TJ|RJ: Agravo de Instrumento. Inventário. Aceitação tácita. Retratação. Renuncia abdicativa. Não incidência de Imposto sobre Doações (ITD). Recurso dirigido contra decisão que indeferiu pedido de abstenção do pagamento do ITD em razão da renúncia manifestada por um dos herdeiros em favor do monte, por entender configurada a renúncia translatícia… Recurso provido.
EMENTA
Agravo de Instrumento. Inventário. Aceitação tácita. Retratação. Renuncia abdicativa. Não incidência de Imposto sobre Doações (ITD). Recurso dirigido contra decisão que indeferiu pedido de abstenção do pagamento do ITD em razão da renúncia manifestada por um dos herdeiros em favor do monte, por entender configurada a renúncia translatícia. Embora o decurso de mais de quatro anos do pedido de abertura de inventário e apresentação das primeiras declarações, configure aceitação tácita da herança, irretratável pelo artigo 1812 do Código Civil de 2002, a lei vigente, tanto à época da abertura da sucessão (CC/1916) como da aceitação, permitia no art. 1590, segunda parte, a retratação da aceitação, de forma que, durante o procedimento do inventário, enquanto não homologada a partilha, poderia o aceitante se arrepender, com efeitos ex tunc, como se nunca tivesse sido chamado a suceder. Hipótese em que ocorreu a renuncia abdicativa, posto que em favor do monte, não incidindo o Imposto sobre doações. Orientação do C. Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que a renúncia translativa deve implicar, a um só tempo, aceitação tácita da herança e a subseqüente destinação desta a beneficiário certo, o que não ocorre quando há abdicação em favor do monte partível, sem a intenção de ceder os direitos hereditários, como se doação fosse, a herdeiro determinado. Conhecimento e provimento do Agravo. (TJRJ – Agravo de Instrumento nº 2009.002.43047 – Italva – 16ª Câm. Cível – Rel. Des. Mario Robert Mannheimer – Julgado em 25.05.2010)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e examinados estes autos da Apelação Cível em epígrafe,
ACORDAM, por unanimidade, os Desembargadores que integram a 16ª Câmara Cível da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, em conhecer e dar provimento ao Agravo de Instrumento, nos termos do voto do Relator.
RELATÓRIO
Trata–se de Agravo de Instrumento interposto pelo ESPÓLIO DE HYGINO JOSÉ DA SILVA contra decisão proferida pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Italva, no respectivo processo de Inventário, a qual indeferiu o pedido de abstenção do pagamento do Imposto de Doação (inter vivos), em razão da renúncia manifestada por um dos herdeiros, RONEY HYGINO JOSÉ DA SILVA, em favor do monte.
A decisão agravada possui o seguinte teor:
“Após o decurso de mais de 07 (sete) anos do trâmite do presente, tendo o renunciante subscrito às primeiras declarações e praticado todos os demais atos compatíveis com a aceitação da herança, pode–se concluir que a renúncia de fls. 156 dista, em muito, da renúncia denominada pura e simples, em relação a qual não incide o imposto de doação. Dessa forma, determino que os autos sejam encaminhados ao Partidor Judicial para retificação do esboço de partilha, a fim de que no mesmo passe a constar a renúncia de fls. 126, acompanhada do valor do imposto correspondente.”
Em suas razões, propugna o Agravante pela reforma da decisão, aduzindo, em síntese, a não incidência do imposto de transmissão inter vivos por tratar–se, na hipótese de renuncia pura e simples ou abdicativa de cota hereditária em favor do monte partilhável nos moldes do artigo 1805, § 2º. do Código Civil, e não em beneficio de pessoa certa e determinada,.
Acrescenta que nos casos de renuncia abdicativa, ou seja, cessão gratuita, pura e simples, o único imposto a ser pago pelo beneficiário é o causa mortis, não havendo, portanto, a incidência do imposto inter vivos.
Aduz que o decurso de mais de sete anos do tramite do processo de inventário, tendo o renunciante subscrito as primeiras declarações e praticado todos os demais atos, ao contrario do entendimento firmado pelo Juízo a quo não tem o condão de transformar a renuncia pura e simples em renuncia translativa, haja vista ainda não ter havido decisão de partilha.
Às fls. 107, deferi o efeito suspensivo.
O juízo monocrático prestou informações às fls. 111/112, noticiando o cumprimento pelo Agravante da regra contida no artigo 526 do CPC e mantendo a decisão por seus próprios fundamentos.
O Agravado não ofereceu contra–razões.
É o Relatório.
VOTO
A questão controvertida versa sobre a identificação da espécie de renúncia realizada por um dos herdeiros, bem como se esta foi precedida de aceitação tácita da herança, considerando os atos processuais que a antecederem, a justificar a exigência da Fazenda Pública estadual de pagamento do imposto de transmissão inter vivos (ITD).
