TJ|MG: União Estável – Reconhecimento – Presença de impedimento – Concubinato impuro – Ausência da unicidade de vínculo e do respeito mútuo – Impossibilidade de rateio da pensão com a viúva.

EMENTA

UNIÃO ESTÁVEL – RECONHECIMENTO – PRESENÇA DE IMPEDIMENTO – CONCUBINATO IMPURO – AUSÊNCIA DA UNICIDADE DE VÍNCULO E DO RESPEITO MÚTUO – IMPOSSIBILIDADE DE RATEIO DA PENSÃO COM A VIÚVA. – A união estável deve ser reconhecida se a requerente comprova nos autos o preenchimento de todos os requisitos para sua configuração, entre eles: convivência, ausência de formalismo, diversidade de sexos, unicidade de vínculo, estabilidade, continuidade, publicidade, objetivo de constituição de família e inexistência de impedimentos matrimoniais. – Constitui causa impeditiva para o reconhecimento da união estável o casamento durante o mesmo período pleiteado pela autora, quando não comprovada a separação de fato entre o de cujus e a esposa. – Na hipótese de concubinato impuro, incabível o rateio de pensão entre viúva e concubina, pois a legislação aplicável à espécie não reconhece a figura da concubina como dependente para fins previdenciários. – Sendo a relação adulterina não há como, pelo menos no campo do direito de família, se reconhecer de qualquer direito advindo dessa relação, tendo em vista a necessidade de coerência no ordenamento jurídico, que não pode dar validade a duas instituições familiares durante o mesmo período. (TJMG – Apelação Cível nº 1.0027.07.140872-1/00 – Betim – 4ª Câm. Cível – Rel. Des. Dárcio Lopardi Mendes – DJ 19.02.2010).

ACÓRDÃO

(SEGREDO DE JUSTIÇA)

Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador ALMEIDA MELO , incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO.

Belo Horizonte, 28 de janeiro de 2010.

DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES – Relator

RELATÓRIO E VOTO

NOTAS TAQUIGRÁFICAS

O SR. DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES:

Cuida-se de apelação interposta em face de sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados em ação declaratória de reconhecimento e dissolução de sociedade de fato, cumulada com partilha de bens, proposta por I. de S. F, em desfavor de V. L. de C. G., D. C. G. B. P. G, sendo essas últimas viúva e filhas, respectivamente, do falecido Sr. D. J. G..

O MM. Juiz a quo julgou improcedentes os pedidos e condenou a Autora ao pagamento de honorários advocatícios fixados em R$1.000,00 (mil reais), com fulcro no §4º do art. 20 do CPC, suspendendo, todavia, a cobrança, na forma da Lei 1.060/50, considerando que a relação havida entre o a autora e o de cujus configurava um verdadeiro concubinato impuro, face à inexistência de cessação do vínculo matrimonial com todas as suas implicações, com a esposa legítima.

Inconformada, apela a Autora, na forma das razões de fls. 327/335, alegando, em suma, que restou fartamente demonstrada pelas provas carreadas aos autos, a longa convivência e relação de dependência, inclusive alimentar, da Autora com o de cujus. Cita o posicionamento de um autor no sentido de que a relação concubinária, mesmo impura, deve ser reconhecida e acatada pelo Estado.

Transcreveu diversas decisões sobre o tema, proferidas por este Tribunal, e ao final pugna pelo provimento do apelo, “anulando-se a sentença por total desacordo com as provas produzidas e inobservância do parecer ministerial, provendo os pedidos autorais, nos limites pedidos na inicial.

Intimadas, as apeladas apresentaram contra-razões pela manutenção da decisão.

Conheço do recurso, porquanto presentes seus pressupostos de admissibilidade.

Certo é que incumbe à parte que alega demonstrar seu direito, sob pena de sua pretensão ser julgada improcedente, nos termos do artigo 333, inciso I do CPC cujo texto dispõe que:

Art. 333. O ônus da prova incumbe:

I – ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito; (…).

Assim, a demandante deve cuidar para que sua pretensão reste indubitavelmente comprovada, no caso, a existência da união estável, porquanto o magistrado apenas poderá se ater aos fatos carreados e demonstrados nos autos, aos quais aplicará seus conhecimentos técnicos e as máximas de sua experiência.

Nesse sentido, Euclides de Oliveira in União Estável, do concubinato ao casamento, 6ª edição, editora Método, p. 149, 2003:

A situação de convivência em união estável exige prova segura para que se reconheça sua existência e se concedam os direitos assegurados aos companheiros.

A Constituição Federal estabelece em seu artigo 226 § 3º, que a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado e para efeito de proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.

Para tanto, a Lei nº. 9.278 de 10 de maio de 1996, veio regular o § 3º do referido artigo, reconhecendo como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com o intuito de constituição de família.

O mesmo autor ao apresentar os requisitos para configuração da União Estável destaca:

(…) a) convivência, b) ausência de formalismo, c) diversidade de sexos, d) unicidade de vínculo, e) estabilidade: duração, f) continuidade, g) publicidade, h) objetivo de constituição de família e i) inexistência de impedimentos matrimoniais.

