1ª VRP|SP: Dúvida inversa – Registro de imóvel – Requerente impugna nota de exigência que condiciona o registro de escritura de compra e venda e de doação com reserva de usufruto de unidade habitacional à apresentação de declarações sobre enquadramento em faixa de renda prevista na legislação municipal relativa à Habitação de Interesse Social (HIS-2) – Alegação de ausência de averbação da tipologia HIS-2 na matrícula do imóvel à época da aquisição – Oficial esclarece que não há impedimento ao registro dos títulos, mas a comunicação à municipalidade e ao Ministério Público decorre de norma administrativa (Comunicado CG nº 900/2024) – Averbação da tipologia HIS somente se tornou obrigatória com a Lei Municipal nº 17.975/23 e regulamentações posteriores, não sendo exigível nas matrículas abertas anteriormente sem requerimento expresso do interessado – Inexistência de infração funcional do oficial – Dúvida prejudicada – Recomendação à serventia para inclusão de advertência informativa nas certidões digitais relativas a imóveis HIS e HMP – Comunicação à Corregedoria Geral da Justiça e aos oficiais da capital – Dúvida julgada prejudicada.
Sentença
Processo nº: 1047467-75.2025.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Suscitante: Durval Carlos do Nascimento
Suscitado: 3º Registro de Imóveis
Prioridade Idoso
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de dúvida inversa suscitada por Durval Carlos do Nascimento em face do 3º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, em virtude do teor da nota de exigência emitida para registro da escritura pública de compra e venda, envolvendo o imóvel objeto da matrícula n. 164.169 daquela serventia (prenotação n. 533.557).
O requerente informa que apresentou para registro a escritura pública de venda e compra do imóvel objeto da matrícula n. 164.169, do 3º RI, bem como escritura pública de doação com reserva de usufruto referente ao mesmo imóvel; que, no entanto, o Oficial emitiu nota devolutiva, nos seguintes termos: “para que o título possa ser averbado/registrado, é necessário: I- Em virtude do Alvará de Aprovação do empreendimento ser anterior à Portaria SEHAB n. 61, de 22 de maio de 2024, apresentar declaração do vendedor, com firma reconhecida, comprovando o enquadramento da faixa de renda familiar do adquirente. II- Se a unidade for adquirida por investidor que não se enquadra nas faixas de renda do art. 46, incluída a hipótese de aquisição por permuta do terreno das unidades autônomas, este deverá apresentar declaração de que o imóvel será destinado à locação apenas em favor daqueles que se enquadram na faixa de renda prevista em lei, nos termos do art. 4º, § 5º, da Portaria SEHAB n. 61, procedendo-se à averbação dessa destinação que será feita após o registro da transmissão. Caso não seja cumprida qualquer das exigências acima formuladas, o título será registrado e o fato imediatamente comunicado à Municipalidade e ao Ministério Público, nos termos da decisão proferida pelo Conselho Superior da Magistratura, nos autos do procedimento de dúvida n. 1061947-92.2024.8.26.0100”.
Aduz que o imóvel foi adquirido pelo requerente e sua esposa, com recursos advindos da venda de outro imóvel pertencente ao casal, e que soube que a vendedora e proprietária do referido imóvel, Sra. Arlene Holanda Bossato, é esposa do Sr. Maurício Bossato, dono da construtora do empreendimento Gehause Incorporações SPE Ltda.
Afirma que o negócio jurídico foi celebrado em 07 de janeiro de 2025, como consta na escritura pública, e que a lavratura foi precedida da obtenção da certidão da matrícula 164.169 emitida pelo 3º RI (pedido n. 1.274.073, de 07.01.2025), na qual não constava nenhuma averbação de que o bem imóvel era destinado a Habitação de Interesse Social – HIS-2; que, em razão da ausência de qualquer restrição ou destinação do imóvel para pessoas de baixa renda, o requerente adquiriu o imóvel na mesma data (07.01.2025), conforme escritura pública de compra e venda, e, ato contínuo, pactuou a doação com reserva de usufruto, também por escritura pública; que, todavia, após apresentar os títulos a registro, foi surpreendido com o teor da nota de exigência emitida em razão do enquadramento do imóvel como Habitação de Interesse Social – HIS-2, cuja informação não constava da certidão da matrícula 164.169.
