1ª VRP|SP: Direito registral – Pedido de providências – Pretensão de substituição do imóvel objeto de compra e venda e alienação fiduciária já registrada – Erro na numeração predial atribuída pela municipalidade – Impossibilidade de retificação via aditamento contratual – Ausência de erro material – Necessidade de cancelamento dos registros anteriores e apresentação de novo título causal – Manutenção do óbice – Pedido improcedente.

Sentença

Processo nº: 1062989-45.2025.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Retificação

Suscitante: Mario Alves Bittencourt e outros

Suscitado: 16º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital do Estado de São Paulo

Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta

Vistos.

Trata-se de dúvida inversa suscitada por Mário Alves Bittencourt, Tatiana Rodrigues Bittencourt, Leandro Barbosa, Margarete Munerato Barbosa, Viviana Amorim da Silva e João Farias Moreira em face da 16ª Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, diante de negativa em se proceder ao registro de “instrumento particular de retificação e ratificação – financiamento imobiliário n. 0010391740”, com força de escritura pública, envolvendo os imóveis objeto das matrículas nºs. 199.822 e 199.824 daquela serventia.

A parte informa que as averbações de retificação de numeração dos imóveis lançadas nas respectivas matrículas nºs. 199.822, 199.823 e 199.824, datadas de 17 de setembro de 2024, indicam que, quando da abertura das matrículas referidas, houve erro na descrição dos imóvel em razão do equívoco da Prefeitura do Município de São Paulo em originalmente atribuir numerações incorretas aos lotes desmembrados, tendo, posteriormente, sanado o equívoco, conforme se denota das averbações de retificação de numeração inscritas com base no alvará de desmembramento n. 5335-21-SP-ALV, com apostilamento deferido em 05.08.2024 pela Prefeitura do Município de São Paulo, passando a constar nos assentos a correta descrição dos imóveis da seguinte forma: (a) lote 1 (matrícula 199.822): nº 40 corrigido para o nº 48 (com indicação de confrontações que seriam atinentes ao imóvel com o citado número de logradouro); (b) lote 2 (matrícula 199.823): mantido o número 44 (com as confrontações alteradas em razão da inversão dos números dos sobrados vizinhos); (c) lote 3 (matrícula 199.824): nº 48 corrigido para o nº 40 (com indicação de confrontações que seriam atinentes ao imóvel com o citado número de logradouro); que, em 20 de outubro de 2023, fora registrado na matrícula 199.824, do 16º RI, o “instrumento particular de compra e venda de imóvel, financiamento e alienação fiduciária em garantia”, pelo qual os suscitantes João Farias Moreira e Viviana Amorim da Silva adquiriram dos demais suscitantes o referido imóvel situado na Rua Nuno de Andrade, n. 48.

A parte alega que, após ter constatado o equívoco da Municipalidade e da alteração da numeração predial, buscou-se, em um primeiro momento, a solução diretamente perante a serventia para transposição dos atos registrados e averbados na matrícula n. 199.824 para a matrícula n. 199.822, o que foi recusado pela Oficial, por nota de devolução emitida em 01.11.2024; que, para superar o óbice apontado, apresentou a registro o “instrumento particular de retificação e ratificação – financiamento imobiliário n. 0010391740”, datado de 14.02.2025, pelo qual as partes, com a anuência do credor fiduciário Banco Santander (Brasil) S.A., ajustaram a retificação do instrumento original “para substituir o imóvel objeto do financiamento, matriculado sob n. 199.824 pelo imóvel matriculado sob n. 199.822, ambos do 16º Oficial de Registro de Imóveis da Capital”, mediante o referido instrumento, e, com isso, requereram ao Registro de Imóveis “transporte do título aquisitivo indicado no R.2 e da alienação fiduciária indicada no R.3 da matrícula n. 199.824 para a matrícula n. 199.822, ambas dessa serventia, cancelando-os da primeira matrícula em ato contínuo”; que o título foi recusado, por nota devolutiva fundamentada na ausência de erro material suscetível de retificação administrativa e na impossibilidade de se alterar o imóvel objeto do contrato de venda e compra e alienação fiduciária já devidamente registrado, com base em mero aditamento do título original; que, ao contrário do sustentado pela Oficial, entende que a retificação pretendida é possível, por se tratar de hipótese de erro material prevista na alínea “c” do item 54.1, Cap. XVI, das NSCGJ; que, portanto, o óbice deve ser afastado, com consequente ingresso do título (fls. 01/20).

