Registro de Imóveis – Apelação Cível – Dúvida – Título denominado “Opção de Compra e Venda” – Instrumento que, embora assim intitulado, preenche os requisitos do compromisso irretratável de compra e venda – Partes determinadas, objeto lícito e preço certo – Ausência de cláusula de arrependimento – Natureza bilateral do ajuste – Registro viável – Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1182120-48.2024.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante GUILHERME LOPES NAKAMOTO, é apelado 11º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento à apelação para autorizar o registro do título enquanto compromisso de compra e venda que é, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 10 de abril de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1182120-48.2024.8.26.0100

Apelante: Guilherme Lopes Nakamoto

Apelado: 11º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 43.760

Direito registral – Apelação – Registro de imóveis – Dúvida – Título, opção de compra e venda, que se amolda a negócio de compromisso de compra e venda, apesar de sua denominação – Cláusula de arrependimento inexistente – Recurso provido.

I. Caso em Exame

Trata-se de apelação interposta contra sentença que manteve a recusa ao registro do instrumento particular denominado “Opção de Compra e Venda – Pessoa Jurídica” sob o fundamento de que ausentes requisitos essenciais para configuração de negócio jurídico irretratável.

II. Questão em Discussão

A questão em discussão consiste em determinar se o documento apresentado, ainda que denominado opção de compra e venda, pode ser registrado como compromisso irretratável de compra e venda.

III. Razões de Decidir

O Registrador possui autonomia para recusar títulos que não atendam aos requisitos legais, conforme o princípio da legalidade estrita.

O documento apresentado possui características de compromisso irretratável de compra e venda (partes, objeto lícito e preço certo), sendo que não conta com cláusula de arrependimento e há bilateralidade tanto na formação do título como nos seus efeitos, o que o torna apto ao registro.

IV. Dispositivo e Tese

Recurso provido.

Tese de julgamento: “1. Instrumento particular, ainda que denominado opção de compra e venda, pode ser registrado como compromisso irretratável de compra e venda quando presentes todos os elementos essenciais (partes, objeto lícito e preço certo). 2. Bilateralidade e ausência de cláusula de arrependimento permitem o registro para fins de aquisição de direito real”.

Legislação e jurisprudências citadas:

– Lei n. 8.935/1994, art. 28; Código Civil, arts. 1.417 e 1.418.

– CSM, Apelação n.0010226-63.2014.8.26.0361, Rel. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j. 24.05.2016.

Trata-se de apelação interposta por Guilherme Lopes Nakamoto contra a r. sentença de fls. 117/122, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do Oficial do 11º Registro de Imóveis da Comarca da Capital, que manteve a recusa ao registro do instrumento denominado “Opção de Compra e Venda – Pessoa Jurídica”, o qual envolve o imóvel da matrícula n. 376.117 daquela serventia (prenotação n.1.549.034, fl. 13).

O Registrador esclareceu que o título, opção de compra e venda (fls. 08/10), foi apresentado acompanhado de “Confirmação de Valores da Operação de Saque” (fls. 11/12), documento este que demonstra o valor da operação e a forma de pagamento da transação, bem como de guia de ITBI (fl. 21) e de seu respectivo comprovante de recolhimento (fls. 22/23); que, após a devida qualificação, em razão de os documentos apresentados não serem admitidos a registro para formalizar a transmissão do imóvel, o pedido foi negado; que o título estaria “desprovido de vocação para a constituição de direito real” nos moldes de precedente (Apelação Cível n.0010226-63.2014.8.26.0361, fls. 26/37).

A dúvida foi, então, julgada procedente sob o fundamento de que a opção de compra e venda apresentada não poderia ser recepcionada como compromisso irretratável de compra e venda (fls. 117/122).

