TJ|RS: Apelação cível – Sucessões – Ação de anulação de doação – Casamento – Regime da separação legal de bens – Cônjuge com idade superior a sessenta anos – Doação realizada por este ao outro cônjuge, na constância do matrimônio – Validade – Doação que não excede a parte de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento – Recurso desprovido.

Apelação cível – Sucessões – Ação de anulação de doação – Casamento – Regime da separação legal de bens – Cônjuge com idade superior a sessenta anos – Doação realizada por este ao outro cônjuge, na constância do matrimônio – Validade – Doação que não excede a parte de que o doador, no momento da liberalidade, poderia dispor em testamento – Recurso desprovido.

EMENTA

APELAÇÃO CÍVEL. SUCESSÕES. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE DOAÇÃO. CASAMENTO. REGIME DA SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS. CÔNJUGE COM IDADE SUPERIOR A SESSENTA ANOS. DOAÇÃO REALIZADA POR ESTE AO OUTRO CÔNJUGE, NA CONSTÂNCIA DO MATRIMÔNIO. VALIDADE. DOAÇÃO QUE NÃO EXCEDE A PARTE DE QUE O DOADOR, NO MOMENTO DA LIBERALIDADE, PODERIA DISPOR EM TESTAMENTO. RECURSO DESPROVIDO. (TJRS – Apelação Cível nº 70031450737 – Canoas – 7ª Câmara Cível – Rel. Des. Ricardo Raupp Ruschel – DJ 21.01.2010)

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Magistrados integrantes da Sétima Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em negar provimento ao recurso.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ E DR. JOSÉ CONRADO DE SOUZA JÚNIOR.

Porto Alegre, 13 de janeiro de 2010.

DES. RICARDO RAUPP RUSCHEL – Relator.

RELATÓRIO

DES. RICARDO RAUPP RUSCHEL (RELATOR) – Trata-se de recurso de apelação interposto por César Augusto D. S., inconformado com a sentença que julgou improcedente o pedido por este deduzido nos autos da ação de anulação de doação movida em face de Eva Dolíria S. S. (fls. 138 e 139, e verso).

Objetivando a reforma da sentença, em suas razões recursais (fls. 142 a 148), sustenta o apelante, em síntese, que a doação efetivada afronta os direitos sucessórios dos herdeiros necessários, situação com a qual não se pode aceder. De mais a mais, refere que o magistrado sentenciante não valorou adequadamente o contexto probatório.

Recebido o recurso (fl. 149), e sem contra-razões (fl. 151), subiram os autos a esta Corte.

Instado a se manifestar, o Ministério Público declinou da sua intervenção no feito (fls. 154 e 155).

Vieram-me os autos conclusos, para julgamento.

Registre-se, por fim, que foi cumprido o comando estabelecido pelos artigos 549, 551 e 552 do CPC.

É o relatório.

VOTOS

DES. RICARDO RAUPP RUSCHEL (RELATOR) – Não prospera a inconformidade.

Relativamente ao presente caso, e evitando fastidiosa repetição de argumentos, adoto como razões de decidir os termos da sentença proferida pelo eminente Dr. Ruy Rosado de Aguiar Neto, que com propriedade equacionou a questão sub judice.

Refere a sentença, naquilo que interessa(1):

(…)

“O autor pretende a anulação da doação que seu falecido pai fez à ré em 03.02.99, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 23207 (fl. 12 – R6).

“De acordo com a sua versão, o ato seria inválido, em primeiro lugar, porque o doador era maior de 60 anos quando da realização do ato.

“Com efeito, sabendo-se que o de cujus nasceu em 15.07.34 (certidão de casamento de fl. 19), cumpre reconhecer que em 03.02.99, data da lavratura da escritura de doação (matrícula de fl. 12 – registro R6), ele contava com 64 anos de idade.

“Naquele tempo, havia uma regra no Código Civil que vedava a estipulação, em escritura antenupcial, de doações recíprocas ou de um ao outro contratante quando o regime de bens fosse o da separação obrigatória:

“Art. 312. Salvo o caso de separação obrigatória de bens (art. 258, parágrafo único), é livre aos contraentes estipular, na escritura antenupcial, doações recíprocas, ou de um ao outro, contanto que não excedam à metade dos bens do doador (arts. 263, VIII, e 232, II).

“No caso dos autos, esse dispositivo não se aplica, por várias razões: primeiro, porque a doação feita por Paulo em favor de Eva não foi estipulada em escritura antenupcial, sendo de notar que não há registro nesse sentido na certidão de casamento de fl. 19; segundo, porque o artigo 312 do CC de 1916 não foi recepcionado pela Constituição de 88, por cercear a liberdade dos cônjuges e estabelecer uma indevida quebra de igualdade; terceiro, porque, atualmente, não existe regra equivalente no Código Civil de 2002, a indicar que a referida restrição não tem mais lugar na sociedade contemporânea; quarto, porque a jurisprudência tem rejeitado a tese de invalidade da doação praticada entre os cônjuges.

