1ª VRP|SP: Dúvida registrária – Negativa de registro de escritura pública de inventário e partilha – Imóvel do espólio omitido sem justificativa – Existência de copropriedade da inventariada e do cônjuge em outro bem não incluído na partilha – Inadmissibilidade de exclusão imotivada de bens conhecidos – Alegação de desconhecimento e dificuldade financeira dos herdeiros não caracteriza hipótese legal de sobrepartilha – Necessidade de observância do artigo 620 do CPC, artigos 2.021 e 2.022 do Código Civil e item 121 do Capítulo XVI das Normas da Corregedoria Geral da Justiça – Manutenção do óbice – Dúvida julgada procedente.
Sentença
Processo nº: 1094408-83.2025.8.26.0100
Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis
Requerente: 17º Oficial de Registro de Imóveis da Capital e outro
Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta
Vistos.
Trata-se de dúvida suscitada pelo 17º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Edson Alair Mantovani, diante de negativa em se proceder ao registro de escritura de inventário e partilha de bens do espólio de Elydia Marchezini Mantovani, envolvendo o imóvel transcrito sob n. 127.159 do 12º Registro de Imóveis da Capital, atualmente afeto à competência daquela serventia.
O Oficial informa que a desqualificação do título decorreu da constatação de que a inventariada e seu marido são coproprietários de outro bem imóvel, no caso da fração ideal correspondente a um quarto (1/4) do imóvel objeto da matrícula n. 63.519 da serventia, o qual não foi incluído no rol inventariado ou partilhado, circunstância que impõe aos interessados a observação e cumprimento do disposto no artigo 630, inciso IV, do Código Civil; que as exceções à regra de que sejam levados à partilha todos os bens do espólio são previstas no artigo 2.021 do Código Civil, não sendo aplicável ao caso ora em análise; que o item 121, Cap. XVI, das NSCGJ autoriza a realização de inventário parcial, mas veda a sonegação de bens, sendo certo que não constou do título a hipótese legal que autorizaria a exclusão da referida parte ideal do inventário e partilha; que as alegações apresentadas pela parte interessada, no sentido de que não tinha conhecimento do imóvel da matrícula 63.519 do 17º RI, não são suficientes para justificar a não inclusão do imóvel na escritura de inventário e partilha; que há precedentes do Conselho Superior da Magistratura em casos similares que fundamentam a recusa ao registro do título; que, portanto, o óbice deve ser mantido (fls. 01/03).
Documentos vieram às fls. 04/35.
Em impugnação apresentada nos autos, o suscitado aduz que apresentou a registro a escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados pelo falecimento de Elydia Marchezini Mantovani, tendo por objeto o imóvel transcrito sob o n. 127.159 do 12° RI; que o Oficial devolveu o título pois foi descoberto que Dyonisio Mantovani, casado com Elidia Marchezini Mantovani, era titular de domínio de um quarto (1/4) do imóvel matriculado sob n. 63.519 no 17º RI, de modo que foram solicitados esclarecimentos acerca do fato do referido bem não ser objeto de partilha; que só tomou conhecimento de referido imóvel em nome da inventariada e de seu marido com a nota de exigência emitida pela serventia; que, para a realização do inventário e partilha dos bens, não há a obrigatoriedade de ser feita uma pesquisa prévia; que foi feito o inventário dos bens conhecidos pelos herdeiros e pelo cônjuge sobrevivente; que os herdeiros da “de cujus” não têm atualmente condições financeiras para realizar a sobrepartilha do bem localizado e indicado pelo Oficial; que é possível o registro de inventário mesmo que existam outros bens a partilhar posteriormente, inexistindo qualquer impedimento legal para o ato; que o inventário pode ser iniciado com um conjunto de bens e, se outros bens forem descobertos posteriormente, é possível realizar sobrepartilha, a qual não tem o condão de impedir o registro do inventário já realizado; que, nos termos do artigo 2.021 do Código Civil, é plenamente admissível a realização da partilha com os bens disponíveis no momento da abertura do inventário, ainda que existam bens remotos, litigiosos ou de liquidação morosa; que, diferente do que constou da nota devolutiva, não há sonegação de bens, a qual, no contexto legal, exige a intenção deliberada de ocultar bens do espólio, ou seja, o dolo; que o simples desconhecimento da existência de um bem, como ocorreu no presente caso, não configura a sonegação e a declaração apresentada junto ao Oficial supre quaisquer dúvidas a respeito; e que, portanto, o óbice deve ser afastado (fls. 36/40).
O Ministério Público opinou pela manutenção do óbice (fls. 45/46).
É o relatório.
Fundamento e Decido.
De proêmio, cumpre ressaltar que o Oficial dispõe de autonomia e independência no exercício de suas atribuições, podendo recusar títulos que entender contrários à ordem jurídica e aos princípios que regem sua atividade (artigo 28 da Lei n. 8.935/1994), o que não se traduz como falha funcional.
No Sistema Registral, vigora o princípio da legalidade estrita. Assim, quando o título ingressa para acesso ao fólio real, o Registrador perfaz a sua qualificação mediante o exame dos elementos extrínsecos e formais do título, de acordo com os princípios registrários e legislação de regência da atividade, devendo obstar o ingresso daqueles que não se atenham aos limites da lei (item 117, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça).
No mérito, a dúvida é procedente.