Na hipótese, o herdeiro renunciante, juntamente com os demais herdeiros, subscreveu em 02/04/2002 o pedido de abertura de inventário e apresentou as primeiras declarações, todos assistidos por Defensor Público.
Após apresentação do laudo de avaliação, calculados os impostos devidos e apresentado o esboço de partilha, em 21/03/2007, em decorrência da morte da viúva meeira, foi requerida a abertura de inventário cumulativo das duas heranças (fls. 84/85 destes autos) e na mesma data, o herdeiro RONEY HYGINO JOSÉ SILVA, requereu a lavratura do termo de renúncia da herança de seus pais, HYGINO JOSÉ DA SILVA e VICTÓRIA JOSÉ DA SILVA, na forma do artigo 1806 do Código Civil.
Por certo que em relação aos bens deixados por seu pai, HYGINO JOSÉ DA SILVA, o decurso de mais de quatro anos do pedido de abertura de inventário e apresentação das primeiras declarações, configurou aceitação tácita da herança, consoante exegese extraída do artigo 1581, § 1º, in fine do Código Civil de 1916, vigente à época da abertura da sucessão, norma esta reproduzida pelo artigo 1805 do Código Civil de 2002.
Com efeito, a aceitação tácita, modalidade mais comum no cotidiano forense, resulta da prática de atos compatíveis com a qualidade de herdeiro, dentre as quais quando intervém nos autos de inventário através de advogado ou defensor público, manifestando sua concordância ou discordância em relação às primeiras declarações do inventariante e outros atos processuais, consoante leciona Luiz Paulo Vieira de Carvalho (in “Direito Civil. Questões Fundamentais e Controvérsias na Parte Geral, no Direito de Família e no Direito das Sucessões,Ed. Lúmen Júris, Rio de Janeiro, 2007, pág. 323).
Ocorre que, apesar de o Código Civil vigente, em seu artigo 1812, ter tornado a aceitação irretratável, motivo pelo qual atualmente a renúncia precedida de aceitação importa em renúncia translatícia, o Código Civil de 1916 permitia em seu artigo 1590, segunda parte, a retratação da aceitação, de forma que, durante o procedimento do inventário, enquanto não homologada a partilha, poderia o aceitante se arrepender, com efeitos ex tunc, como se nunca tivesse sido chamado a suceder, fato que ensejaria o reconhecimento da renuncia pura e simples ou abdicativa.
Ademais, segundo precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, para que se configure a renuncia translativa o ato deve implicar, a um só tempo, aceitação tácita da herança e a subseqüente destinação desta à beneficiário certo, o que não ocorre quando há abdicação em favor do monte partível, sem a intenção de ceder os direitos hereditários, como se doação fosse, a herdeiro determinado.
Isto porque a renuncia translativa, na verdade, se compõe necessariamente de dois atos (uma aceitação tácita e uma cessão gratuita do quinhão hereditário do herdeiro – doação) que gerarão por via de conseqüência, a incidência de dois impostos, a saber: o imposto de transmissão causa mortis em razão da aceitação do quinhão hereditário e o imposto de transmissão inter vivos pela doação, a ser pago pelo donatário (cessionário).
Já na renuncia pura e simples ou abdicativa, não é devido o pagamento do imposto de transmissão pelo renunciante, já que o herdeiro, ao se despojar de tal qualidade, é como se nunca tivesse participado da sucessão.