Sustenta que a exigência apontada na nota funda-se em fato jurídico que não consta da matrícula, causando insegurança jurídica; que, além da falta de averbação na matrícula 164.169 acerca do enquadramento da unidade na tipologia HIS-2, o requerente não aderiu ao regime jurídico preconizado na Lei Municipal n. 16.050/14, na Lei Municipal n. 17.975/23 ou no Decreto Municipal n. 63.130/24; que, embora a legislação municipal autorize o Poder Público a celebrar acordo com os Oficiais Registradores para ser informado da comercialização das unidades HIS e HMP, não há previsão de indisponibilidade desses imóveis que fundamente o Oficial a negar o registro de aquisição para adquirentes supostamente fora da renda destinada; que o Decreto Municipal n. 63.130/24, ao regulamentar o art. 47 da Lei Municipal n. 16.050/14, no que tange às sanções para o descumprimento da renda, em seu art. 10 determina a inexistência de sanções para o imóvel em foco, haja vista que este empreendimento teria sido produzido anteriormente à promulgação da Lei Municipal n. 17.975/23 (08.07.2023); que a edificação do imóvel foi realizada em 04.08.2021, conforme certificado de conclusão n. 2021-80903-00, emitido pela Prefeitura de São Paulo; que o imóvel em discussão não pode sofrer as sanções previstas na Lei Municipal n. 16.050/14 e no Decreto Municipal n. 63.130/24, tendo em vista que foi construído anteriormente à entrada em vigor da Lei Municipal n. 17.975/23; que esta Corregedoria Permanente já se manifestou sobre o tema no processo de dúvida n. 1001015-41.2024.8.26.0100; que, nestes termos, requer: (i) a apuração de eventuais infrações disciplinares pelo delegatário, (ii) o registro dos títulos, (iii) que não recaiam sobre o requerente, donatários e usufrutuários do imóvel da matrícula 164.169, do 3º RI, as medidas estipuladas no art. 47, §2º, da Lei Municipal n. 16.050/14 e no art. 8º do Decreto Municipal n. 63.130/24, e que tal circunstância seja averbada na matrícula do imóvel (fls. 01/08).
Documentos vieram às fls. 09/31.
Constatada a ausência de prenotação válida (fls. 31), determinou-se a prenotação do título na serventia extrajudicial, o que foi atendido (fls. 36/38).
Em sua manifestação nos autos, o Oficial informou que a suscitação de dúvida inversa apresentada pelo suscitado refere-se às notas devolutivas emitidas pela serventia por ocasião dos pedidos de registros de: a) escritura de venda e compra lavrada em 07.01.2025 pela Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Anexo de Notas do 22º Subdistrito – Tucuruvi, desta Capital, onde constam como vendedores Arlene Holanda Bossato e seu marido Mauricio Bossato (prenotação n. 533.557 de 21.01.2025), e b) escritura de doação lavrada em 07.01.2025 pela mesma Oficial, onde constam como doadores os adquirentes e como donatários seus filhos, Plinio Mariano do Nascimento, Camilla do Nascimento e Felipe Mariano do Nascimento (prenotação n. 533.558 de 21.01.2025), ambos tendo por objeto o imóvel da matrícula n. 164.169 da serventia, enquadrado como categoria de uso HIS-2, conforme instituição em condomínio registrado em 08.03.2022 na matrícula 145.808; que ambos os títulos foram qualificados negativamente, sendo feitas as mesmas exigências; que as exigências foram elaboradas em observância ao disposto nos arts. 46 e 47 da Lei Municipal n. 16.050/14, alterada pela Lei Municipal n. 17.975/23, e regulamentada pelo Decreto Municipal n. 63.130/24, pela Portaria SEHAB n. 61/24 e Termo de Acordo de Cooperação Técnica – ACT n. 001/24 firmado entre a Prefeitura Municipal e a ARISP.
