1ª VRP|SP: Dúvida. Escritura Pública. Constituição e Alienação de Usufruto, institutos que não se misturam. Aquele que tem a propriedade plena pode alienar a nuapropriedade a um e o usufruto a outro. Aquele que tem o usufruto constituído não pode separadamente aliená-lo, somente em conjunto com o nuproprietário, por não ter a propriedade plena. Dúvida improcedente.

Processo 0047652-58.2010.8.26.0100

CP 486.

Dúvida

Registro de Imóveis

Sexto Oficial de Registro de Imóveis

VISTOS.

Cuida-se de dúvida suscitada pelo 6º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, que recusou o registro da escritura pública de compra e venda e cessão lavrada nas notas do 15º Tabelião de Notas de São Paulo, pela qual o promitente comprador Oswaldo Zungolo indica sua filha Maria Aparecida Zungolo para receber dos outorgantes vendedores a nua-propriedade, e sua esposa Maria de Lourdes para receber o usufruto.

E, ainda por meio da mesma escritura, Oswaldo a estas cede gratuitamente todos os direitos de compromissário comprador e Maria de Lourdes (compradora do usufruto) cede e transfere a sua filha Maria Aparecida Zungolo todos os direitos relativos ao imóvel, que se situa na Rua Cordelia, nº 37, antiga casa K-1, lote 37, da quadra K, Vila Prudente. A dúvida foi impuganda às fls. 43/47.

O Ministério Público opinou pela procedência da dúvida (fls. 50/51).

É O RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO.

A escritura pública de compra e venda e cessão, datada de 1973, foi recusada pelo Oficial ao argumento de que viola a regra da inalienabilidade do usufruto prevista no art. 717, do Código Civil revogado, cujo teor era o seguinte: “O usufruto só se pode transferir, por alienação, ao proprietário da coisa; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso.” No atual Código Civil, a norma está contida no art. 1393: “Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título gratuito ou oneroso.”

Colhe-se da escritura de compra e venda e cessão ora recusada (fls. 08/10) que o imóvel objeto da transcrição nº 74.999 fora, em 1960, prometido à venda a Oswaldo Zungolo (inscrição nº 22.573 do 11º Registro de Imóveis) que era casado com Maria de Lourdes Francisca de Paula Zungolo pelo regime da “plena comunhão de bens” (conforme certidão de casamento de fls. 22).

Verifica-se também que os titulares de domínio transferiram a nua-propriedade a Maria de Lourdes, esposa de Oswaldo, e o usufruto integral a Maria Aparecida, filha do casal Oswaldo e Maria de Lourdes.

Sem desconhecer a controvérsia que envolve o tema, este juízo filia-se à corrente segundo a qual é possível ao titular de domínio alienar a uma pessoa a nua-propriedade e à outra o usufruto. Além disso, também entende que constituição e alienação de usufruto não se confundem.

O caso ora em foco, na parte em que questionada pelo Oficial, cuida da constituição do usufruto (do titular de domínio à usufrutuária) sem a alegada transferência do usufruto da meação do marido. Isto porque usufruto e direitos de compromissário comprador são espécies diferentes de direitos reais, de modo que não se pode inferir que Oswaldo, ao adquirir os direitos de compromissário comprador do imóvel, enquanto casado pelo regime da comunhão universal de bens com Maria de Lourdes, tenha adquirido e instituído usufruto em seu nome e, por conseguinte, de sua esposa. Eram, ambos, titulares dos direitos reais de compromissário comprador; mas não usufrutuários.

Daí se vê que o usufruto foi constituído diretamente pelos titulares de domínio a Maria de Lourdes, o que não contraria a regra do art 717, do Código Civil então vigente, nem a do atual art. 1393.

Oportuno, neste ponto, citar o julgado do E. Conselho Superior da Magistratura de inteira aplicação no caso em exame lembrado por Ademar Fioranelli: “A objeção formulada pelo digno Dr. Curador de Registros Públicos não merece acolhida. É ao usufrutuário que a lei proíbe de transferir o usufruto a outrem que não o nu-proprietário; e não vice-versa. Portanto, desmembrada a propriedade e transferidos, sucessiva ou concomitantemente, o usufruto a um e a nua-propriedade a outro, é claro que o usufrutuário terá de dar contas de suas obrigações sempre ao dono, que o for no momento. O primeiro desaparece substituído por seu sucessor.

