2ª VRP|SP: Pedido de Providências – Alegação de cobrança indevida de emolumentos em escritura de doação com fins de compensação ambiental – Pretensão de isenção com base no art. 213, §15, da Lei nº 6.015/73 e no art. 8º, parágrafo único, da Lei estadual nº 11.331/2002 – Inaplicabilidade – Beneficiária da escritura não era a administração pública, mas particular – Emolumentos têm natureza de taxa e somente podem ser dispensados por lei específica – Inexistência de falha na prestação do serviço extrajudicial ou de ilícito funcional – Arquivamento determinado.

Processo 1024004-07.2025.8.26.0100

Pedido de Providências – Tabelionato de Notas – Forêt Terras S.A.

Vistos.

Trata-se de representação formulada por usuário, que protesta contra supostas falhas no serviço extrajudicial prestado pelo (…) Tabelionato de Notas desta Capital.

O Senhor Titular prestou esclarecimentos às fls. 111/158. Instada a se manifestar, a parte Representante reiterou os termos de seu protesto inaugural (fls. 162/172). O Ministério Público requereu a vinda de parecer da ANOREG-SP sobre a questão sub examine (fl. 176), tendo a parte autora insurgido-se contra tal diligência às fls. 177/179.

Sobreveio, então, a decisão de fl. 180, solicitando ao Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo manifestação acerca do objeto dos autos, a qual aportou às fls. 190/209. O Senhor Titular manifestou- se novamente às fls. 211/212. O Ministério Público ofertou parecer opinando pelo arquivamento do feito, ante a inexistência de indícios de falha na prestação do serviço ou ilícito funcional por parte do Senhor Titular (fls. 216/219). A parte reclamante apresentou manifestação às fls. 222/235.

É o breve relatório. Decido.

Insurge-se a parte Representante contra supostas falhas na prestação do serviço extrajudicial perante o (…) Tabelionato de Notas desta Capital, referindo que houve cobrança indevida de emolumentos. Sustenta, em síntese, que lavrou perante a serventia “escritura híbrida de doação de imóvel para utilização para fins de compensação ambiental e/ou reserva legal e/ou atendimento de obrigação ambiental com consequente regularização dominal de unidades de conservação” e, por ter o ato notarial como beneficiária a Fazenda Pública do Estado de São Paulo, tratar-se-ia de hipótese de isenção de emolumentos, conforme previsto no artigo 213, §15º, da Lei nº 6.015/73 e no artigo 8º, parágrafo único, da Lei Estadual nº 11.331/2002.

A seu turno, o Senhor Titular veio aos autos para esclarecer o ocorrido, noticiando que não houve irregularidade na cobrança praticada. Pontuou que, por se tratar de ato realizado com o intuito de compensação ambiental, não seria, a rigor, uma doação pura e simples, razão pela qual o Sr. Representante não faria jus à isenção pretendida.

Instado a se manifestar nos autos, o Colégio Notarial do Brasil Seção São Paulo (CNB/SP) defendeu a regularidade da cobrança, destacando que o usuário do serviço extrajudicial não é, neste caso, a Fazenda Pública do Estado de São Paulo, mas o particular, razão pela qual não poderia se beneficiar da isenção aventada. Isso porque “o art. 8º da Lei 11.331/02 não isenta particulares do pagamento de emolumentos apenas porque a outra parte da escritura é um órgão público. A isenção parcial prevista no caput do art. 8º beneficia apenas o próprio ente público, liberando-o de pagar certas parcelas legais; já a isenção total, prevista no parágrafo único, é um privilégio exclusivo do Estado de São Paulo e suas autarquias, quando estes são os usuários diretos do serviço”.

Noutra quadra, a parte representante, não obstante as explicações apresentadas, manteve os termos de sua insurgência inicial.

Pois bem.

Preliminarmente, ressalto o caráter tributário dos emolumentos extrajudiciais. Sabidamente, as custas extrajudiciais são cobradas em razão do serviço prestado, de modo individualizado, com clara natureza tributária de taxa, não havendo compensação entre usuários ou partes. É por isso que a isenção pretendida é inviável, haja vista a completa falta de previsão legal para tanto.

Nesse sentido, o artigo 1º da Lei Estadual nº 11.331/2002 indica exatamente que o fato gerador do tributo é o serviço notarial ou registral prestado, individualizando-o:

Artigo 1º – Os emolumentos relativos aos serviços notariais e de registro têm por fato gerador a prestação de serviços públicos notariais e de registro previstos no artigo 236 da Constituição Federal e serão cobrados e recolhidos de acordo com a presente lei e as tabelas anexas.