O Oficial ressalta que, de acordo com as notas devolutivas elaboradas, caso as exigências contidas nos itens I e II não fossem cumpridas, o título poderia ter ingresso no fólio real, cuja única consequência seria a comunicação da operação ao Município de São Paulo e ao Ministério Público do Estado de São Paulo, em cumprimento ao determinado no Comunicado CG n. 900/24 da Corregedoria Geral da Justiça; que, portanto, importa esclarecer que não há impedimento aos registros dos títulos objeto deste procedimento, porém, necessária a posterior comunicação aos órgãos competentes por expressa determinação da E. CGJ; que, quanto à alegada ausência de informação na matrícula 164.169 de que o imóvel tem a tipologia de Habitação de Interesse Social – HIS-2, necessário esclarecer que esse tipo de moradia foi implementado pela Lei Municipal n. 16.050/14, cujos arts. 46 e 47 disciplinaram a forma de comercialização de tais unidades e a quem se destinavam; que esses dispositivos foram, posteriormente, alterados pela Lei Municipal n. 17.975/23, e regulamentados pelo Decreto Municipal n. 63.130/24, pela Portaria SEHAB n. 61/24 e Termo de Acordo de Cooperação Técnica – ACT n. 001/24, onde foram estabelecidas as diretrizes para a qualificação dos títulos envolvendo as HISs e HMPs; que o artigo 47 da Lei Municipal n. 16.050/14, em seu texto original, não previa a averbação das tipologias de HIS e HMP junto às matrículas de cada unidade, sendo que esta obrigatoriedade somente surgiu com a alteração dada pela Lei Municipal n. 17.975/23, que inseriu o § 1º ao artigo 47, diante da previsão estabelecida no § 8º do mesmo artigo, onde ficou determinado que tal condição perduraria pelo prazo de dez anos, prazo este que também não existia no texto original; que, assim, somente nos condomínios instituídos a partir de 08 de julho de 2023 é que houve a obrigatoriedade da averbação da tipologia junto às novas matrículas; que, em relação às matrículas abertas anteriormente a esta data, que são centenas, entre eles o imóvel deste procedimento, eventual averbação da condição de HIS e HMP somente poderia ser feita mediante requerimento da parte interessada e pagamento dos respectivos emolumentos, em atendimento ao princípio da rogação ou instância, que rege os registros públicos, e da ausência de previsão legal para a prática deste tipo de ato com isenção de custas; que não houve por parte da serventia ofensa ao art. 31 da Lei n. 8.935/94, mas apenas estrito cumprimento à legislação vigente e aos princípios que regem os registros públicos; que, ainda que a serventia entenda não ser possível a averbação “ex-officio” da tipologia de HIS e HMP junto às matrículas aberta anteriormente à Lei Municipal n. 17.975/23, por precaução, foram cadastradas ocorrências informando tal condição junto às unidades dos empreendimentos com esta característica, que será certificada ao final de todas as certidões eventualmente emitidas (fls. 40/42). Juntou documentos (fls. 43/71).
Sobreveio nova manifestação do Oficial, com apresentação da certidão atualizada da matrícula n. 145.808 da serventia, bem como do Alvará de Aprovação de Edificação Nova do “Empreendimento Residencial Gehause” (fls. 79/94).
O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 76/77 e 97). O suscitante pronunciou-se às fls. 102/107.
É o relatório.
Fundamento e Decido.
Preliminarmente, verifica-se que a parte não se insurge contra as duas exigências apontadas na nota de devolução emitida (fls. 31), mas sim contra o esclarecimento expresso no sentido de que, caso não cumprida qualquer das exigências formuladas, o título será registrado e o fato comunicado à Municipalidade e ao Ministério Público, em cumprimento à decisão proferida pelo Conselho Superior da Magistratura, nos autos do processo de dúvida n. 1061947-92.2024.8.26.0100.
Nas informações prestadas nos autos, o Oficial reiterou que não há impedimento aos registros dos títulos.
No sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais. Por isso, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.
A qualificação registral, segundo Afrânio de Carvalho, é um: “mecanismo há de funcionar como um filtro que, à entrada do registro, impeça a passagem de títulos que rompam a malha da lei, quer porque a disponente careça da faculdade de dispor, quer porque a disposição esteja carregada de vício ostentivos.” (Carvalho, Afrânio de. Registro de Imóveis. 2ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1977, págs. 250/251).
Desta forma, a tarefa qualificadora tem conteúdo e alcance essencialmente jurídico e que se encerra sempre com um provimento: (i) positivo, quando concluir que a inscrição, tal como fora rogada, pode ser deferida e lavrada, ou, (ii) negativo, se concluir que não foram cumpridos todos os requisitos necessários indispensáveis (prescritos em lei ou em normas técnicas) para o deferimento da inscrição rogada. Nessa hipótese, o Oficial expressa o seu juízo de qualificação negativa por meio de nota de devolução ou nota de exigência, na qual expõe, de maneira certa, clara e inequívoca, as razões pelas quais a inscrição rogada não pôde ser atendida, e, se houver providências a serem atendidas pelo interessado, tem o dever de formular todas as exigências, por escrito, de uma só vez, também de forma certa, clara e inequívoca.
