CSM|SP: Direito registral – Apelação – Registro de imóveis – Partilha extraída de inventário extrajudicial que transmite o imóvel apenas ao herdeiro, excluindo a ex-esposa, com a qual era casado sob regime de comunhão universal de bens porque dela separado de fato ao tempo do óbito da autora da herança – Procedência da dúvida que não prevalece – Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1019042-71.2024.8.26.0068, da Comarca de Barueri, em que é apelante EDUARDO JOVANINI DE SOUZA LIMA, é apelado OFICIAL DO REGISTRO DE IMOVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BARUERI.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso de apelação para julgar a dúvida improcedente, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 5 de maio de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1019042-71.2024.8.26.0068
APELANTE: Eduardo Jovanini de Souza Lima
APELADO: Oficial do Registro de Imoveis e Anexos da Comarca de Barueri
VOTO Nº 43.781
Direito registral – Apelação – Registro de imóveis – Partilha extraída de inventário extrajudicial que transmite o imóvel apenas ao herdeiro, excluindo a ex-esposa, com a qual era casado sob regime de comunhão universal de bens porque dela separado de fato ao tempo do óbito da autora da herança – Procedência da dúvida que não prevalece – Recurso provido.
I. Caso em Exame
Apelação interposta para afastar a exigência ao registro de escritura pública de inventário extrajudicial no fólio real. Alegação de que o bem imóvel herdado pelo requerente não se comunicouà ex-esposa porque já separados de fato quando do falecimento da autora da herança, como reconhecido emjuízo. –
II. Questão em Discussão
A questão em discussão consiste em determinar se o imóvel adquirido por apenas um dos cônjuges, após a separação de fato do casal, deve ser comunicado ao outro cônjuge, e se o acordo homologado em juízo na ação de divórcio quanto à não comunicabilidade deve ser considerada para afastar o óbice registrário.
Também se discute se a qualificação do herdeiro como divorciado por ocasião da lavratura da escritura pública de inventário extrajudicial deve prevalecer.
III. Razões de Decidir
A separação de fato do herdeiro foi reconhecida em acordo homologado judicialmente na ação de divórcio, estabelecendo a incomunicabilidade dos bens adquiridos por sucessão, de modo a não subsistir o óbice registrário.
A qualificação do herdeiro como divorciado está condizente com a realidade no momento da lavratura da escritura de inventário extrajudicial.
IV. Dispositivo e Tese
Recurso provido.
Tese de julgamento: 1. Reconhecido judicialmente, em ação de divórcio, que o casal estava separado de fato ao tempo da abertura da sucessão da genitora do cônjuge varão e havendo concordância da ex-cônjuge quanto à não comunicação do bem imóvel a seu patrimônio, o título deve ingressar no fólio real, afastada a exigência. 2. A qualificação do herdeiro como divorciado ao tempo da lavratura da escritura pública de inventário e partilha corresponde à realidade existente à época.
Legislação Citada:
Código Civil, art. 1.784.
Jurisprudência Citada:
Parecer nº 119/2024-E, Recurso Administrativo nº 1007613-07.2023.8.26.0048, aprovado em 28/02/2024.
Trata-se de recurso de apelação (fls. 471/482) interposto por EDUARDO JOVANINI DE SOUZA LIMA contra a r. sentença (fls. 465/466) proferida pela MMª Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis Títulos e Documentos e Civil de Pessoas Jurídicas da Comarca de Barueri/SP, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve o óbice registrário ao ingresso, no fólio real, do formal de partilha dos bens deixados pelo falecimento de Maria do Carmo Jovanini Lima.
Nas razões de recurso, o apelante insiste no registro do formal de partilha para a transferência do imóvel de matrícula nº 159.159 do Oficial de Registro de Imóveis de Barueri para seu nome, alegando que, por ocasião da abertura da sucessão de sua genitora, já estava separado de fato de sua ex-mulher, como reconhecido pelo ex-casal em acordo judicialmente homologado.
Requer, portanto, seja julgada a dúvida improcedente, determinando-se, em consequência, o imediato registro da escritura pública de inventário extrajudicial do Espólio de Maria do Carmo Jovanini Lima, Livro 470, fls.323/330, na matrícula nº 159.159.
A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 544/546).
É o relatório.
No caso concreto, o título cujo registro se pretende é a escritura pública de inventário e partilha do Espólio de Maria do Carmo Jovanini Lima, de fls. 32/39, lavrada pelo Tabelião de Notas de Itaquaquecetuba/SP em 23/04/2024, referente à partilha dos bens deixados pela de cujus, em especial do imóvel de matrícula nº 159.159 do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Barueri /SP.