No caso concreto, a parte busca o registro de escritura de inventário e partilha de bens do espólio de Elydia Marchezini Mantovani, envolvendo o imóvel transcrito sob n. 127.159 do 12º Registro de Imóveis da Capital, atualmente afeto à competência do 17º Registro de Imóveis da Capital.
No entanto, o Oficial constatou que a inventariada e seu marido são coproprietários de outro bem imóvel, consubstanciado na fração ideal correspondente a um quarto (1/4) do imóvel objeto da matrícula n. 63.519 do 17º RI (fls. 22/27), o qual não foi arrolado ou partilhado na escritura de inventário, sem qualquer justificativa.
Como se sabe, em regra, todo o patrimônio do autor da herança deve ser levado ao inventário e submetido à partilha, sob pena de sonegação.
O artigo 620 do Código de Processo Civil dispõe expressamente que cabe ao inventariante apresentar as primeiras declarações de forma precisa, de modo a não deixar dúvidas que possam vir a dificultar o inventário e posterior partilha, notadamente com a descrição dos bens, a relação completa e individualizada de todos os bens do espólio, sendo que eventual sonegação, ocultação ou desvio de bens pode ensejar sua remoção do munus de inventariante, conforme artigo 622, inciso V, do Código de Processo Civil.
Assim, não assiste razão à parte suscitada ao aventar que seria faculdade dos interessados, por mera liberalidade, isto é, por acordo de vontade, incluir apenas alguns dos bens deixados pelo falecido, deixando de arrolar e partilhar outros bens que, sabidamente, pertenciam a “de cujus”.
Com efeito, de acordo com os artigos 2.021 e 2.022 do Código Civil:
“Art. 2.021. Quando parte da herança consistir em bens remotos do lugar do inventário, litigiosos, ou de liquidação morosa ou difícil, poderá proceder-se, no prazo legal, à partilha dos outros, reservando- se aqueles para uma ou mais sobrepartilhas, sob a guarda e a administração do mesmo ou diverso inventariante, e consentimento da maioria dos herdeiros.
Art. 2.022. Ficam sujeitos a sobrepartilha os bens sonegados e quaisquer outros bens da herança de que se tiver ciência após a partilha.”
Ao referir-se ao que seriam bens remotos, litigiosos ou de liquidação morosa ou difícil, a doutrina ensina que: “Em todas as hipóteses nas quais parte da herança for composta de bens de liquidação (avaliação, cálculo do imposto etc.) morosa ou difícil, permite o art. 2.021 que a partilha desses bens seja realizada em momento posterior, efetuando-se primeiro a dos bens de liquidação mais célere. (…) O artigo apresenta dois exemplos de bens de liquidação morosa ou difícil. O primeiro é de bens remotos em face do lugar do inventário. Relembre-se que são bens situados no território nacional, pois a Justiça brasileira não tem competência com relação a bens situados no exterior (…). O segundo exemplo é de bens litigiosos. Nesses casos, os bens de liquidação mais morosa ou difícil serão relegados para sobrepartilha havendo consentimento da maioria – e não da totalidade – dos herdeiros.” (Código Civil Comentado. Coordenador: Cezar Peluso, 7ª. ed., Barueri, SP: Manole, 2013, p. 2365).
Logo, a mera alegação de desconhecimento (sem maiores justificativas) ou de dificuldade (notadamente financeira) dos sucessores para regularização do inventário e partilha não caracteriza nenhuma hipótese que autorizaria a sobrepartilha nos termos dos artigos 2.021 e 2.022 do Código Civil.
As Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, na regulação das disposições referentes ao inventário pela via extrajudicial, no Capítulo XVI, permitem que o inventário seja efetivado com partilha parcial, coibindo a sonegação de bens no rol inventariado, nos seguintes termos:
“121. É admissível o inventário com partilha parcial, embora vedada a sonegação de bens no rol inventariado, justificando-se a não inclusão do(s) bem(ns) arrolado(s) na partilha.”
Desta forma, tratando-se de inventário com partilha parcial, vedada a sonegação de bens no rol inventariado, deve ser justificada a não inclusão do bem arrolado na partilha.
Bem por isso, acertado o óbice apontado na nota de exigência e devolução, em atenção aos artigos 620, IV, e 2021 do Código de Processo Civil, e item 121, Cap. XVI, das NSCGJ.
Nesse sentido:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida julgada procedente – Negado registro de escritura de inventário e partilha que arrolou apenas um dos bens imóveis deixados pela autora da herança – Inobservância do que dispõe o item 119, do Capítulo XIV, das Normas de Serviços da Corregedoria Geral da Justiça – Alegada dificuldade financeira dos sucessores em arcar com as despesas relativas ao inventário da totalidade dos bens do ‘de cujus’, que não se confunde com a hipótese de ‘bens de liquidação difícil’, prevista pelo artigo 2.021 do Código Civil – Recurso não provido.” (CSMSP; Apelação Cível: 994.09.231.643-6; Localidade: São Paulo; Data de Julgamento: 14/09/2010; Data DJ: 26/11/2010; Relator: Munhoz Soares).
Diante do exposto, JULGO PROCEDENTE a dúvida suscitada para manter o óbice registrário.
Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.
Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C.
São Paulo, 28 de julho de 2025.
Renata ima Zanetta
Juíza de Direito
(DJEN de 04.08.2025 – SP)