“Colaciono o entendimento do TJRS e do STJ:

“Processual civil. Recurso especial. Ação de conhecimento sob o rito ordinário. Casamento. Regime da separação legal de bens. Cônjuge com idade superior a sessenta anos. Doações realizadas por ele ao outro cônjuge na constância do matrimônio. Validade. São válidas as doações promovidas, na constância do casamento, por cônjuges que contraíram matrimônio pelo regime da separação legal de bens, por três motivos: (i) o CC/16 não as veda, fazendo-no apenas com relação às doações antenupciais; (ii) o fundamento que justifica a restrição aos atos praticados por homens maiores de sessenta anos ou mulheres maiores que cinqüenta, presente à época em que promulgado o CC/16, não mais se justificam nos dias de hoje, de modo que a manutenção de tais restrições representam ofensa ao princípio da dignidade da pessoa humana; (iii) nenhuma restrição seria imposta pela lei às referidas doações caso o doador não tivesse se casado com a donatária, de modo que o Código Civil, sob o pretexto de proteger o patrimônio dos cônjuges, acaba fomentando a união estável em detrimento do casamento, em ofensa ao art. 226, § 3º, da Constituição Federal. Recurso especial não conhecido. (REsp 471958/RS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 18/02/2009)

“ANULAÇÃO DE DOAÇÃO. REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS. Descabe a anulação de doação entre cônjuges casados pelo regime da separação obrigatória de bens, quando o casamento tenha sido precedido de união estável. Outrossim, o art. 312 do Código Civil de 1916 veda tão-somente as doações realizadas por pacto antenupcial. A restrição imposta no inciso II do art. 1641 do Código vigente, correspondente do inciso II do art. 258 do Código Civil de 1916, é inconstitucional, ante o atual sistema jurídico que tutela a dignidade da pessoa humana como cânone maior da Constituição Federal, revelando-se de todo descabida a presunção de incapacidade por implemento de idade. Apelo, à unanimidade, desprovido no mérito, e, por maioria, afastada a preliminar de incompetência, vencido o Em. Des. Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves. (Apelação Cível Nº 70004348769, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 27/08/2003)

“O demandante também afirmou que a doação seria inoficiosa.

“Todavia, ele não provou, conforme determinava o art. 333, inc. I, do CPC, que o imóvel n° 23207, quando da doação, valia mais que a soma dos outros bens do de cujus. Aliás, ele sequer demonstrou quais eram os bens que existiam no momento da doação, sendo de considerar aqueles arrolados às fls. 21 a 23, ou seja, o imóvel discutido (matrícula n° 23207), o terreno com benfeitorias (matrícula n° 40120), o terreno sem benfeitorias (matrícula n° 121118), o Santana IFA5654 e o Passat IEY3846.

“As únicas avaliações que estão nos autos são as fiscais, retratadas à fl. 12 e à fl. 20. Na primeira, o imóvel discutido foi avaliado em R$ 12.000,00. Na segunda, realizada em 05.08.05, a Secretaria da Fazenda do Estado avaliou o terreno n° 121118 em R$ 8.000,00, o terreno n° 40120 em R$ 36.000,00, o Santana em R$ 13.593,00 e o Passat em 3.000,00.

“Atualizando-se a estimativa fiscal de fl. 12 desde a data da doação até 05.08.05, data da avaliação de fl. 20, tem-se que o valor total dos bens do doador era R$ 71.775,57 e que o imóvel n° 23207, no valor de R$ 11.182,57 (cálculo em anexo), representava apenas 15,58% da herança.

“Assim, tendo sido observada a metade disponível, não há que se falar em doação inoficiosa.”

(…)

Destaco, por derradeiro, que a despeito das colocações do apelante acerca das sua “falta de oportunidade” de produzir provas que seriam importantes para o deslinde da demanda, na ocasião em que o magistrado declarou encerrada a instrução (fl. 124), não buscou o ora apelante reverter tal quadro, tendo deixado que a matéria fosse coberta pelo manto da preclusão.

De resto, sabidamente, cabe ao julgador apreciar, com base no artigo 130 do Código de Processo Civil, quais as provas necessárias para a instrução do feito, sendo-lhe facultado o indeferimento daquelas que entenda inúteis ou protelatórias. E, no caso dos autos, não me parece que faltem provas suficientes para o adequado julgamento da questão.

Pelo exposto, destarte, nego provimento ao recurso.

DES. ALZIR FELIPPE SCHMITZ (REVISOR) – De acordo com o Relator.

DR. JOSÉ CONRADO DE SOUZA JÚNIOR – De acordo com o Relator.

DES. RICARDO RAUPP RUSCHEL – Presidente – Apelação Cível nº 70031450737, Comarca de Canoas: “POR UNANIMIDADE, NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.”

Julgador de 1º Grau: RUY ROSADO DE AGUIAR NETO.


Notas

(1) Os nomes das partes foram abreviados, por tramitar o feito em segredo de justiça. A formatação do texto foi alterada, mantida, entretanto, a sua literalidade.

Fonte: Boletim Eletronico INR nº 4578 – Grupo Serac – São Paulo, 06 de Maio de 2011.