Releve-se que somente no caso da qualificação negativa de um título é que exurge para o interessado a possibilidade de requerer a suscitação de dúvida e se valer da ação de dúvida, como um remédio jurídico processual de natureza judicial-administrativa, destinada a obter pronunciamento judicial sobre o acerto ou não da qualificação negativa, isto é, para julgamento da correção da exigência feita como condição para o ingresso do título ao fólio real.
Segundo a doutrina:
“Porém, o direito brasileiro não admite revisão ou anulação, na esfera administrativa, quando a inscrição foi deferida e lavrada, ou seja, não há ação ou recurso administrativo contra a qualificação registral que foi positiva. Há boa razão para isso, afinal, todo o processo de inscrição é organizado dentro do pressuposto de que, cumpridas as suas formalidades, o oficial de registro de imóveis terá observado estritamente o princípio da legalidade. Logo, se o oficial, ao fim desse processo, toma a decisão de deferir a inscrição rogada, esta então gozará de presunção correção e higidez, justamente por ter sido o resultado de um prévio exame de legalidade feito por um profissional do direito independente.” (A Dúvida no Registro de Imóveis; Josué Modesto Passos e Marcelo Benacchio, Revista dos Tribunais; 1ª edição; pág. 43)
No caso vertente, está expresso na nota de exigência que “caso não seja cumprida qualquer das exigências acima formuladas, o título será registrado e o fato comunicado à Municipalidade e ao Ministério Público, nos termos da decisão proferida pelo Conselho Superior da Magistratura, nos autos do processo de dúvida n. 1061947- 92.2024.8.26.0100″ (fls. 31).
Sendo assim, como não há impedimento aos registros dos títulos, a dúvida está prejudicada. De todo modo, ante as alegações contidas na inicial, notadamente de violação a deveres funcionais previstos na Lei n. 8.935/94, e como estamos na via administrativa censório-disciplinar, passo à análise da insurgência manifestada pela parte, nos seguintes termos:
Inicialmente, vale lembrar que, nos termos do artigo 38 do Código Judiciário do Estado de São Paulo (Decreto-Lei Complementar n. 3, de 27 de agosto de 1969), a competência desta Vara especializada restringe-se a feitos contenciosos ou administrativos relativos aos registros públicos dos cartórios subordinados a esta Corregedoria Permanente.
No caso sub judice, a parte interessada pretende afastar ou impedir que lhe sejam aplicados os efeitos legais das disposições legais prescritas no artigo 47, § 2º, da Lei Municipal n. 16.050/14, com a redação dada pela Lei Municipal n. 17.975/23, e regulamentada pelo Decreto Municipal n. 63.130/24, contra si, donatários e usufrutuários do imóvel da matrícula 164.169, do 3º RI, no entanto, urge aclarar que tal pretensão extrapola os limites da competência funcional desempenhada na esfera administrativa nesta Corregedoria Permanente da 1ª Vara de Registros Públicos da Capital.
Com efeito, não compete a este juízo conhecer ou julgar tal pedido para afastar os efeitos legais da legislação vigente, tampouco deliberar para que tudo isso venha a ser averbado na matrícula, por absoluta falta de previsão legal para esta averbação.
Neste ponto, é importante destacar que, embora o artigo 47 da Lei Municipal n. 16.050/14, em seu texto original – vigente à época da incorporação e instituição do condomínio “Empreendimento Residencial Gehause”, conforme projeto de construção aprovado pela Municipalidade de São Paulo e alvará modificativo de aprovação de edificação nova n. 2018/00205-00, de 05.01.2018, “Categoria de Uso: HIS 2 NR2, Zoneamento Atual: ZC, ” (fls. 80/82) e também vigente à época da abertura da matrícula 164.169 -, não estipulasse previsão legal para a averbação das tipologias de HIS e HMP nas matrículas de cada unidade, a partir da publicação da Lei Municipal n. 17.975/23, que alterou dispositivos na Lei Municipal n. 16.050/14, ficou expressa a disciplina que rege a forma de comercialização de tais unidades e a quem se destinam, assim como a obrigatoriedade da averbação das tipologias junto à matrícula de cada unidade habitacional.
