CSM|SP: Direito registral – Qualificação negativa de escritura pública de venda e compra com desdobro – Exigências relacionadas à especialidade objetiva e subjetiva – Necessidade de conformidade entre título, projeto de desdobro e matrícula – Inscrição cadastral divergente – Exigência válida – Mitigação quanto ao CPF de coproprietária e dispensa de certidão sem pertinência – Ausência de requisitos mínimos impede o registro – Apelação desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1019795-84.2024.8.26.0405, da Comarca de (…), em que é apelante MARA APARECIDA ALVES DE ALMEIDA, é apelado (…) OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE (…).
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 26 de junho de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1019795-84.2024.8.26.0405
Apelante: Mara Aparecida Alves de Almeida
Apelado: (…) Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de (…)
VOTO Nº 43.838
Direito registral – Apelação – Registro de imóveis – Improvimento.
I. Caso em Exame
1. Apelação interposta contra sentença que manteve parcialmente a qualificação negativa à escritura pública de venda e compra e desdobro de imóvel. A apelante busca a reforma da sentença para permitir o registro do título, alegando que adquiriu direitos sobre parte de um lote e providenciou desdobro e escritura pública, enfrentando exigências do registro de imóveis.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se as exigências feitas pelo Oficial de Registro de Imóveis para a qualificação do título são pertinentes, especialmente aquelas relacionadas aos princípios da especialidade objetiva e subjetiva.
III. Razões de Decidir
3. As exigências de retificação do memorial descritivo e da inscrição cadastral são pertinentes para garantir a conformidade com o princípio da especialidade objetiva.
IV. Dispositivo e Tese
4. Recurso desprovido. Tese de julgamento: 1. A conformidade do título com os princípios da especialidade objetiva é essencial para o registro. 2. Exigências sem relação direta com o título podem ser afastadas.
Legislação Citada:
Lei 6.015/73, art. 225.
Trata-se de apelação interposta por MARA APARECIDA ALVES DE ALMEIDA em face da r.Sentença de fls. 60/63, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do (…) Oficial de Registro de Imóveis de (…), que, em procedimento de dúvida, manteve parcialmente a qualificação negativa da escritura pública de venda e compra relativa ao imóvel objeto da matrícula 19.614 da Serventia, afastando a exigência da apresentação do CPF de Ivani de Jesus, mas mantendo os demais óbices.
O recurso busca a reforma da sentença, com o objetivo de permitir o ingresso do título ao fólio real. Alega que adquiriu os direitos sobre parte do lote 31 da quadra 70 do Jardim das Flores, em 12 de setembro de 1997 de Roberto Madureira e sua esposa Ivani de Jesus Félix Madureira, por meio de contrato de compra e venda, tendo providenciado o desdobro e a escritura pública junto ao 4º Tabelião de Notas de (…), levando o título para registro numa primeira oportunidade (protocolo 404.073), este foi devolvido em 12 de janeiro de 2023, com exigências, reapresentando o título em 23 de abril de 2024 (protocolo 429.814), quando feitas novas exigências que não constaram na nota de devolução anterior. A exigência da qualificação das partes é inoportuna, pois o Tabelião procedeu à identificação ao tempo da lavratura da escritura, assim como a identificação do imóvel (parte) e desdobro autorizado pela Prefeitura de (…). Aponta ser desnecessária a apresentação da certidão de nascimento de “Maria das Graças”, assim como reconhecimento de firma do vendedor Roberto Madureira, pois este já é falecido desde 25.05.2005 e há escritura pública. Quanto à autenticidade da assinatura do funcionário Fernando César Portela Netto que assinou documento emitido pela Prefeitura (fl. 22), há carimbo e assinatura pela atual profissional responsável pela Secretaria do Município no lado superior direito (fls. 85/90).
A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento do recurso (fls. 122/124)
É o relatório.
A apelação não merece provimento.
De acordo com os autos, a apelante apresentou ao Oficial de Registro de Imóveis de (…) uma escritura pública de venda e compra e requerimento, acompanhado de projeto, para desdobro e subdivisão do imóvel objeto da matrícula 19.614 da Serventia, conforme previsto no Cap. XX, itens 24.2 e 65 das NSCGJSP.
Os títulos foram objeto de três prenotações (nº 404.073, 429.814 e 434.815), a última com as seguintes exigências:
1. Apresentar em protocolo separado o projeto de desdobro, com todos os documentos nos originais e aprovado pela municipalidade local.
Procedendo à prévia análise do projeto, solicito:
a) retificar o memorial descritivo para constar: i) a descrição da situação atual da matrícula 19.614; ii) nas descrições pretendidas que se trata de um terreno constituído por parte do lote 31 da quadra 70 do Jardim das Flores.
b) conforme AV. 5 da matrícula 19.614, foi construída uma casa residencial sob o nº 703, portanto, retificar os documentos para identificar a respectiva construção, bem como indicar na descrição pretendida a qual será atribuída. Obs: nos documentos consta o imóvel sob nº 715, caso tenha ocorrido a alteração do número, apresentar o comunicado.
c) Retificar os documentos para constar o número correto da inscrição cadastral do imóvel;
d) A descrição constante no memorial deverá estar em conformidade com o memorial descritivo;
e) Reconhecer firma das assinaturas constantes na ART n. 060120161997031;
f) Em virtude da falta do sinal público de Fernando César Portella Netto, solicito o ofício com a respectiva nomeação e assinatura comprovando o sinal público.
2. Retificar a escritura para constar:
a) exigência prejudicada
b) o CPF/MF de Ivani de Jesus;
c) A descrição do imóvel objeto conforme o projeto de desdobro.