Na mesma toada, leciona Paulo de Barros Carvalho:

Anuncio, desde logo, que perante a realidade instituída pelo direito positivo atual, parece-me indiscutível a tese segundo a qual a remuneração dos serviços notariais e de registro, também denominada “emolumentos”, apresenta natureza específica de taxa. O presente tributo se caracteriza por apresentar, na hipótese da norma, a descrição de um fato revelador de atividade estatal (prestação de serviços notariais e de registros públicos), direta e especificamente dirigida ao contribuinte; além disso, a análise de sua base de cálculo exibe a medida da intensidade da participação do Estado, confirmando tratar-se da espécie taxa.
(CARVALHO, Paulo de Barros. Natureza jurídica e constitucionalidade dos valores exigidos a título de remuneração dos serviços notariais e de registro. Parecer exarado na data de 05/06/2007, a pedido do Sindicato dos Notários e Registradores do Estado de São Paulo – SINOREG/SP. Disponível pelo site: https://www.anoregsp.org.br/pdf/parecer_paulodebarroscarvalho.pdf.)

E no mesmo sentido o entendimento jurisprudencial:

DIREITO CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. CUSTAS E EMOLUMENTOS: SERVENTIAS JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO Nº 7, DE 30 DE JUNHO DE 1995, DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ: ATO NORMATIVO. (…)
4. O art. 145 admite a cobrança de “taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição”. Tal conceito abrange não só as custas judiciais, mas, também, as extrajudiciais (emolumentos), pois estas resultam, igualmente, de serviço público, ainda que prestado em caráter particular (art. 236). Mas sempre fixadas por lei. No caso presente, a majoração de custas judiciais e extrajudiciais resultou de Resolução do Tribunal de Justiça e não de Lei formal, como exigido pela Constituição Federal. (…)
(ADI 1444, Relator Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, julgado em 12/02/2003, DJ 11-04-2003).

Dessa maneira, ante o caráter tributário dos emolumentos, não é permitido aos Delegatários Extrajudiciais, ou a esta Corregedoria Permanente, conceder qualquer desconto, isenção ou alteração de valores sem suporte em lei, conforme disposição expressa do artigo 150, § 6º, da Constituição Federal:

“Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.”

Diante disso, no caso concreto, à luz dos esclarecimentos prestados, correto o Sr. Titular, de modo que não há que se falar em ilícito funcional ou falha na prestação do serviço extrajudicial ante a acertada negativa, que visa coibir descontos indevidos.

A insurgência formulada pela parte Representante, portanto, não pode prosperar.

Veja-se que as razões e dispositivos legais evocados pela parte representante referem-se a situações diversas da ora tratada. O artigo 213, §15º, da Lei nº 6.015/73, prevê que “não são devidos custas ou emolumentos notariais ou de registro decorrentes de regularização fundiária de interesse social a cargo da administração pública” – grifo meu, o que não é a hipótese dos autos.

Igualmente descabida, nesse diapasão, é a incidência do artigo 8º, parágrafo único, da Lei Estadual nº 11.331/2002, uma vez que se trata de isenção legal limitada ao Estado de São Paulo e as suas respectivas autarquias, não se aplicando quando o usuário do serviço for um particular, como ora se constata, especialmente diante da natureza da doação objeto da escritura em comento, que envolve benefícios também ao doador, por se tratar de meio de regularização de imóvel rural detentor de área de reserva legal em extensão inferior ao previsto em lei.

Nesse cenário, não se admite a interpretação extensiva das normas acima mencionadas para se conceder a isenção pretendida, sob pena de flagrante afronta ao princípio da legalidade.

Acolho, nesse sentido, os termos do parecer técnico do Colégio Notarial do Brasil Seção São Paulo (CNB/SP) de fls. 190/209, que pormenorizadamente esclareceu a ausência de irregularidades na cobrança realizada.

Portanto, reputo satisfatórias as explicações pelo Senhor Titular, não vislumbrando responsabilidade funcional apta a ensejar a instauração de procedimento administrativo, no âmbito disciplinar.

Nessas condições, à míngua de providência censório-disciplinar a ser adotada, determino o arquivamento dos autos.

Encaminhe-se cópia desta r. Sentença à Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, por e-mail, servindo a presente como ofício.

Ciência ao Senhor Delegatário, ao Ministério Público e à parte representante, por e-mail (cujo silêncio, desde que certificado o recebimento da mensagem eletrônica pelo servidor de destino, será interpretado como ciência aos termos desta decisão, sem necessidade de posterior conclusão).

I.C.

(DJEN de 28.07.2025 – SP)