Por isso, a legislação a ser aplicada, para fins de qualificação registral, é a vigente no momento do registro do título, em atendimento ao princípio tempus regit actum:
“O Conselho Superior da Magistratura tem considerado que, para fins de registro, não importa o momento da celebração do negócio jurídico e preenchimentos dos requisitos da época, pois é na data da sua apresentação ao registro que será analisado, em atenção ao princípio ‘tempus regit actum’, sujeitando-se o título à lei e regramento administrativo vigente ao tempo da apresentação (Apelação Cível n° 1J5-6/Z- rei. José Mário António Cardinale, n° Z.ZZ-6/Z., rei. Ruy Camilo, n° 530-6/0, rei. Gilberto Passos de Freitas, e, mais recentemente, n° 0004535-52.2011.8.26.0562, relatada por V. Exa.)” (CSM, Apelação Cível n° 0002934-52.2012.8.26.0634, Rei. Des. Renato Nalini, j . 23.05.2013).
Logo, em havendo previsão legal e norma técnica expedida pela E. Corregedoria Geral da Justiça pelo Comunicado CG n. 900/2024, impondo aos Oficiais de Registros de Imóveis o dever de notificação da comercialização de imóveis das tipologias HIS e HMP em desatendimento das faixas de renda ao Município de São Paulo e ao Ministério Públicos do Estado de São Paulo, é evidente que não cabe ao Oficial Registrador nem a este juízo administrativo entender de modo diverso, tampouco para afastar as sanções legais prescritas no artigo 47, § 2º, da Lei Municipal n. 16.050/14, com a redação dada pela Lei Municipal n. 17.975/23, e regulamentada pelo Decreto Municipal n. 63.130/24, devendo a parte interessada manejar sua pretensão nas vias ordinárias, se o caso.
Cabe enfatizar que o artigo 10 do Decreto Municipal n. 63.130/24 dispõe que mesmo às unidades produzidas anteriormente à vigência da Lei Municipal n. 17.975/23 sujeitam-se à fiscalização pela SEHAB, e, para suporte aos processos de fiscalização, receberá as notificações sobre a comercialização de imóveis das tipologias HIS 1, HIS 2 e HMP, nos termos do convênio firmado entre a Prefeitura Municipal de São Paulo e a ARISP (cf. §1º do artigo 10 e do artigo 9º do Decreto Municipal n. 63.130/24). Confira-se: (nossos destaques): anteriormente à entrada em vigor da Lei nº 17.975, de 8 de julho de 2023, aplicam-se as seguintes disposições:
I – no caso de denúncia de destinação irregular de unidades habitacionais de HIS 1, HIS 2 e HMP, a SEHAB instaurará procedimento administrativo tendente a esclarecer os fatos noticiados.
II – fica a SEHAB autorizada a solicitar informações e documentações aos órgãos de controle da Administração Pública constantes de feitos sob sua responsabilidade.
§ 1º. Não havendo comprovação da regular destinação de unidades habitacionais HIS 1, HIS 2 e HMP, aplicam-se as sanções de que trata o § 2º do artigo 117 da Lei nº 16.050, de 2014, nos termos do artigo 9º deste decreto.(Redação dada pelo Decreto nº 64.244/2025)
§ 2º .No procedimento de fiscalização da destinação das unidades habitacionais HIS 1, HIS 2 e HMP para o respectivo público-alvo, promovido pela Secretaria Municipal de Habitação, poderá ser exigida a apresentação de documentos comprobatórios da renda dos destinatários das unidades que foram objeto de alienação.(Incluído pelo Decreto nº 64.244/2025)
§ 3º. A obrigação legal do promotor quanto à efetiva destinação das unidades habitacionais HIS 1, HIS 2 e HMP à faixa de renda respectiva deve ser demonstrada mediante a apresentação de comprovante de renda dos seus destinatários, não bastando a mera obtenção de declaração para tal finalidade.(Incluído pelo Decreto nº 64.244/2025)”
“Art. 9º. Para suporte aos processos de fiscalização do previsto neste decreto, fica o Poder Público autorizado a celebrar acordo com o Serviço Registrário Imobiliário para fins de receber notificações sobre a comercialização de imóveis caracterizados como HIS 1, HIS 2 e HMP produzidos mediante adesão ao regime jurídico previsto neste artigo.”
Bem esclarecidos estes pontos relevantes para a correta compreensão do restrito campo de cognição nesta esfera administrativa, passo ao exame das questões que interessam.