Afastada essa objeção, prevalece, mais uma vez, a abalizada lição de Serpa Lopes. Com efeito, pouco importa o nome que se dê ao contrato constitutivo do usufruto.

Constituído por ato inter vivos e a título oneroso, não há mal que, por parêmia, se denomine compra e venda ao contrato de constituição de usufruto. Na interpretação da vontade se atenderá mais à intenção do declarante que ao sentido literal da linguagem.

Tem razão, portanto, Serpa Lopes, quando diz: “Cumpre ressaltar, antes de tudo, que se trata, no sub judice, de uma constituição de usufruto. A constituição de um usufruto é ato jurídico bem diferente da alienação do usufruto. A primeira dá-se por força da lei ou pela vontade do homem; a segunda , é por ato vedado por lei (Código Civil, art. 717), porquanto o usufruto só pode ser transferido, por alienação, ao proprietário da coisa; a primeira é realizada por quem possui a propriedade da coisa e que destaca para transferir a outrem uma parte desse mesmo direito, isto é, o direito real de fruir as utilidades e frutos de uma coisa; a segunda, seria a alienação desse direito já constituído, outorgado por quem não é titular pleno de propriedade, pelo que só se permite a transferência do seu exercício, a menos, como já disse, que se trate do proprietário da coisa.

É claro, portanto, que o vendedor ou vendedores, sendo proprietários plenos da coisa vendida, constituíram um usufruto a título oneroso, alienando a nua-propriedade a um dos outorgados e o usufruto aos demais.

Essa operação jurídica constitui, como se a afirma no processo, um absurdo jurídico, que obsta a transcrição da escritura impugnada? De modo nenhum. Nem a lei nem a doutrina ministram qualquer elemento justificativo dessa impugnação. Ao contrário, a lei, como vimos, proíbe apenas a alienação do usufruto já constituído.

Nenhum outro dispositivo existe, direta ou indiretamente, vedando um proprietário constituir a título oneroso, um usufruto, ou alienar a nua-propriedade a um e o usufruto a outro” (Tratado dos Registros Públicos, vol. III, p. 156-159).

Pelos mesmos fundamentos, julgo improcedente a dúvida para determinar que se proceda à transcrição da alienação da nuapropriedade e à inscrição de constituição do usufruto, nos livros competentes.”(Direito Registral Imobiliário, safE, págs. 405/406 – grifou-se).

Ademar Fioranelli, a seguir, acrescenta que: “Nessa mesma linha de pensamento podemos afirmar com segurança, reportando-nos a mais um ângulo da questão, que se repete amiúde na vida dos cartorários, que nenhum impedimento haverá de admitir a registro escritura em que o nu-proprietário, conjuntamente com o usufrutuário, aliene a terceiro o imóvel, já que neste se consolidara a plena propriedade. Esta é a hipótese: “Por escritura de tal data, A na qualidade de nu-proprietário e B na de usufrutuário, transmitem a C o imóvel, pelo valor de X”. Em C, obviamente, se concentrou a plenitude da propriedade pela transmissão efetuada pelo título por A e B” (pág. 407).

É por isso que, a despeito do zelo do Oficial e dos r argumentos do Ministério Público, o título merece ingressar no fólio real por não violar a regra da inalienabilidade do usufruto. Posto isso, julgo improcedente a dúvida suscitada pelo 6º Oficial de Registro de Imóveis para determinar o registro da escritura pública de compra e venda e cessão lavrada nas notas do 15º Tabelião de Notas de São Paulo (fls. 08/10).

Oportunamente, cumpra-se o artigo 203, II, da Lei de Registros Públicos. Servirá esta de mandado, nos termos da Portaria Conjunta nº 01/08, da 1ª e 2ª Varas de Registros Públicos da Capital. Nada sendo requerido no prazo legal, ao arquivo.

P.R.I.C. São Paulo, 28 de janeiro de 2011.

Gustavo Henrique Bretas Marzagão. Juiz de Direito.