Apresentado a registro (fls. 13/18), o título foi objeto de prenotação, sob o nº 592.829 (fl. 09/11) em 12/07/2024 e, por fim, foi qualificado de maneira negativa.
O Oficial emitiu, então, a Nota Devolutiva de fls. 29/30, em 26/07/2024, nos seguintes termos:
“Da escritura acima solicitada (de Inventário e Partilha dos bens deixados pelo falecimento de Maria do Carmo Jovanini Lima), verifica-se que o herdeiro Eduardo Jovanini de Souza Lima consta qualificado com o estado civil de divorciado. No entanto diante da sua certidão de casamento, consta ter este contraído matrimonio aos 07/10/2017, sob o regime da comunhão universal de bens, com Andréia Gasparino Peixoto Jovanini, os quais se divorciaram por sentença proferida aos 21/07/2023 (posteriormente ao falecimento de sua mãe). Para atendimento ao princípio da saisine (art. 1.784 do Código Civil Brasileiro vigente), os herdeiros constarão do registro da partilha com o estado civil que possuíam à época da abertura da sucessão, sendo que as alterações em seu estado civil serão averbadas na sequência do registro da partilha.” (fls. 02/03, g.N.)
Em 30/07/2024, o título foi reapresentado, com pedido de que o estado civil do herdeiro supracitado constasse, então, como “separado de fato”, reiterando o pedido de registro. Subsidiariamente, foi requerida a suscitação da dúvida (fls. 13/18).
Sob o entendimento de que as exigências persistiam – mesmo porque o estado civil de “separado de fato” não existe – o Oficial manteve o óbice e suscitou a Dúvida (fls. 01/06).
O ora recorrente, por sua vez, ofertou a impugnação de fls. 419/425 reiterando suas razões.
Após, veio a manifestação do Oficial, em que ratificou seu entendimento de que impossível o registro da partilha nos termos apresentados, porque “separação de fato” não é estado civil e porque necessária a anuência da ex-cônjuge do ora recorrente, Andréa Gasparino, “declarando que a proporção do imóvel adquirida em razão da sucessão não importa em comunicabilidade com a mesma, tratando- se de bem particular (visto que ainda possuíam o estado civil de casados, sob o regime da comunhão universal de bens, vindo a se divorciarem posteriormente), ou, o que poderia ser suprido pela apresentação de ordem judicial específica, que reconheça por afastar a comunicabilidade do referido bem, o que não foi procedido” (fls. 458/459).
O Ministério Público também se manifestou (fls. 462/463) e a r. sentença de fls. 465/466, então, julgou procedente a Dúvida.
O apelante alega, em síntese, que as exigências devem ser afastadas porque: (i) embora tenha se casado em 07/10/2017 com Andréa Gasparino Peixoto, sob o regime da comunhão universal de bens, ocorreu a separação de fato do casal em 13 de novembro de 2022;
(ii) sua genitora faleceu em 22/04/2023 e deixou, entre outros, um bem imóvel de matrícula nº 159.159 no Registro de Imóveis de Barueri a partilhar; (iii) sua ex-esposa renunciou aos direitos sucessórios que possuía, em razão do regime de bens adotado no casamento e por conta do falecimento da genitora do recorrente, em termo de acordo juntado nos autos do Divórcio, que, posteriormente, foi homologado por sentença em 26/01/2024; (iv) não há nenhum prejuízo quanto à qualificação do apelante como “divorciado” na escritura de inventário dos bens deixados por sua genitora, eis que não envolve mais nenhum bem em comum dos ex-cônjuges, apenas seus direitos sucessórios; (v) a separação de fato do casal constou, inclusive, na escritura de partilha (fl. 33); (vi) caso assinasse o documento com a informação de que era casado na data da lavratura da escritura de inventário extrajudicial, estaria cometendo o crime de falsidade Ideológica, previsto no artigo 299 do Código Penal;
(vii) a negativa de registro da escritura de inventário e partilha dos bens deixados por sua genitora não encontra respaldo legal nem mesmo na jurisprudência atual aplicada (fls. 471/482). Pede a reforma integral da r. sentença para que seja registrada a escritura apresentada.
O recurso comporta provimento.
A sentença que decretou o divórcio do apelante e de Andréa Gasparino Peixoto Jovanini (fls. 502/503) foi expressa ao estabelecer que o divórcio seria regido pelas “cláusulas e condições fixadas no acordo de fls. 218/221”.