Na espécie, o requerente adquiriu o imóvel da matrícula n. 164.169 do 3º RI, por escritura pública de venda e compra lavrada em 07.01.2025, pela Oficial de Registro Civil das Pessoas Naturais e Anexo de Notas do 22º Subdistrito Tucuruvi, desta Capital (fls. 15/18 e 45/48), na qual figura como vendedora Arlene Holanda Bossato.
Consta da matrícula n. 164.169, que foi aberta em 18 de março de 2022, em nome da proprietária Gehause Incorporações SPE Ltda., tendo como registro anterior o R.14 da matrícula 145.808, de 18 de março de 2022, da mesma serventia. Pelo R.1/164.169, de 18.03.2022, a proprietária Gehause Incorporações SPE Ltda transmitiu por venda o imóvel a Arlene Holanda Silva (fls. 12), que o alienou, pela escritura pública de venda e compra ora apresentada, ao suscitante e sua esposa.
Consta da matrícula n. 145.808, que foi aberta aos 22 de junho de 2025, em nome de Arlene Holanda Silva, onde lançados diversos atos registrais, destacando-se os seguintes: pelo R.4, de 10.05.2018, Arlene Holanda Silva, com o consentimento de seu marido Maurício Bossato, transmitiu por venda o imóvel da matrícula a Gehause Incorporações SPE Ltda., a qual, pelo R.6, de 13.06.2019, promoveu a incorporação imobiliária do “Empreendimento Residencial Gehause”, em conformidade com o projeto modificativo de construção aprovado pela Prefeitura do Município de São Paulo, segundo o alvará modificativo de aprovação de edificação nova n. 2018/00205-00, de 05.01.2018, “Categoria de Uso: HIS 2 NR2, Zoneamento Atual: ZC, …”. Posteriormente pelo R.14, de 08.03.2022, a proprietária e incorporadora instituiu em condomínio o empreendimento denominado “Empreendimento Residencial Gehause” e, em ato seguinte, houve a averbação nesta matrícula acerca dos descerramentos de todas as matrículas relativas às unidades autônomas, nela constando a relação planilhada das matrículas abertas para as unidades com tipologia HIS 2 (80/91).
Pelos documentos de fls. 92/94, confirma-se que o “Empreendimento Residencial Gehause” foi aprovado pela Municipalidade de São Paulo em 2018, conforme Alvará de Aprovação de Edificação Nova n. 2018/00205-00 (fls. 92/94), e concluído em 2021, consoante Certificado de Conclusão n. 2021-80903-00 (fls. 88).
Ou seja, a aprovação do empreendimento ocorreu em data muito anterior à publicação da Lei Municipal n. 17.975, de 08 de julho de 2023, que incluiu o § 1º ao artigo 47 da Lei Municipal n. 16.050/14, para estabelecer a obrigatoriedade da averbação das tipologias HIS e HMP junto às matrículas de cada unidade, e também incluiu o § 8º ao mesmo artigo, onde ficou determinado que a disciplina da forma de comercialização de tais unidades e a quem se destinavam perduraria pelo prazo de 10 (dez) anos.
Portanto, na ocasião da abertura da matrícula 164.169, não havia qualquer previsão legal que autorizasse o Oficial a praticar de ofício a averbação da tipologia HIS na matrícula. A obrigatoriedade desta averbação somente surgiu com o advento da Lei Municipal n. 17.975, de 08 de julho de 2023, e, ainda assim, levou algum tempo para que os dispositivos alterados fossem regulamentados pelos Decretos Municipais nºs. 63.130/24 e 64.244/25, e pela Portaria SEHAB n. 61, de 22 de maio de 2024.
No Sistema Registral Imobiliário, sobreleva importância o princípio da rogação ou da instância, positivado no artigo 13 da Lei n. 6.015/73, que significa que, como regra, somente por provocação do interessado se praticam atos no registro de imóveis. Assim, os títulos e requerimentos são apresentados pelos interessados na prática dos atos de registro ou averbação, não podendo o Oficial praticar atos de ofício, ressalvadas as exceções previstas em lei.
Exatamente pela ausência de previsão legal, quando a matrícula 164.169 foi aberta, é que eventual averbação da condição de HIS ou HMP somente poderia ser feita mediante requerimento da parte legitimada, em atendimento ao princípio da instância ou rogação (artigo 13, da Lei n. 6.015/73).
