CSM|SP: Registro de Imóveis – Apelação Cível – Adjudicação compulsória extrajudicial – Impugnação fundamentada apresentada pelos proprietários – Alegações de ilicitude na contratação – Item 471 das NSCGJ – Inviabilidade de apreciação do mérito pelo Oficial – Competência exclusiva do Judiciário – Prosseguimento obstruído – Recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1179578-57.2024.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante FACAM IMÓVEIS S/A, são apelados ANDRE IANOVICH, MARIA ARISTIDES IANOVICH e 9º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 10 de abril de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1179578-57.2024.8.26.0100

Apelante: Facam Imóveis S/A

Apelados: Andre Ianovich, Maria Aristides Ianovich e 9º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

VOTO Nº 43.757

Direito civil – Apelação – Adjudicação compulsória extrajudicial – Recurso desprovido.

I. Caso em Exame

Apelação interposta contra sentença que manteve a recusa do Oficial de Registro de Imóveis em prosseguir com procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial de imóvel. A apelante alega que as impugnações dos proprietários não se sustentam, pedindo a reforma da sentença para prosseguimento do procedimento.

II. Questão em Discussão

A questão em discussão consiste em determinar se a impugnação apresentada pelos proprietários do imóvel é suficiente para impedir o prosseguimento do procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial.

III. Razões de Decidir

O item 471 do Capítulo XX das NSCGJ estabelece que o Oficial de Registro deve indeferir o pedido se a impugnação for fundada.

A impugnação dos proprietários, alegando diversas ilicitudes na contratação, é minimamente fundada, impedindo a continuidade do procedimento na esfera administrativa.

IV. Dispositivo e Tese

Recurso desprovido.

Tese de julgamento: “1. A impugnação fundamentada impede o prosseguimento do procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial. 2. Questões de mérito da impugnação devem ser resolvidas na via judicial”.

Legislação Citada:

– Lei nº 6.015/73, art. 216-B, § 1º, IV.

Jurisprudência Citada:

– CSM/SP, apelação nº 1013408-63.2023.8.26.0510, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. em 27/11/2024.

– CSM/SP, apelação nº 1001285-66.2020.8.26.0048, Rel. Des. Torres Garcia, j. em 6/11/2023.

– CSM/SP, apelação nº 1118113-23.2019.8.26.0100, Rel. Des. Ricardo Anafe, j. em 15/5/2020.

Trata-se de apelação interposta por Facam Imóveis S/A contra a r. sentença de fls. 153/157, proferida pela MM. Juíza Corregedora Permanente do 9º Registro de Imóveis da Capital, que manteve a recusa do Oficial em dar prosseguimento a procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial do imóvel objeto da matrícula nº 99.729 daquela serventia.

Sustenta a apelante, em síntese, que as alegações feitas pelos proprietários do bem, impugnantes do pedido de adjudicação compulsória extrajudicial, não estão comprovadas; que não há prova de que os impugnantes são analfabetos: que eles estavam acompanhados de advogado no momento da assinatura do compromisso de compra e venda; que o valor da venda é condizente com o valor de mercado; e que o contrato não possui cláusulas nulas. Ressalta, ainda, que seria injusto lhe impor o uso da via judicial em virtude da impugnação infundada apresentada. Pede, ao final, a reforma da sentença para que seja determinado o prosseguimento do procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial (fls. 163/176).

André Ianovich e Maria Aristides Ianovich, proprietários do bem e impugnantes do pedido de adjudicação, apresentaram contrarrazões (fls. 190/195).

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não provimento do recurso (fls. 213/215).

É o relatório.

A ora apelante ingressou com pedido de adjudicação compulsória extrajudicial no 9º Registro de Imóveis da Capital, objetivando a transmissão da propriedade do bem matriculado sob nº 99.729 naquela serventia.

Notificada, a promitente vendedora e seu marido apresentaram impugnação, alegando, em resumo, que o objeto do contrato de compromisso de compra e venda é ilícito, pois simulou a garantia de um empréstimo ilegal e abusivo.

Ante a impugnação apresentada pelos proprietários do imóvel, o registrador obstou o pedido de adjudicação extrajudicial.

Requerida a suscitação de dúvida, a MM. Juíza Corregedora Permanente da unidade extrajudicial julgou procedente o pedido, mantendo o óbice apontado pelo Oficial.

Inconformada, a apelante interpôs o recurso ora analisado.

Sem razão, contudo.

Especificamente em relação ao procedimento de adjudicação compulsória extrajudicial, dispõe o item 471 do Capítulo XX das NSCGJ:

“471. O oficial de registro de imóveis indeferirá o pedido, se:

I – for constatado artifício ou colusão para burlar requisitos notariais e registrais ou exigências tributárias, ou para burlar o disposto no art. 108 do Código Civil;

II – a impugnação do requerido for fundada”.