Documentos vieram às fls. 21/66.

Constatada a ausência de prenotação válida (fls. 64/66), determinou-se a prenotação do título na serventia extrajudicial, o que foi atendido (fls. 75/76).

O Oficial manifestou-se, informando que o título consiste em instrumento particular com força de escritura pública, intitulado “retificação e ratificação”, pelo qual os contratantes pretendem substituir o imóvel objeto do contrato de compra e venda originalmente registrado (lote 3, matrícula n. 199.824) por outro imóvel (lote 1, matrícula n. 199.822), em razão do erro na numeração predial decorrente do Município de São Paulo; que o título anteriormente registrado deu origem a dois atos eficazes: (a) o registro da transferência da propriedade para os adquirentes João Farias Moreira e Viviana Amorim da Silva e, em seguida, (b) o registro da alienação fiduciária em favor do Banco Santander (Brasil) S.A.; que a modificação pretendida não corresponde a mero erro material e extrapola os limites do que pode ser retificado com base no artigo 212 da Lei de Registros Públicos; que o pedido se trata de alteração substancial do objeto do contrato, elemento essencial da compra e venda e da garantia fiduciária, não sendo possível admitir, por meio de retificação, a troca de um imóvel por outro dentro de um mesmo instrumento, mesmo que assinado por todas as partes; que o registro foi corretamente praticado com lastro no título apresentado à época, e o imóvel registrado é aquele descrito no contrato original; que, para viabilizar a substituição pretendida, seria necessário cancelar os registros existentes na matrícula n. 199.824 e registrar novamente o título, agora retificado, na matrícula n. 199.822, o que configuraria uma nova transmissão de propriedade, sem título causal autônomo e válido; que tal operação não encontra amparo na legislação e acarretaria risco de insegurança jurídica, afrontando os princípios da legalidade, continuidade e especialidade objetiva; que, ademais, a nova transmissão demandaria o recolhimento do imposto de transmissão (ITBI), o que não é cogitado pelos interessados; que o entendimento esposado nos autos da dúvida n. 1095041-41.2018.8.26.0100 continua sendo relevante ao deslinde da presente questão, pois, naquele caso, também se pretendia a substituição do objeto de uma compra e venda já registrada por outro imóvel, o que, à semelhança da situação ora em análise, representava alteração substancial do negócio jurídico; que, ainda que os fundamentos fáticos não sejam idênticos, o entendimento consolidado em aludido precedente é plenamente aplicável à espécie, pois o que se busca aqui, como lá, é o redesenho do objeto contratual e do conteúdo do registro com base em alegada imprecisão extrajurídica; e que, portanto, o óbice deve ser mantido (fls. 80/82). Juntou documentos (fls. 83/92).

O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 96/98).

É o relatório.

Fundamento e Decido.

Preliminarmente, impende consignar que, embora a parte interessada defenda que se trata de registro em sentido estrito, tendo em vista que o título devolvido destina-se apenas à retificação de registro já efetuado, estamos diante de hipótese de averbação.

Sendo assim, o presente feito deve prosseguir como pedido de providências. Anote-se, certificando-se.

No mérito, o pedido de providências é improcedente, para manter o óbice.

A parte busca o registro de “instrumento particular de retificação e ratificação – financiamento imobiliário n. 0010391740”, pelo qual as partes, com a anuência do credor fiduciário Banco Santander (Brasil) S.A., ajustaram a retificação do instrumento original, com o objetivo de “substituir o imóvel objeto do financiamento, matriculado sob n. 199.824 pelo imóvel matriculado sob n. 199.822, ambos do 16º Oficial de Registro de Imóveis da Capital”.