Nesse sentido orienta–se a jurisprudência dos Tribunais Superiores:
“RENUNCIA DE HERANÇA COM A MENÇÃO, COMO BENEFICIARIO, DO NOME DO HERDEIRO ÚNICO. – INEXISTÊNCIA DE NEGATIVA DE VIGENCIA DOS DISPOSITIVOS INVOCADOS. DISSIDIO DE JURISPRUDÊNCIA NÃO COMPROVADO. – PARA HAVER A DENOMINADA RENUNCIA TRANSLATIVA, E MISTER QUE O ATO DE RENUNCIA IMPLIQUE, AO MESMO TEMPO, A ACEITAÇÃO TACITA DE HERANÇA E A SUBSEQUENTE TRANSFERENCIA DESTA, POIS NÃO SE PODE TRANSFERIR O QUE, SE NÃO TIVER HAVIDO ACEITAÇÃO PREVIA, AINDA NÃO SE ADQUIRIU. E PARA QUE ESSES DOIS ATOS, LOGICAMENTE SUCESSIVOS, SE EXTERIORIZEM POR MEIO DE UM ATO SÓ (A CHAMADA RENUNCIA TRANSLATIVA) SE FAZ NECESSARIO QUE O ATO DE RENUNCIA ACRESCENTE ALGO QUE NÃO SE COMPATIBILIZE COM A RENUNCIA PURA E SIMPLES (A CHAMADA RENUNCIA ABDICATIVA), COMO SE DECLARE ONEROSA, OU SE LIMITE A BENEFICIAR ALGUNS – E NÃO TODOS – CO–HERDEIROS. ARTIGO 1582 DO CÓDIGO CIVIL. ISSO NÃO OCORRE QUANDO O ATO DE RENUNCIA APENAS SE REFERE AO EXAME DO CO–HERDEIRO ÚNICO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO NÃO CONHECIDO. (RE 88361, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/04/1979, DJ 18–05–1979)
“HERANÇA. RENUNCIA TRANSLATIVA. INOCORRENCIA FACE À AUSENCIA DE MENÇÃO AO DESTINATARIO DA HERANÇA RENUNCIADA. PARA HAVER A RENUNCIA “IN FAVOREM”, E MISTER QUE HAJA ACEITAÇÃO TACITA DA HERANÇA PELOS HERDEIROS QUE, EM ATO SUBSEQUENTE, TRANSFEREM OS DIREITOS HEREDITARIOS A BENEFICIARIO CERTO, CONFIGURANDO VERDADEIRA DOAÇÃO. RECURSO NÃO CONHECIDO.” (REsp 33698/MG, Rel. MIN. CLÁUDIO SANTOS, TERCEIRA TURMA, julgado em 29/03/1994, DJ 16/05/1994 p. 11759)
A orientação predominante nesta Corte não discrepa do entendimento de não incidência do imposto de transmissão inter vivos quando a renuncia é feita em favor do monte:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARROLAMENTO DE BENS. ACEITAÇÃO TÁCITA. NÃO OCORRÊNCIA. RENÚNCIA ABDICATIVA EXPRESSA. NÃO INCIDÊNCIA DO IMPOSTO INTER VIVOS. 1. Embora, pelo direito de saisine, a transmissão do patrimônio aos herdeiros ocorra imediatamente com a morte, a lei civil exige que os sucessores se manifestem, aceitando ou renunciando ao respectivo direito. 2. Entretanto, se herdeiro renuncia à herança pura e simplesmente, não o fazendo em proveito individualizado de outrem e sem praticar qualquer ato incompatível com a renúncia, não há a caracterização de cessão de direitos hereditários. 3. A renúncia em casos tais se dá em favor do monte e retroage à data do óbito, afastando o fato gerador do imposto inter vivos, incidindo somente o tributo causa mortis. 4. Recurso a que se dá provimento. (AI 0010360– 77.2009.8.19.0000 (2009.002.03510), Rel. Des. Elton M.C. Leme, Julgamento: 27/02/2009 – DECIMA SETIMA CAMARA CIVEL)
“AGRAVO. INVENTARIO. RENÚNCIA PURA E SIMPLES MANIFESTADA NO CURSO DO INVENTARIO POR UM DOS HERDEIROS E SUA ESPOSA. ADMISSIBILIDADE, SE EFETIVADA ANTES DA PARTILHA, SEM QUE ISSO CARACTERIZE ACEITAÇÃO DA HERANCA, IMPLICANDO EM DOACAO. INDEVIDO, POR ISSO, O IMPOSTO INTER VIVOS SOBRE A RENÚNCIA. RECURSO IMPROVIDO.” (AI 0024619– 92.2000.8.19.0000 (2000.002.07717), Rel. DES. REGINALD’ DE CARVALHO – Julgamento: 14/11/2000 – DECIMA SEGUNDA CAMARA CIVEL).
Cumpre observar que a renuncia manifestada pelo herdeiro RONEY HYGINO JOSÉ SILVA às fls. 87 destes autos, compreendia não apenas os bens deixados por seu pai, HYGINO JOSÉ DA SILVA, mas também os de sua mãe, VICTÓRIA JOSÉ DA SILVA, cujo pedido de abertura de inventário havia sido feito no mesmo dia, sem que para tanto houvesse qualquer participação do renunciante, razão pela qual inquestionável tratar–se também de renuncia abdicativa, não incidindo, da mesma forma, imposto de transmissão inter vivos.
Face ao exposto, conheço do Agravo e lhe dou provimento, para reformar a decisão impugnada a fim de afastar a incidência do imposto inter vivos por transmissão gratuita (ITD).
Rio de Janeiro, 25 de maio de 2010.
MARIO ROBERT MANNHEIMER – DESEMBARGADOR RELATOR.
Fonte: Boletim INR nº 4449 – Grupo Serac – São Paulo, 21 de Fevereiro de 2011