Em suas razões (fls. 128/143), a parte apelante defende que, apesar de o documento ter sido nomeado como opção de compra e venda, possui todos os requisitos de um compromisso de compra e venda; que e-mails trocados entre as partes confirma negociação para fixação do preço de venda do imóvel; que, com a aceitação a respeito do valor da transação, o proponente não poderia mais desistir da negociação (artigo 427 do Código Civil); que todos os documentos necessários para a concretização do negócio foram providenciados; que se comprometeu com o pagamento de IPTU, condomínio e aluguéis referentes ao imóvel enquanto não fosse concretizada a negociação, o que evidencia a intenção de concluir a transação e a inexistência de possibilidade de desistência; que o pagamento dos valores referentes ao ITBI reforça a manifestação de vontade das partes; que o contrato não prevê a possibilidade de arrependimento; que o instrumento apresentado possui todas as características do compromisso de compra e venda, quais sejam: objeto, preço (e forma de pagamento) e partes determinados, sendo desnecessárias a vinculação futura a contrato definitivo, a inserção de cláusula de irretratabilidade e a complementação dos dados do imóvel, com menção à matrícula; que há precedente que autoriza o registro da opção de compra e venda.

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 165/167).

É o relatório.

Cumpre ressaltar que o Registrador, titular ou interino, dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

De fato, no sistema registral, vigora o princípio da legalidade estrita, pelo qual somente se admite o ingresso de título que atenda aos ditames legais.

Por isso mesmo, o Oficial, quando da qualificação registral, perfaz exame dos elementos extrínsecos do título à luz dos princípios e das normas do sistema jurídico (aspectos formais), devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei.

Neste sentido, o item 117 do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça (NSCGJ):

Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais“.

No mérito, porém, o recurso merece provimento.

Vejamos os motivos.

A controvérsia versa sobre a registrabilidade do documento denominado “Opção de Compra e Venda – Pessoa Jurídica”, que foi formalizado em 26 de junho de 2024 por meio de instrumento particular em que constam como vendedora Sefili Negocios, Representações e Participações LTDA e como compradores Carolina Cristine Colombo Bermudez e Guilherme Lopes Nakamoto (fls. 08/09).

Juntamente com o referido documento, apresentaram- se “Confirmação de Valores da Operação de Saque” (fls. 11/12) e guia de ITBI e respectivo comprovante de recolhimento (fls. 21/23).

O registro recusado foi pelo Oficial mediante nota devolutiva nos seguintes termos (fl. 13):

Apresentar o título que se pretende registrar/averbar, tendo em vista que foi apresentada apenas uma opção de compra e venda Pessoa Jurídica”.

A parte recorrente alega que, apesar de denominado opção de compra e venda, o instrumento particular caracteriza-se como compromisso de compra e venda irretratável e, por isso, é passível de registro em sentido estrito.

De fato, a opção de compra e a opção de venda, apesar de configurarem negócios jurídicos bilaterais em sua formação, são considerados contratos unilaterais quanto aos seus efeitos, vez que, para uma das partes, há apenas vantagens, enquanto, para outra, estabelece-se uma situação de sujeição.

Em outras palavras, são contratos preliminares que geram para a parte outorgante a obrigação de manter o valor e a forma de pagamento pactuados, resguardando a preferência do beneficiário que, em contrapartida, passa a dispor da liberdade de concretizar ou não a venda ou a aquisição do bem de acordo com suas conveniências.

Por sua vez, o compromisso irretratável de compra e venda é definido, nas palavras de Pontes de Miranda, como “contrato pelo qual as partes se obrigam a concluir outro negócio, sendo essencial à noção do pré-contrato que se obrigue alguém a concluir contrato ou outro negócio jurídico” (Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, 4ª ed., São Paulo, 1977, t. XIII, p. 30). Ou seja, há aqui a criação para ambas as partes da obrigação de celebração de outro negócio jurídico, restando o promitente comprador obrigado a comprar o imóvel pelo preço avençado e o promitente vendedor, após receber os valores, a outorgar escritura hábil à transferência da propriedade.

Como característica essencial para que a promessa de compra e venda possa garantir ao promitente comprador direito real à aquisição do imóvel, não poderá haver cláusula que pactue possibilidade de arrependimento (artigos 1.417 e 1.418 do Código Civil):

Art. 1.417. Mediante promessa de compra e venda, em que se não pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel.

Art. 1.418. O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel”.

Expostas as considerações iniciais a respeito da diferenciação dos dois tipos de negócios jurídicos, passa-se à análise dos elementos que compõem o documento levado a registro para que se verifique qual sua verdadeira natureza.

