CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida registral – Formal de partilha – Impugnação parcial das exigências – Dúvida prejudicada – Impossibilidade de cisão entre terreno e acessões – Inclusão indevida de cônjuge supérstite como meeira – Regime de comunhão parcial – Bem adquirido por sucessão – Necessidade de retificação da partilha e comprovação do recolhimento de tributos – Recurso não conhecido.

ACÓRDÃO 

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1049755-46.2024.8.26.0224, da Comarca de Guarulhos, em que é apelante MARIA DO CARMO GOMES DE ARAUJO DAURA OLIVEIRA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE GUARULHOS.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Não conheceram da apelação e julgaram prejudicada a dúvida, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 5 de maio de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1049755-46.2024.8.26.0224

Apelante: Maria do Carmo Gomes de Araujo Daura Oliveira

Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Guarulhos

VOTO Nº 43.773

Direito Registral  Apelação. Inventário – Pedido julgado prejudicado.

I. Caso em Exame

Apelação interposta contra sentença que manteve a qualificação negativa ao registro do formal de partilha referente à metade ideal do imóvel objeto da matrícula, em procedimento de dúvida. A apelação busca a reforma da sentença, sustentando a aplicação do princípio da cindibilidade do título para deferimento do registro parcial do formal de partilha. Impugnação apenas de uma das exigências formuladas pelo registrador, conformando-se a recorrente com a outra.

II. Questão em Discussão

A questão em discussão consiste em (i) a possibilidade de cisão entre a propriedade do terreno e das acessões para registro parcial do formal de partilha e (ii) a inclusão da cônjuge supérstite como meeira, considerando o regime de bens do casamento e o modo de aquisição da propriedade.

III. Razões de Decidir

A primeira exigência formulada pelo Oficial de Registro de Imóveis refere-se à impossibilidade de cisão entre o registro da propriedade do terreno e das acessões, em atendimento aos princípios da especialidade objetiva e da continuidade, conforme artigos 1253 a 1259 do Código Civil.

A segunda exigência fundamenta-se na violação ao princípio da continuidade registral, considerando que o de cujus adquiriu o imóvel por sucessão hereditária e era casado pelo regime da comunhão parcial de bens, o que exclui a comunicação ao cônjuge, conforme artigo 1.659, inciso I, do Código Civil.

IV. Dispositivo e Tese

Apelação não conhecida e dúvida julgada prejudicada, uma vez que a parte se conforma com uma das exigências formuladas pelo registrador, o que, por si só, impede o ingresso do título no registro imobiliário.

Tese de julgamento: “1. A cindibilidade do título não é viável quando o terreno e as construções são considerados como um só imóvel. 2. A inclusão da cônjuge supérstite como meeira não é permitida quando o bem foi adquirido por sucessão hereditária e o regime de bens do casamento é de comunhão parcial”.

Legislação Citada:

Código Civil, arts. 79, 1.253 a 1.259, 1.659, I, 1.829, I; Lei  nº 6.015/1973, arts. 225 e 289; Lei nº 8.935/1994, art. 28.

Jurisprudência Citada:

TJSP, Apelação Cível 1001028-25.2024.8.26.0590, Rel. Francisco Loureiro, Conselho Superior da Magistratura, j. 19/09/2024; TJSP, Apelação Cível 1007346-58.2023.8.26.0590, Rel. Francisco Loureiro, Conselho Superior da Magistratura, j. 12/09/2024.

Trata-se de apelação interposta por MARIA DO CARMO GOMES DE ARAÚJO DAURA OLIVEIRA em face da r. sentença de fls. 204/207, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 2º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Guarulhos, que, em procedimento de dúvida, manteve a qualificação negativa ao registro do formal de partilha expedido em 15 de maio de 2024, pela 5ª Vara da Família e Sucessões da Comarca de Guarulhos, nos autos do processo de inventário nº 1063666-62.2023.8.26.0224, dos bens deixados pelo falecimento de Modesto Daura Oliveira, referente à metade ideal do imóvel objeto da matrícula nº 51.197.

