé Pública, porquanto a descrição do imóvel, a partir da matrícula é precária, bem como, o negócio jurídico foi celebrado na presunção da veracidade do conteúdo da matrícula e sua adequação à legislação.

Considerado o mesmo grau dos princípios em questão, sua abstração e normatividade enquanto, ao lado das regras de direito, espécie de norma jurídica, efetuando o diálogo daqueles com o caso concreto, a melhor forma para busca da efetividade desses mandamentos legais é o acesso do título ao fólio real (Princípio da Fé Pública) mas com o bloqueio da matrícula nos termos do art. 214, p. 3º, da Lei n. 6.015/73, com relação ao ingresso de outros títulos voluntários até que seja efetuada a retificação do registro (Princípio da Especialidade Objetiva).

Nesse sentido, há precedente como se observa da seguinte ementa:

REGISTRO DE IMÓVEIS. Dúvida julgada procedente. Escritura de compra e venda. Descrição precária do imóvel, de forma a impossibilitar, a partir da matrícula, a identificação de sua localização no solo. Repetição, contudo, da descrição contida em matrícula já aberta. Princípio da especialidade. Possibilidade do registro, com determinação de bloqueio da matrícula, ex officio, até que seja promovida a necessária retificação. Recurso provido, com determinação (Conselho Superior da Magistratura, Ap. Civ. n. 902-6/9, Rel. Des. Ruy Camilo, j. 07/10/2008).

O disposto no art. 252 da Lei n. 6.015/73, enquanto concreção do Princípio da Fé Pública, não tem caráter absoluto e tampouco tem o condão de descaracterizar erro pretérito, a exemplo do havido no presente julgamento – abertura de matrícula com violação ao Princípio da Especialidade Objetiva.

Ante o exposto, rejeito a preliminar, dou provimento ao recurso e julgo a dúvida improcedente, com determinação, ex officio, de imediato bloqueio da matrícula, que incidirá somente em relação a título representativo de alienação voluntária e prevalecerá até que, por meio de retificação, seja efetivado o Princípio da Especialidade Objetiva.

O mandado de bloqueio será expedido pela Corregedoria Permanente.

(a) Desembargador MAURÍCIO VIDIGAL, Corregedor Geral da Justiça e Relator (D.J.E. de 16.11.2011)