A “Opção de Compra e Venda Pessoa Jurídica” aponta como vendedora Sefili Negocios, Representações e Participações LTDA e como compradores Carolina Cristine Colombo Bermudez e Guilherme Lopes Nakamoto (partes). Há identificação do imóvel negociado, que está bem individuado mesmo sem menção à matrícula (objeto), e a pactuação do montante total de R$710.000,00 a ser pago pelos compradores (preço), da seguinte forma: parcela de entrada, quitada com recursos próprios, no valor de R$262.653,18, e saldo pelo FGTS (R$447.346,82). A vendedora autoriza pesquisa de seus dados e expressa conhecimento que o pagamento do saldo devido será efetuado em sua conta bancária, sendo que a liberação somente será possível após apresentação do contrato/escritura registrado(a) (fls. 08/10).

Ainda, a intenção de formalização de contrato definitivo e a forma de pagamento dos valores se corroboram pela “Confirmação de Valores da Operação de Saque”, que indica que já houve quitação de R$262.653,18 e que o restante do preço será pago por recurso oriundo do Fundo de Garantia de Tempo de Serviço FGTS, a ser “depositado na conta acima, no prazo de 05 (cinco) dias úteis, após o recebimento de 01 via original da escritura/instrumento e de 01 via original da matrícula do imóvel, com o registro da compra e venda e da utilização do FGTS, no Cartório de Registro de Imóveis competente” (fls. 11/12).

Estão presentes, portanto, todos os elementos essenciais do negócio de compromisso de venda e compra: partes, objeto e preço determinados, ao lado de manifestação de vontade irretratável.

Note-se que, com o recebimento de parte do valor pela vendedora e com a determinação da forma de pagamento do restante do preço, há imposição de obrigação também aos compradores. Em outros termos, o instrumento apresentado a registro se configura como verdadeiro compromisso de venda e compra, com efeitos bilaterais (a opção é, ao mesmo tempo, de compra e de venda).

Nesse sentido, destaca-se trecho de acórdão proferido por este C. Conselho Superior da Magistratura por ocasião do julgamento da Apelação n.0010226-63.2014.8.26.0361, sob a relatoria do Desembargador Manoel de Queiroz Pereira Calças, Corregedor Geral da Justiça à época:

Entretanto, a despeito da denominação atribuída ao contrato apresentado a registro, não se documenta, lá, no instrumento particular, e nada obstante as ambiguidades e equivocidades que desperta (superáveis pela interpretação), uma característica opção de compra. Essa, infere-se do que se pontuou, é infensa à convenção de obrigações recíprocas, ajustadas, porém, in concreto, pelas partes.

O optante, na realidade, um promitente adquirente, assumiu o compromisso de pagamento do preço ajustado. Realizou o desembolso do sinal, início de pagamento no valor de R$ 2.000.000,00, e obrigou-se a quitar o saldo remanescente de R$ 31.000.000,00, no prazo de trinta dias, contado da exibição (e aprovação) da documentação relacionada no contrato e, em particular, da certidão de uso e ocupação do solo expedida pelo Município de Mogi das Cruzes, comprobatória da esperada modificação do zoneamento da área do imóvel de ZR-3 para ZDU.

Dentro desse contexto, extraído da reconstrução do conteúdo das declarações negociais, com respeito, realce-se, à intenção nelas consubstanciada, conclui-se que o contrato em foco amolda-se à categoria da promessa (compromisso) de venda e compra. Trata-se de contrato preliminar bilateral, na formação e nos efeitos. O promitente adquirente, suscitado, assumiu também deveres de prestação. Vinculou-se à futura celebração do contrato definitivo. Concordou, mesmo que sob condição, subordinando assim o pagamento do saldo a acontecimento futuro e incerto, com a estipulação do contrato de compra e venda”.

Vale reiterar que não há, nos documentos apresentados, qualquer menção expressa à possibilidade de arrependimento, o que confirma a irretratabilidade e a possibilidade de registro para aquisição do direito real do promitente comprador (artigo 1.225, VII, do Código Civil).

Por fim, é importante ressaltar que o registro do compromisso de compra e venda, nos termos do artigo 1.418 do Código Civil, somente confere ao promitente comprador o direito de exigir do promitente vendedor a outorga da escritura definitiva de compra e venda, cujo registro é essencial para transferência da propriedade plena ao adquirente (artigos 108 e 1.245 do Código Civil).

Ante o exposto, pelo meu voto, dou provimento à apelação para autorizar o registro do título enquanto compromisso de compra e venda que é.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

(DJe de 29.04.2025 – SP)