2ª VRP-SP: Lavratura de escrituras públicas de pacto afetivo. Possibilidade.
Parecer do Ministério Público
Ministério Público do Estado de São Paulo
Autos n.583.00.2006.236899-5/000000-000
Meritíssimo Juiz
O * Tabelião de Notas da Capital deu origem ao presente procedimento, em face de haver recebido ofício, de lavra de integrante do Ministério Público Federal, solicitando informações acerca da não lavratura de escrituras de união civil de pessoas do mesmo sexo.
Diz o Tabelião que, diante da inexistência de legislação a respeito do fato, realmente, o Cartório não lavra tais documentos.
Requer, enfim, seja esclarecido se tais escrituras devam ser lavradas e o que pode ser nelas tratado, diante da inexistência de regulamentação (fls.2/3).
A inicial veio acompanhada dos documentos de fls. 4/8.
Às fls. 10/11 manifestou-se o Colégio Notarial.
É o breve relatório.
Entendo que a questão não deva ser normatizada neste procedimento.
É certo que as relações homossexuais existem e, por isso, em razão da segurança jurídica, merecem ser disciplinadas.
Não menos certo é que, a respeito do tema, há discussões éticas, filosóficas, antropológicas e religiosas.
Há, ainda, a questão constitucional, havendo o entendimento de que a Carta Magna não amparou, nem equiparou, união estável entre pessoas do mesmo sexo à família, nem lhe estendeu a proteção do Estado.
O Estado do Rio Grande do Sul, pelo Corregedor Geral de Justiça, determinou a inclusão de parágrafo único no artigo 215 da Consolidação Normativa Notarial Registral, beneficiando os homossexuais que vivem em união estável.
Tribunais de nosso País já vêm reconhecendo situações como partilha de bens, direito a sucessão, direito a alimentos, bem como questões atinentes à guarda de crianças.
Há em trâmite o Projeto de Lei 1151, de autoria de Marta Suplicy, que visa a regulamentação e disciplina da parceria de pessoas do mesmo sexo.
O INSS regulamentou por instrução normativa (25/00) os procedimentos para concessão de benefícios previdenciários ao companheiro ou companheira homossexual.
Na Alemanha há notícia de que o registro da união civil de pessoas do mesmo sexo equivale ao casamento, dando aos casais homossexuais os mesmos direitos e obrigações, vetada, porém, a possibilidade de adoção de crianças.
A questão, porém, está longe de ser pacificada e, assim, entendo que inviável, em sede da Corregedoria da Capital, editar normas de caráter normativo, que valeriam apenas para esta Comarca.
Atualmente, consoante afirmado pelo próprio Colégio Notarial, entende-se ser possível a declaração de sociedade de fato entre pessoas do mesmo sexo, para efeitos meramente patrimoniais, como meio de preservar a prova.
Ora, não se pode negar a possibilidade da existência de sociedade de fato entre essas pessoas, porque essa pode ocorrer mesmo sem coabitação ou convivência habitual, sendo dispensável o intuito de constituir família. Ressalte-se que, nestes casos, não se cogita de união estável nem de ente equiparado à família, mas, sim, de mera sociedade de fato, instituto jurídico construído pela jurisprudência, que admite até mesmo a indenização por serviços domésticos prestados ou pelo simples apoio, moral ou sentimental, que dá margem e segurança a que um dos conviventes possa melhor auferir renda e estabilidade para aquisição de patrimônio, que assim resulta de esforço comum.
Aliás, o resultado seria o mesmo se fossem utilizados os institutos da doação e testamento. Impera, portanto, a liberdade contratual, o princípio da autonomia da vontade, por versar sobre direito privado.
Diante do exposto, considero correto o entendimento de que, quando solicitado, não é vedado ao Tabelião lavrar a escritura de sociedade de fato, nos termos supra referidos, em nada equiparada ao casamento ou união estável e requeiro que o expediente seja encaminhado à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, para as providências que entender cabíveis.
São Paulo, 8 de março de 2007.
Cíntia Mítico Belgamo Pupin
Promotora de Justiça
Decisão
Juízo de Direito da Segunda Vara de Registros Públicos
Processo 583.00.2006.236899-5
Vistos.
Cuida-se de expediente suscitado pelo Tabelião do * Tabelionato de Notas da Capital, de interesse do Ministério Público Federal, que busca esclarecimentos a respeito das razões da recusa oferecida pelo Tabelião na realização de escrituras de união civil de pessoas do mesmo sexo.
A inicial veio instruída com os documentos de fls.04/08.
Após o pronunciamento do Colégio Notarial/SP (fls. 10/11), a representante do Ministério Público ofereceu manifestação (fls.13/15).
É o breve relatório.
Decido.
Trata-se de procedimento instaurado pelo Tabelião do * Tabelionato de Notas da Capital, que diz respeito à dúvida em se lavrar escrituras públicas, relacionadas com a união civil de pessoas do mesmo sexo.
Aludindo a expediente recebido do Ministério Público Federal, busca o Tabelião orientação a respeito do acerto ou não da recusa apresentada na realização da escritura.
Afasto o óbice suscitado pelo Tabelião, que se recusara a lavrar escritura pública de união civil de pessoas do mesmo sexo.
A versão segundo a qual não há previsão expressa em lei não induz à conseqüência jurídica entrevista pelo Tabelião do * Tabelionato de Notas da Capital.
Ao revés, o ato notarial constitui opção apta a criar, constituir, definir e disciplinar obrigações pessoais e patrimoniais dos interessados.
Bem por isso, forçoso é convir que não há impedimento para a escrituração do ato notarial questionado, consubstanciado na declaração de união estável, envolvendo relação entre homossexuais.
Nesse sentido, a questão conta com precedentes jurisprudenciais, admitindo que os parceiros mutuamente se obriguem a combinar seus esforços para alcançar fins comuns, nos termos do artigo 98, do Código Civil (Apelação Cível n° 142.057-4/0 – Praia Grande – 6ª Câmara de Direito Privado – Relator: Percival Nogueira – 11.12.03), destacando, ainda, os julgados insertos na RT 773/389 e JTJ 279/310.
Em suma, não se justifica a resistência oposta em relação à lavratura do ato notarial, acolhida às ponderações do Colégio Notarial do Brasil/SP e a judiciosa manifestação da representante do Ministério Público (fls.10/11 e 13/15).
Por conseguinte, viável a lavratura da escritura pública, dotada de caráter declaratório entre os conviventes do mesmo sexo, para fins patrimoniais e para constituir prova destinada a caracterizar sociedade de fato.
Ciência ao Tabelião, que deverá observar a diretriz ora traçada, sob pena de violar, doravante, o disposto no artigo 30, XIV da Lei Federal 8.935/94.
Comunique-se a decisão a Egrégia Corregedoria Geral da Justiça.
P.R.I.C.
São Paulo, 20 de março de 2007.
Márcio Martins Bonilha Filho
Juiz de Direito