E não obstante as alegações da ora apelante, devidamente apreciadas tanto pelo registrador como pela MM. Juíza Corregedora Permanente, a impugnação apresentada pelos titulares de domínio é mais do que suficiente para impedir a continuidade do procedimento na esfera administrativa.

Considerando que o exercício da jurisdição é função que cabe com exclusividade ao Poder Judiciário, não é dado ao registrador analisar o mérito da impugnação apresentada pelos promitentes vendedores. Ao Oficial cabe apenas analisar se aquilo que é alegado é minimamente fundado. Como no caso dos autos os proprietários do imóvel questionam diversos aspectos do compromisso de compra e venda cujo cumprimento é requerido extrajudicialmente, a impugnação foi corretamente considerada fundada.

Não é por outra razão que o inciso IV do § 1º do art. 216- B da Lei nº 6.015/73 indica entre os documentos indispensáveis para o requerimento de adjudicação compulsória extrajudicial “certidões dos distribuidores forenses da comarca da situação do imóvel e do domicílio do requerente que demonstrem a inexistência de litígio envolvendo o contrato de promessa de compra e venda do imóvel objeto da adjudicação“. Ora, se a existência de disputa judicial acerca do compromisso de compra e venda impede a adjudicação extrajudicial, é evidente que a impugnação apresentada pelos proprietários do bem também obsta essa via. Da mesma forma que o Oficial não pode avaliar a questão que é objeto de processo judicial, não lhe é dado analisar o mérito de impugnação fundada apresentada perante a serventia imobiliária.

A questão aqui analisada muito se assemelha ao procedimento utilizado nas impugnações apresentadas em usucapião extrajudicial. Nesses casos, minimamente fundada a impugnação, cabe ao interessado se valer da via judicial. Nesse sentido:

Registro de Imóveis – Usucapião extrajudicial – Impugnação fundamentada oposta por pessoa notificada tanto na qualidade de titular do domínio como de confrontante – Questionamentos que envolvem o exercício da posse, a descrição do bem e divergências entre a área negociada e a área objeto da usucapião Impossibilidade de prosseguimento na via administrativa – Incidência dos itens 420.3, 420.5 e 420.7 do Capítulo XX das NSCGJ Precedentes deste Conselho Superior da Magistratura Apelação provida, determinando-se a extinção da usucapião extrajudicial e remessa dos interessados às vias ordinárias” (CSM/SP – apelação nº 1013408-63.2023.8.26.0510, Rel. Des. Francisco Loureiro, j. em 27/11/2024).

Registro de Imóveis – Usucapião na via extrajudicial – Dúvida – Apelação – Impugnação fundamentada do confrontante – Impossibilidade de prosseguimento na via administrativa – Apelação a que se dá provimento para os fins das NSCGJ, II, XX, 420.4” (CSM/SP – apelação nº 1001285-66.2020.8.26.0048, Rel. Des. Torres Garcia, j. em 6/11/2023).

Apelação – Procedimento de dúvida – Impugnação a procedimento de usucapião extrajudicial – Possibilidade – Inteligência do art. 216-A, § 7º da Lei nº 6.015/1973 – Usucapião extrajudicial – Impugnação por exequente que penhorou o imóvel em execução judicial – Arguição da penhora e da existência de possível fraude contra credores – Alegação de ocorrência de fraude à execução e inexistência de posse com animus domini – Sentença que acolhe parcialmente a impugnação e determina a requerente o uso da via judicial – Fraude à execução caracteriza matéria fática a ser apurada em processo judicial – Dúvidas sobre a natureza da posse exercida considerando a condição de parentes dos envolvidos – Impugnação com fundamento relevante – Impossibilidade de prosseguimento – Remessa das partes às vias ordinárias – Inteligência do art. 216-A, § 10 da Lei nº 6.015/1973 e do item 420.5 do Cap. XX das NSCGJ – Encaminhamento da requerente da usucapião extrajudicial para a via judicial mantida – Recurso não provido” (CSM/SP – apelação nº 1118113-23.2019.8.26.0100, Rel. Des. Ricardo Anafe, j. em 15/5/2020).

Ressalte-se, por fim, que, ao contrário do alegado no recurso, o acolhimento da impugnação pela r. sentença teve por objetivo tão-somente obstar o uso da via extrajudicial, não tendo havido análise do mérito da objeção. Com efeito, a leitura da parte final da fundamentação da r. sentença deixa bastante claro que a discussão trazida pelos impugnantes deve ser solucionada em processo judicial específico, “com contraditório e ampla defesa, havendo possibilidade de dilação probatória” (fls. 156).

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

(DJe de 29.04.2025 – SP)