A apelação busca a reforma da sentença, sustentando a aplicação do princípio da cindibilidade do título, em conformidade ao Enunciado nº 28 do Conselho Nacional de Justiça, com o deferimento do registro parcial do formal de partilha, admitindo-se o registro em relação ao terreno, postergando o registro das acessões em momento posterior, após a sobrepartilha. Alega que tal providência permitirá a imediata regularização da partilha em relação aos herdeiros, afastando a insegurança jurídica.

A Douta Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento da apelação (fls. 342/344 e 347/349).

É o relatório.

A apelação não merece ser conhecida, ficando prejudicada a dúvida.

Pretende a requerente registrar a partilha mortis causa em virtude do óbito de Modesto Daura Oliveira, referente à metade ideal do imóvel objeto da matrícula nº 51.197, nos termos do formal de partilha expedido em 15 de maio de 2024, pelo Juízo da 5ª Vara de Família e Sucessões da Comarca de Guarulhos, extraído dos autos do processo judicial nº 1063666-62.2023.8.26.0224.

Prenotado o título, o Oficial apresentou nota devolutiva nos seguintes termos (fls. 144/147):

1) No plano de partilha homologado (folhas 105/107 dos autos), a acessão foi inventariada separadamente do terreno, de modo que a partilha quanto ao terreno diferiu da partilha quanto à acessão. O acessório deve seguir o principal, ou seja, o proprietário do terreno adquire a propriedade das acessões erigidas (superficies solo cedit), não sendo possível a exclusão da construção do monte partível, nem a partilha diferenciada das construções em relação ao terreno, não é possível cindir a propriedade do terreno e das construções. Nesse sentido, os artigos 1253 a 1259 do Código Civil, em especial o artigo 1255, que dispõe: Art. 1.255. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização.

Desse modo, há necessidade de: (a) retificar a descrição do imóvel, em homenagem ao princípio da especialidade objetiva (art. 225 da Lei 6.015/1973) e (b) retificar a partilha, tendo em vista a impossibilidade de atribuição de frações diferenciadas ao terreno e à acessão.

2) Observa-se da matrícula 51.197 que o autor da herança adquirira a fração ideal de 25% do imóvel em virtude de sucessão mortis causa de Maria de Lourdes Oliveira Daura (R.2), e a outra fração de ideal de 25% do imóvel pela sucessão mortis causa de Modesto Daura Clariana (R.9). Ademais, o coproprietário e autor da herança MODESTO DAURA OLIVEIRA casara-se, em 22 de dezembro de 1984, com MARIA DO CARMO GOMES DE ARAUJO DAURA OLIVEIRA, pelo regime da comunhão parcial de bens. Dessa forma, considerando que MODESTO adquirira a metade ideal do imóvel em decorrência de sucessões mortis causa, e considerando o regime da comunhão parcial de bens, a referida fração de titularidade do de cujus exclui-se da comunhão, nos termos do artigo 1.659, inciso I, do Código Civil. Assim, considerando o regime adotado, não houve, em princípio, comunicação. Desse modo, ao cônjuge aplica-se o disposto no artigo 1.829, I, do Código Civil quanto à sucessão. Acaso a partilha seja diferenciada entre os herdeiros em virtude de eventual negócio jurídico, deve haver demonstração do recolhimento dos tributos decorrentes desse negócio (art. 289 da Lei 6.015/1973). Por fim, salienta-se que, na hipótese de retificação da partilha, necessário apresentar a declaração do ITCMD em consonância com a nova partilha”.