Não basta a presença de apenas um ou alguns desses requisitos. É preciso que todos se mostrem evidenciados para que a união seja considerada estável. A falta de um deles pode levar ao reconhecimento de mera união concubinária ou de outra ordem. (p. 122).

No caso que ora se apresenta, a requerente não demonstrou o preenchimento dos requisitos para reconhecimento da União estável, senão vejamos:

Segundo Euclides de Oliveira, o objetivo de constituição de família pode ser evidenciado “por uma série de elementos comportamentais na exteriorização da convivência more uxório, com o indispensável affectio maritalis, isto é, apresentação em público dos companheiros como se casados fossem e com afeição recíproca de um verdadeiro casal. São indícios veementes desta situação de vida à moda conjugal a mantença de um lar comum, freqüência conjunta a eventos familiares e sociais, eventual casamento religioso, existência de filhos havidos dessa união, mútua dependência econômica, empreendimentos em parceria, contas bancárias conjuntas etc”.

Entretanto, verifica-se que constitui causa impeditiva para o reconhecimento da união estável o casamento ou a existência de uma outra união estável reconhecida judicialmente, durante o mesmo período pleiteado pela autora.

Não se olvida que o casamento, na hipótese de uma separação de fato, não constitui impedimento para a constituição de união estável, todavia, compulsando os autos, conclui-se que o de cujus jamais se separou de fato de sua esposa. Examinando os documentos juntados como prova, comprovantes de endereço, contas, fotos, e principalmente depoimentos de testemunhas e pessoais da Autora e da 1ª Requerida, (termos de fls. 225/230), conclui-se que o de cujus mantinha ambos os relacionamentos concomitantemente, sendo que a esposa sabia da companheira e vice-versa.

Em depoimento pessoal de fls. 228 a esposa, 1ª Requerida, afirmou que o marido sempre viajou muito a trabalho, e que quando descobriu que o falecido tinha um relacionamento extraconjugal, no ano de 2006, não exigiu do mesmo que parasse com sua relação extraconjugal, “porque gostava muito dele”. Afirmou que foi a própria Autora quem lhe telefonou para avisar que o falecido havia sido internado, quando este sofrera o primeiro AVC. Informação corroborada pelo depoimento pessoal da Autora, em que esta afirma que ficou conhecendo a 1ª Requerida quando o de cujus sofreu o primeiro AVC em 2006.

A Autora não logrou êxito em comprovar, a separação de fato de cujus, ônus que lhe incumbia, restando patente a impossibilidade de reconhecimento de união estável.

Tanto que em suas razões recusais, a própria recorrente afirma que “a relação concubinária, mesmo impura, deve ser reconhecida pelo Estado.”

É importante frisar que, o fato de ter havido entre o de cujus e a autora um relacionamento, por si só, não é capaz de fazer configurar a união estável.

Nesse sentido, escreve Washington de Barros Monteiro in Curso de Direito Civil, vol. 2: Direito de Família, Ed. Saraiva, p. 31:

Relações de caráter meramente afetivo não configuram união estável. Simples relações sexuais, ainda que repetidas por largo espaço de tempo, não constituem união estável. A união estável, que é manifestação aparente de casamento, caracteriza-se pela comunhão de vidas, no sentido material e imaterial, isto é, pela constituição de uma família.

Nesse diapasão, tenho que, os requisitos para configuração da união estável não restaram preenchidos, uma vez que não existia entre o falecido e a apelante a unicidade de vínculos, ou seja, a monogamia na relação.

Por oportuno cito novamente Euclides de Oliveira que com propriedade explica o requisito acima destacado, f.127:

Como é próprio da união formalizada pelo casamento, também na união estável exige-se que o vínculo entre os companheiros seja único, em vista do caráter monogâmico da relação. Havendo anterior casamento, ou subsistindo anterior união estável, não podem os seus membros participar de união extra, que seria de caráter adulterino ou desleal, por isso não configurada a entidade familiar.

A união caracterizada como desleal é justamente o termo que muitos doutrinadores diferenciam o instituto do concubinato e da união estável, sendo o primeiro as uniões não reconhecidas e desprotegidas pelo nosso ordenamento jurídico, chamadas também de adulterina, impuras ou desleais; e, a última, a entidade familiar com a presença dos requisitos da diversidade de sexos, da unicidade de vínculo, da estabilidade, da publicidade, do objetivo de constituição de família e da inexistência de impedimentos matrimoniais.

Rodrigo da Cunha Pereira explica com sabedoria a distinção dessas relações afetivas: A distinção entre concubinato e união estável faz-se necessária para ampliar as medidas e conseqüências jurídicas em cada um dos institutos. Os direitos e deveres decorrentes de uma união estável serão buscados no campo do Direito de Família utilizando-se seus marcos teóricos. (Direito de Família e o novo Código Civil, 3ª ed., Editora Del Rey, p. 265).