3. Solicito a juntada de Certidão de Nascimento de Maria das Graças atualizada, no original ou em cópia autenticada. Obs. Sendo a certidão expedida por Cartório de localidade diversa desta Comarca, reconhecer firma da assinatura do escrevente em Tabelião local ou na Comarca de origem, nos termos do item 154 do Capítulo XVI das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
Segundo o Oficial, as exigências estão fundamentadas no art. 225, caput, §§ (…) e 2º da Lei 6.015/73, além do item 136 do Cap. XX das NSCGJ, relacionadas ao princípio da especialidade objetiva.
Pois bem.
A matrícula 19.614 do (…) RI de (…) oferece a seguinte descrição do imóvel:
“um terreno constituído pelo lote nº 31 da quadra 70 do Jardim das Flores, nesta cidade, medindo 10,00m de frente para a Rua Vitória Regia e 11,00 m de frente para a Rua Eloendro, de quem da rua Vitória Regia olha de frente para o terreno mede do lado direito 36,00 me do lado esquerdo 28.50, encerrando a área total de 316,00m², confronta de quem da rua Vitória Régia olha de frente para o terreno, no lado direito com o lote 30, no lado esquerdo com o lote 32, da mesma quadra 70, e nos fundos com a rua Eloendro, de propriedade de Mendel Aronis e outros.”
Na Av. 5/19.614 consta que:
“No imóvel matriculado foi construída uma casa residencial sob nº 703, com frente para a Rua Vitória Regia, conforme escritura supra citada e certidão da Prefeitura local nº 1.461, de 19.3.80.”
Como já dito, as exigências estão fundamentadas na necessidade de cumprimento aos princípios da especialidade objetiva e subjetiva.
A primeira exigência diz respeito à necessidade de constar a correta descrição do imóvel no título (escritura pública), bem ainda no projeto de desdobro, nos termos do item 60, a.2, Cap. XVI das NSCGJ e art. 225 da Lei 6.015/73.
No caso, a escritura pública de fls. 14/17 descreve o imóvel como “um terreno, constituído por parte do lote nº 31 da quadra nº 70 do Jardim das Flores, nesta cidade e 1ª Circunscrição Imobiliária local, mediando 11,00 metros de frente para a Rua Eloendro, na posição de quem da citada Rua Eloendro olha para o terreno; pelo lado esquerdo mede 15,90 metros da frente aos fundos, confrontando com o lote 30 pelo lado direito mede 11.40 metros, também da frente aos fundos, confrontando com o lote 32, tendo nos fundos a largura de 10,00 metros, confrontando com o remanescente do mesmo lote 31, encerrando a área total de 140,00 metros quadrados”.
A descrição destoa do que consta no memorial descritivo e certidão apresentados (fls. 22/24), pois não há a indicação da localização da numeração e da construção da casa residencial, tampouco sua atribuição a quaisquer dos lotes desdobrados, construção que já se encontra averbada junto à matrícula e que não pode ser ignorada pelo Registrador, sob pena de ofensa ao princípio da especialidade objetiva, de modo que pertinente a exigência de retificação contida no item 1 “a” e “b”.
A inscrição cadastral constante no memorial e certidão de fls. 22/24 é diferente da inscrição cadastral do documento de fl. 27, o que torna pertinente, portanto, a exigência de correção do número da inscrição cadastral.
Por outro lado, o ART n. 06012016997031 de fl. 24 aponta que houve reconhecimento da firma do profissional em 30 de abril de 2024, sendo o que basta para a regularidade do documento e afastamento do óbice.
No que diz respeito ao sinal público, a exigência está contida na Seção VII, Capítulo XVI das NSCGJ:
“154. Os documentos de outras localidades, públicos ou particulares, referidos nos atos notariais, deverão ter suas firmas reconhecidas na comarca de origem ou naquela em que irão produzir seus efeitos, salvo os assinados judicialmente, observado o disposto no item 26, e seus subitens, do Capítulo XIII.”
Destaca-se que relativamente ao documento de fl. 22, tratando-se de certidão da Prefeitura de (…) emitida no exercício de 1997, mostra-se razoável que o sinal seja exigido da atual Secretária de Governo ou da Autoridade/responsável pela confirmação da autenticidade do documento.
Quanto às exigências relacionadas ao cumprimento da especialidade subjetiva, já foram elas levantadas pelo Oficial.
Muito embora a exigência de identificação do CPF esteja prevista no item 45, Cap. XVI das NSCGJSP, na situação dos autos inexiste dúvida quanto à identificação dos vendedores e, não sendo raro marido e mulher utilizarem-se do mesmo CPF à época, possível a mitigação da exigência, dispensando-se a comprovação do CPF de Ivani de Jesus Félix Madureira.
Adverte-se que os itens 61 e 61.1, Cap. XX das NSCGJ estabelecem como requisito indispensável ao registro a qualificação do proprietário, especialmente a prova do estado civil, o que parece ser a exigência com relação à qualificação da apelante, adquirente do imóvel.
Por fim, a exigência de certidão de nascimento de “Maria das Graças” é mesmo inoportuna e não tem cabimento ao caso, pois a pessoa de Maria das Graças não consta no título submetido à qualificação e tudo indica ter sido um erro material na confecção da nota devolutiva.
Neste cenário, apesar da possibilidade de afastamento de algumas exigências, permanecem aquelas relacionadas à regularização da documentação atinente à compatibilidade da descrição do imóvel no título/documentos e a matrícula, de modo que, não sendo possível a qualificação positiva do título em sua integralidade, remanesce a procedência da dúvida e, por consequência, o improvimento do apelo.
Ante o exposto, pelo meu voto NEGO PROVIMENTO à apelação.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
(DJe de 07.07.2025 – SP)