Como se extrai da referida nota devolutiva, foram duas as exigências formuladas pelo Oficial, uma atinente à diferenciação dos quinhões e frações quanto ao terreno e acessões e outra referente à inclusão da cônjuge supérstite MARIA DO CARMO GOMES DE ARAUJO DAURA OLIVEIRA como meeira, quando em verdade o regime de bens do casamento e a forma de aquisição da propriedade pelo de cujus não autorizam o reconhecimento da comunicação de bens pelo casamento, havendo necessidade, para ambas as situações, de retificação da partilha.

No entanto, apelação impugna tão somente um dos óbices, o que torna prejudicada a dúvida.

A ausência de insurgência contra uma ou mais exigências registrárias ou mesmo a anuência com qualquer delas prejudica, de fato, a dúvida, que só admite duas soluções: a) a determinação do registro do título protocolado e prenotado, que é analisado, em reexame da qualificação, tal como se encontrava no momento em que surgida dissensão entre o apresentante e o Oficial de Registro de Imóveis; ou b) manutenção da recusa do Oficial.

A ausência de impugnação ou desatendimento em relação a uma, ou mais, das exigências apontadas para o ingresso do título no fólio real, atribui ao processo de dúvida natureza consultiva, vez que em caso de reapresentação deverá a nova qualificação ser realizada conforme os requisitos para o registro que então se mostrarem pertinentes.

Com efeito, o processo de dúvida não se presta à solução de dissenso relativo a apenas parte dos óbices ao ingresso do título no fólio real, pois, eventualmente afastados os questionados, restariam os demais, não questionados, que, não atendidos, impediriam, de toda sorte, o registro.

A decisão sobre a possibilidade do registro do título depende da insurgência contra todas as exigências, o que não ocorreu no presente procedimento, desde o seu nascedouro. Neste sentido, tranquila a jurisprudência deste Conselho Superior da Magistratura:

“REGISTRO DE IMÓVEIS. PROCEDIMENTO DE DÚVIDA INVERSA. CARTA DE ADJUDICAÇÃO EXTRAÍDA DE PROCESSO JUDICIAL. VÁRIOS ÓBICES LEVANTADOS NA NOTA DEVOLUTIVA. REGISTRO DO TÍTULO QUE DEPENDE DO QUESTIONAMENTO DE TODAS AS EXIGÊNCIAS. INSURGÊNCIA PARCIAL. APRECIAÇÃO DA LEGALIDADE DAS EXIGÊNCIAS APENAS PARA EFEITO DE FUTURA REAPRESENTAÇÃO E QUALIFICAÇÃO DO TÍTULO. DÚVIDA PREJUDICADA. APELAÇÃO NÃO CONHECIDA.” (TJSP; Apelação Cível 1001028-25.2024.8.26.0590; Relator (a): Francisco Loureiro (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de São Vicente – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 19/09/2024; Data de Registro: 23/09/2024).

“REGISTRO DE IMÓVEIS. CARTA DE SENTENÇA. ADJUDICAÇÃO COMPULSÓRIA. IMPUGNAÇÃO PARCIAL DAS EXIGÊNCIAS. DÚVIDA PREJUDICADA. ANÁLISE PARA ORIENTAÇÃO DE FUTURA PRENOTAÇÃO. OBJETO IDENTIFICADO. ÓBICE QUE NÃO SUBSISTE.” (TJSP; Apelação Cível 1007346-58.2023.8.26.0590; Relator (a): Francisco Loureiro (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro de São Vicente – 6ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/09/2024; Data de Registro: 16/09/2024).

Assim, como a apelação interposta impugnou apenas parte das exigências, a dúvida está prejudicada.

No mais, passa-se a analisar as exigências formuladas a fim de orientar futura prenotação.

Apesar do trânsito em julgado da sentença proferida nos autos do inventário de bens, o formal de partilha dele extraído não está imune à qualificação registrária. Eventual recusa, portanto, não configura violação à coisa julgada ou descumprimento de decisão judicial. O Oficial, titular ou interino, dispõe de autonomia no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (art. 28 da Lei nº 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.