Entretanto, constata-se que, em 20 de outubro de 2023, fora ultimado o registro do instrumento particular de compra e venda de imóvel, financiamento e alienação fiduciária em garantia na matrícula n. 199.824 do 16º RI, datado de 15 de setembro de 2023, pelo qual João Farias Moreira e Viviana Amorim da Silva adquiriram o referido imóvel, o qual foi alienado fiduciariamente, em ato subsequente, ao Banco Santander (Brasil) S/A. (R.2/199.824, e R.3/199.824 – fls. 39/40)

O registro que se pretende alterar guardou perfeita consonância com o título que deu origem a ele (fls. 42/54), não se vislumbrando qualquer das hipóteses elencadas na Lei de Registros ou nas Normas de Serviço que possibilitam retificação.

De fato, no que tange à retificação, dispõem os artigos 110 e 213 da Lei de Registros Públicos:

“Art. 110. O oficial retificará o registro, a averbação ou a anotação, de ofício ou a requerimento do interessado, mediante petição assinada pelo interessado, representante legal ou procurador, independentemente de prévia autorização judicial ou manifestação do Ministério Público nos casos de:

I – erros que não exijam qualquer indagação para a constatação imediata de necessidade de sua correção;

II – erro na transposição dos elementos constantes em ordens e mandados judiciais, termos ou requerimento, bem como outros titulos a serem registrados, averbados ou anotados, e o documento utilizado para a referida averbação e/ou retificação dicará arquivado no registro no cartório;

(…)”.

“Art. 213. O oficial retificará o registro ou a averbação:

I – de ofício ou a requerimento do interessado nos casos de:

a) omissão ou erro cometido na transposição de qualquer elemento do título;

(…)

g) inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes, comprovada por documentos oficiais, ou mediante despacho judicial quando houver necessidade de produção de outras provas;

(…)”

Nestes termos, ainda, os itens 135 e 135.1, Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça do Tribunal de Justiça de São Paulo:

“135. A retificação administrativa de erro constante do registro será feita pelo Oficial de Registro de Imóveis ou através de procedimento judicial, a requerimento do interessado.

135.1 O oficial retificará o registro ou a averbação, de ofício ou a requerimento do interessado, quando se tratar de erro evidente e nos casos de:

a) omissão ou erro cometido na transposição de qualquer elemento do título;

(…)

g) inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes, comprovada por documentos oficiais, exigido despacho judicial quando houver necessidade de produção de outras provas. (…)”.

Assim, ausente base legal, não se pode autorizar o ingresso de instrumento particular de aditamento pactuado com o intuito específico de substituir exatamente o imóvel objeto do negócio já incluído regularmente no fólio real, inclusive, alienado fiduciariamente em garantia de dívida.

Em outras palavras, os atos de registro que se pretende modificar estão formalmente perfeitos e acabados, posto que adstritos ao título de origem, não comportando qualquer alteração.

Assim, para adequada solução do impasse, as partes que participaram do ato registrado podem formalizar requerimento unânime, na forma do artigo 252, inciso I, da Lei de Registros Públicos, para que se proceda o cancelamento dos registros precedentes (R.2/199.824, e R.3/199.824 – fls. 39/40) (por averbação), e, somente então, a efetivação dos atos de registro em sentido estrito concernentes ao novo título (novo instrumento particular de compra e venda do imóvel da matrícula n. 199.822, financiamento e alienação fiduciária, ou, eventualmente, escritura pública de permuta, com observância das formalidades legais) que tenha por objeto o imóvel objeto da matrícula n. 199.822 do 16º RI.

Destarte, mostra-se acertado o óbice registrário.

Diante do exposto, Julgo Improcedente o pedido de providências, para manter o óbice registrário.

Providencie, a serventia judicial, a regularização do cadastro do feito, passando a constar a classe como “pedido de providências, certificando-se.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C.

São Paulo, 15 de julho de 2025.

Renata Lima Zanetta

Juíza de Direito

(DJEN de 16.07.2025 – SP)