Por sua vez, o termo de acordo mencionado na r. sentença contém expresso reconhecimento dos ex-cônjuges de que a separação de fato do casal ocorreu em 13/11/2022, dia em que Eduardo Jovanini de Souza Lima, ora apelante, foi afastado do lar, assim como há expresso reconhecimento da cônjuge de “não possuir direitos sucessórios decorrentes do falecimento da Sra. Maria do Carmo Jovanini Lima (ex-sogra da requerente, genitora de Eduardo), ocorrido no dia 22 de abril de 2023”. Tendo ela, inclusive, se comprometido a assinar, se necessário, Termo de Renúncia da Herança.
Analisando-se a redação da sentença lançada na ação de divórcio, à luz do acordo firmado pelas partes, fica claro que a data de 13/11/2022 foi fixada como termo inicial para a incomunicabilidade do bem adquirido por sucessão, eis que, embora ainda formalmente casados quando a genitora do ora recorrente faleceu, já estavam separados de fato.
Não foi por outra razão que na escritura do inventário dos bens deixados pelo falecimento da genitora do ora recorrente constou a seguinte observação junto à sua qualificação:
“À época do óbito era casado com Andréa Gasparino Peixoto Jovanini, sob o regime da comunhão universal de bens, porém estava separado de fato da mesma conforme adiante mencionado.”(fl. 33) a fl. 36 também constou:
“…k) pelo herdeiro Eduardo Jovanini de Souza Lima, foi declarado e comprovado que se encontrava separado de fato de Andréa Gasparino Peixoto, desde 13 de novembro de 2022, conforme consta da sentença proferida em 21 de julho de 2023, transitada em julgado, processo nº 1010250-65.2023.8.26.0068, do Juízo de Direito da Segunda Vara de Família e Sucessões da Comarca de Barueri; …”
Então, embora o divórcio das partes tenha sido homologado somente em julho de 2023, quando a genitora do ora recorrente faleceu (em abril de 2023), o casal já estava separado de fato, o que foi expressamente reconhecido pela ex-cônjuge do ora recorrente em novembro de 2023, conforme o acordo de fls. 433/436.
E mais, do termo de acordo constou também o reconhecimento de Andréa em relação ao afastamento de seus direitos sucessórios quanto aos bens a ser inventariados pelo falecimento da genitora de seu ex-cônjuge.
Revelada, pois, a ausência de litigiosidade das partes com relação à não comunicação do bem havido por sucessão de um dos cônjuges ao outro, a exigência não se sustenta.
Nesse sentido, destaca-se trecho do parecer nº 119/2024-E, de autoria da MMª Juíza Assessora da Corregedoria, Maria Isabel Romero Rodrigues Henriques, nos autos do Recurso Administrativo nº 1007613-07.2023.8.26.0048, por mim aprovado em 28/02/2024:
“A conclusão no sentido de que a titularidade do imóvel é de ser atribuída exclusivamente à autora pode ser extraída da leitura do trecho da sentença disciplinando a partilha dos bens, fundada na mera interpretação lógica ou sistemática da cláusula, ainda no limite da legalidade. Neste ponto, a redação da sentença, ao estabelecer uma espécie de “segunda cláusula” (prevendo que os bens “adquiridos apenas pelo réu, no qual conste apenas a qualificação dele como casado com a autora, ficarão excluídos da partilha”) apenas exemplificou a lógica estabelecida na cláusula geral, sem contraria-la ou modifica-la, no sentido de que os bens adquiridos após o termo inicial de 1990 seriam de titularidade exclusiva do cônjuge adquirente, ainda que qualificado como casado sob o regime da comunhão universal, pois a separação de fato do casal já era uma realidade desde o ano de 1990 e o divórcio foi decretado muito tempo após a separação de fato. Não se trata de aplicação de analogia, tampouco de interpretação extensiva pelo Registrador. Ainda que não utilizando expressamente tal nomenclatura, a sentença de divórcio estabeleceu a exclusividade da titularidade dos bens adquiridos por apenas um dos cônjuges após março de 1990, excluindo-os da partilha, revelando inexistir litigiosidade a respeito da incomunicabilidade, em razão da coisa julgada já operada.”
Por fim, a qualificação do ora recorrente aposta na escritura de inventário e partilha de fls. 32/39, lavrada em 23/04/2024, só poderia ser mesmo como “divorciado” como, de fato, constou, já que, naquela data, era este seu estado civil.
Deste modo, é caso de afastar as exigências mencionadas, a fim de que o título ingresse no fólio real, como postulado.
Ante o exposto, pelo meu voto, DOU PROVIMENTO ao recurso de apelação para julgar a dúvida improcedente.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
(DJe de 12.05.2025 – SP)