Esta conclusão se reforça pelo disposto no item 117, do Capítulo XX, das Normas de Serviço, bem como pelo entendimento jurisprudencial pacífico no sentido de que a qualificação negativa não caracteriza desobediência ou descumprimento de decisão judicial (Apelação Cível n. 413-6/7; Apelação Cível n. 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível n. 0005176-34.2019.8.26.0344 e Apelação Cível n. 1001015-36.2019.8.26.0223).

Sendo assim, não há dúvidas de que a origem judicial não basta para garantir ingresso automático dos títulos no fólio real, cabendo ao Oficial qualificá-los conforme os princípios e regras que regem a atividade registral. Nota-se, ainda, que o caso trata de título e não de ordem judicial, de modo que não há como se sustentar descumprimento.

Quanto à primeira exigência, o acesso do título ao registro foi negado diante da impossibilidade da cisão entre a propriedade do terreno e das acessões, em atendimento aos princípios da especialidade objetiva e da continuidade.

A matrícula nº 51.197 descreve o imóvel como sendo um lote de terreno sob nº 02 da quadra “T” e a Av.1 indica a construção de uma casa residencial sob nº 02-A, com área de 63 M², com aprovação Municipal (certidão da matrícula à fl. 74). Logo, houve averbação da construção junto à matrícula do imóvel, que está identificado atualmente como um terreno e acessões.

À vista disso, a exigência mostra-se acertada, à evidência de que cabe ao delegatário, no desenvolvimento da sua atividade registral, observar os princípios que regem a legalidade do título levado a registro, devendo examinar o aspecto formal e extrínseco do título.

E, na hipótese, tem aplicação o artigo 79 do Código Civil, certo de que o terreno e as construções são considerados como um só imóvel, devendo a partilha determinar a fração total a cada herdeiro, considerando-se o solo e acessões como coisa única. A diferenciação de partes ideais entre solo e construção, conforme constou do plano de partilha, não comporta acesso ao fólio imobiliário, sobretudo diante do que consta na matrícula.

Sendo a matrícula caracterizada e identificada como um terreno e sua construção, há impossibilidade de cindibilidade do título tal como postulado subsidiariamente pela parte, pois a matrícula é identificada como um só todo e a partilha há de ser formada tendo como parâmetro todo o imóvel.

Quanto ao segundo óbice, a negativa do registro está fundamentada na violação ao princípio da continuidade registral. Isto porque, o de cujus adquiriu o imóvel por sucessão hereditária (pelo falecimento de Modesto Daura Clariana e Maria de Lourdes Oliveira Daura) e era casado com Maria do Carmo Gomes de Araujo Daura Oliveira pelo regime da comunhão parcial de bens (certidão de casamento de fl. 20).

Assim prevê o Código Civil:

“Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:

I – os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;”

Consequentemente, em razão da forma de aquisição da propriedade e pelo regime de bens do casamento, não há comunicação do bem, de modo que a viúva Maria do Carmo Gomes de Araujo Daura Oliveira não poderia figurar como meeira.

Logo, como Maria do Carmo não se qualifica como meeira, em razão do regime de bens e porque na partilha apresentada está indicada como detentora de 50% do imóvel, eventual partilha diferenciada decorrente de negócios jurídicos firmados entre os herdeiros que acabe por alterar a cota devida a cada um de acordo com a sucessão legal, deveria estar acompanhada do recolhimento dos tributos daí decorrentes.

E, uma vez que o registro de imóveis se presta a anotar no fólio registral a realidade fática, perseguindo sempre a tangência entre as informações prestadas e a realidade, é necessário que o correto encadeamento dos fatos da vida civil conste da matrícula do bem.

No caso, as divergências apuradas impedem que o título atenda aos requisitos da continuidade, mostrando-se correta a exigência feita pelo Registrador.

Ante o exposto, pelo meu voto, não conheço da apelação e julgo prejudicada a dúvida.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 12.05.2025 – SP)