Continua o citado autor:

O concubinato, assim considerado aquele adulterino ou paralelo ao casamento ou outra união estável, para manter-se a coerência no ordenamento jurídico brasileiro – já que o Estado não pode dar proteção a mais de uma família ao mesmo tempo -, poderá valer-se da teoria das sociedades de fato, portanto, no campo obrigacional.

Na verdade, nesses casos, observo que, além da ausência de unicidade de vínculo, falta na relação um dos elementos mais importantes para manutenção e reconhecimento de qualquer entidade familiar, qual seja, o respeito mútuo entre os conviventes.

É de se concluir, portanto, que, ante a carência da unicidade de vínculo e do respeito mútuos, a relação afetiva existente entre a apelante e o falecido foi um concubinato desleal e não uma união estável.

Em que pese o parecer ministerial de fls. 307/314 ter opinado pela concessão da pensão por morte no percentual de 30% (trinta por cento), para a Autora, colacionando julgados admitindo o rateio da pensão entre a esposa e a concubina, na hipótese de concubinato impuro, penso que tal providência é incabível, pois a legislação aplicável à espécie não reconhece a figura da concubina como dependente para fins previdenciários.

Ademais, sendo a relação dos autos adulterina não há como, pelo menos no campo do direito de família, se reconhecer qualquer direito advindo dessa relação, tendo em vista a necessidade de coerência no ordenamento jurídico, que não pode dar validade a duas instituições familiares durante o mesmo período.

Sobre o tema em comento ressalto o seguinte julgado:

RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RATEIO ENTRE VIÚVA E CONCUBINA. SIMULTANEIDADE DE RELAÇÃO MARITAL. UNIÃO ESTÁVEL NÃO CONFIGURADA. IMPOSSIBILIDADE.

1. Em razão do próprio regramento constitucional e infraconstitucional, a exigência para o reconhecimento da união estável é que ambos, o segurado e a companheira, sejam solteiros, separados de fato ou judicialmente, ou viúvos, que convivam como entidade familiar, ainda que não sob o mesmo teto, excluindo-se, assim, para fins de reconhecimento de união estável, as situações de concomitância, é dizer, de simultaneidade de relação marital.

2. É firme o constructo jurisprudencial na afirmação de que se reconhece à companheira de homem casado, mas separado de fato ou de direito, divorciado ou viúvo, o direito na participação nos benefícios previdenciários e patrimoniais decorrentes de seu falecimento, concorrendo com a esposa, ou até mesmo excluindo-a da participação, hipótese que não ocorre na espécie, de sorte que a distinção entre concubinato e união estável hoje não oferece mais dúvida.

3. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 674.176/PE, Rel. Ministro NILSON NAVES, Rel. p/ Acórdão Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, julgado em 17/03/2009, DJe 31/08/2009)

Este é posicionamento remansoso e pacífico do Tribunal de Justiça mineiro, bem ilustrado pela seguinte decisão da I. Colega Des. Maria Elza;

DIREITO DE FAMÍLIA. RELACIONAMENTO AFETIVO PARALELO AO CASAMENTO. IMPOSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. PRINCÍPIO DA MONOGAMIA. RECURSO NÃO-PROVIDO.

– O relacionamento afetivo da apelante com o seu amado não se enquadra no conceito de união estável, visto que o princípio da monogamia, que rege as relações afetivas familiares, impede o reconhecimento jurídico de um relacionamento afetivo paralelo ao casamento. Neste contexto, por se encontrar ausente elemento essencial para a constituição da união estável, qual seja, ausência de impedimento matrimonial entre os companheiros, e como o pai dos apelados não se encontrava separado de fato ou judicialmente, conforme restou suficientemente demonstrado nos autos, não é possível se caracterizar o concubinato existente como uma união estável. Entender o contrário seria vulgarizar e distorcer o conceito de união estável, instituto jurídico que foi consagrado pela Constituição Federal de 1988 com a finalidade de proteger relacionamentos constituídos com fito familiar e, ainda, viabilizar a bigamia, já que é possível a conversão da união estável em casamento. Por fim, ainda que haja no Superior Tribunal de Justiça um precedente extremamente eloqüente e em tudo assemelhado ao caso que se examina, que consiste no REsp n° 742.685, do STJ, julgado em 04-08-2005, de que foi Relator o Min. José Arnaldo da Fonseca, da 5ª Turma do STJ, admitindo o direito à pensão previdenciária, deixo de apreciar o tema, visto que tal pleito há de ser formulado perante a Justiça Federal, visto que A.B.M., era Policial Rodoviário Federal, o que impede, por absoluta incompetência (artigo 109, inciso I, da Constituição da República), à Justiça Estadual reconhecer eventual direito previdenciário por parte da apelante. (AP. nº 0024.07.690802-9/001, pub. em 21/01/2009)

Pelo exposto, e por tudo mais que dos autos consta, nego provimento ao apelo, para manter a sentença recorrida.

Custas ex-lege.

Votaram de acordo com o(a) Relator(a) os Desembargador(es): ALMEIDA MELO e AUDEBERT DELAGE.

SÚMULA: NEGARAM PROVIMENTO.

Fonte: Boletim Eletrônico INR nº 4505 – Grupo Serac – São Paulo, 23 de Março de 2011