Vale dizer, a averbação da tipologia HIS junto à matrícula 164.169 somente poderia ter sido praticada pelo Oficial se houvesse requerimento expresso da parte legitimada para a rogação, seja pela então incorporadora e anterior proprietária Gehause Incorporações SPE Ltda., que foi quem obteve o alvará de aprovação do empreendimento junto à Prefeitura do Município de São Paulo, ou pela proprietária da unidade habitacional, Arlene Holanda Silva, que inclusive figura no alvará expedido pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento, com indicação de categoria de uso: HIS 2 e NR2, conforme fls. 92/94.
No entanto, como se vê da certidão digital da matrícula n. 164.169, expedida por cópia reprográfica digital de inteiro teor da matrícula referida (fls. 12/14), os legitimados não solicitaram ao Oficial que realizasse a averbação da tipologia HIS na matrícula, de modo que deixaram de conferir publicidade registral desta situação jurídica no assento imobiliário da unidade habitacional.
Repise-se: uma vez que o descerramento da matrícula 164.169 ocorreu em 18 de março de 2022, quando não havia previsão legal acerca da obrigatoriedade de tal averbação de ofício, o Oficial não estava autorizado a averbar de ofício a tipologia HIS 2 na matrícula citada.
Neste contexto, não se verifica falha funcional ou descumprimento a nenhum dos deveres funcionais prescritos nos incisos I a XV, do artigo 30, da Lei n. 8.935/94.
No tocante à certidão digital da matrícula n. 164.169, denota-se que foi solicitada pela parte junto à plataforma eletrônica do ONR e expedida eletronicamente, de forma automática pelo sistema, por cópia reprográfica digital de inteiro teor da matrícula referida, ou seja, com a reprodução digital fiel de todo o conteúdo da matrícula onde não consta averbação da tipologia HIS (fls. 12/14).
É importante esclarecer que a certidão digital solicitada pela parte, por intermédio da plataforma eletrônica do ONR, foi emitida com fulcro no § 11 do artigo 19 da Lei n. 6.015/73, incluído pela Lei n. 14.382/2022, portanto, expedida eletronicamente, após a interoperação e interação sincronizada entre a plataforma SAEC/ONR e a base de dados da serventia (WebService), diga-se, de forma automática e sem a certificação específica pelo oficial[1]. Nas informações prestadas, o 3º Oficial de Registro de Imóveis da Capital esclareceu que, ainda que entenda não ser possível praticar de ofício a averbação prevista no inciso I, § 1º, do artigo 47 da Lei Municipal n. 16.050/14 nas matrículas abertas anteriormente à Lei Municipal n. 17.975/23, por precaução e para evitar eventuais futuras situações como a destes autos, foram cadastradas ocorrências informando tal condição junto às unidades dos empreendimentos com esta característica, que será certificada ao final de todas as certidões eventualmente emitidas.
Neste panorama, não se vislumbra falha funcional a ser apurada.
Nada obstante, cabe consignar que a situação versada nos autos é o primeiro caso que chega à Corregedoria Permanente envolvendo certidão digital de matrícula de unidade habitacional de tipologia HIS que foi aberta anteriormente à Lei Municipal n. 17.975/23.
Ainda que a questão – expedição de certidão digital de matrícula de unidade habitacional de tipologia HIS e HMP, aberta anteriormente à Lei n. 17.975/2023, portanto, nela não constando a averbação criada pela nova lei – necessite de maior reflexão, por ora, cabe recomendar aos Oficiais de Registro de Imóveis da Capital que adotem de imediato as providências que reputarem necessárias (por ora, automação do sistema de software utilizado na respectiva serventia) para que as certidões de matrículas de unidades habitacionais nestas condições sejam expedidas constando, ao final, a informação de que “o imóvel da presente certidão é destinado a Habitação de Interesse Social – HIS , ou, a Habitação de Mercado Popular – HMP”.
Isto posto, e por tudo mais que nos autos consta, Julgo Prejudicada a dúvida suscitada.
Diante da relevância da questão trazida a discussão, comunique-se a presente decisão à E. CGJ e a todos os Oficiais de Registros de Imóveis da Capital, servindo a presente decisão como ofício.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 11 de julho de 2025.
Renata Pinto Lima Zanetta
Juíza de Direito
[1] reprodução de todo seu conteúdo e será suficiente para fins de comprovação de propriedade, direitos, ônus reais e restrições sobre o específica pelo oficial. (Incluído pela Lei nº 14.382, de 2022)
(DJEN de 14.07.2025 – SP)