1ª VRP|SP: Dúvida – Escritura de Inventário e Partilha – Incidência da Súmula 377 do STF somente em relação aos bens adquiridos de forma onerosa durante a constância do casamento – Cadeia sucessória e Principio da continuidade feridos – Alegação de ITCMD tido por insuficiente pelo Registrador – Dever de fiscalização do pagamento pelo Oficial que se limita à averiguação do recolhimento do tributo devido, mas não de seu valor – Dúvida procedente.
Processo 0037012-93.2010.8.26.0100 (100.10.037012-7)
Dúvida – Registro de Imóveis
16ª Oficial de Registro de Imóveis.
VISTOS.
Cuida-se de dúvida suscitada pelo 16º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, que recusou o registro da escritura pública de inventário e partilha dos bens deixados pelo falecimento de Adimen de Jesus e Valdemar de Sousa, lavrada nas notas do Oficial de Registro Civil e Tabelião de Notas de São Lourenço do Turvo, em 26.07.10.
Aduz, em suma, que: a) faltou à escritura a viúva de Valdemar, que por força da Súmula 377, do STF, era meeira; b) Valdemar era vivo quando seu pai Adimen falecera, de modo que a ele cabia o quinhão do imóvel matriculado sob o nº 41.698, do 16º Registro de Imóveis, e não à sua filha Ana Cristina que não podia herdar por representação porque seu pai falecera depois de seu avô; c) houve supressão de uma sucessão e, com isso, não foi recolhido o ITCMD devido pela transmissão de Valdemar a Ana Cristina; e d) não se respeitou a meação da viúva de Valdemar, que tinha direito a 1/12 do imóvel adquirido da sucessão da sogra Amália e 1/12 da de seu sogro Adimen. Intimada (fl. 06), a interessada apresentou impugnação às fls. 34/36. Novas informações do Oficial, a pedido do Ministério Público, foram prestadas às fls. 51/52. O Ministério Público opinou pela improcedência da dúvida (fls. 25/26).
É O RELATÓRIO. FUNDAMENTO E DECIDO.
De acordo com o disposto na Súmula 377, do Egrégio Supremo Tribunal Federal, comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento, ainda que celebrado no regime da separação legal de bens. A despeito da celeuma que envolve o tema, tem-se consolidado o entendimento segundo o qual a comunicação se verifica apenas em relação aos bens adquiridos de forma onerosa durante a constância do casamento, excluindo-se os havidos notoriamente sem esforço comum, como os recebidos por herança (STJ – Resp 123633/SP).
Daí decorre que a parte ideal recebida por Valdemar por força da herança de seu pai Adimen não se comunicou à Isabel Cristina (esposa de Valdemar). E se comunicação não houve, era prescindível a participação desta na escritura de inventário e partilha ora recusada.
No que diz respeito à supressão de sucessão, razão assiste ao Oficial de Registro de Imóveis. De acordo com o princípio da saisine, descrito no art. 1784, do Código Civil, aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários. Ao tempo do passamento de Adimen, Valdemar ainda era vivo, de modo que a ele a herança se transmitiu desde logo, independentemente de declarar se a aceitava ou não, pois, de acordo com o art. 1784, a aceitação da herança não é cláusula suspensiva do direito de herança. Portanto, Ana Cristina não poderia herdar diretamente de Adimen nem herdar por representação de seu pai Valdemar, porque este era vivo quando do falecimento de Adimen.
O título encerra, destarte, violação ao princípio da continuidade registral que, de acordo com Afrânio de Carvalho, quer dizer que: “em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular.
Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente” (Registro de Imóveis, Editora Forense, 4ª Ed., p. 254). Narciso Orlandi Neto, in Retificação do Registro de Imóveis, Juarez de Oliveira, pág. 55/56, observa que: “No sistema que adota o princípio da continuidade, os registros têm de observar um encadeamento subjetivo. Os atos têm de ter, numa das partes, a pessoa cujo nome já consta do registro. A pessoa que transmite um direito tem de constar do registro como titular desse direito, valendo para o registro o que vale para validade dos negócios: nemo dat quod non habet”.
O princípio da continuidade é tratado pela Lei nº 6015/73 em seus arts. 195 e 237, in verbis: “Art. 195 – Se o imóvel não estiver matriculado ou registrado em nome do outorgante, o oficial exigirá a prévia matrícula e o registro do título anterior, qualquer que seja a sua natureza, para manter a continuidade do registro.”; e “Art. 237 – Ainda que o imóvel esteja matriculado, não se fará registro que dependa da apresentação de título anterior, a fim de que se preserve a continuidade do registro.”
Por fim, no que diz respeito ao recolhimento a menor do ITCMD, prevalece o que decidiu recentemente o E. Conselho Superior da Magistratura, nos autos da apelação 996.6/6: “a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor”. Este v. acórdão foi assim ementado: “Registro de Imóveis – dúvida julgada procedente em primeiro grau- Formal de partilha – ITCMD tido por insuficiente pelo Registrador – Dever de fiscalização do pagamento pelo Oficial que se limita à averiguação do recolhimento do tributo devido, mas não de seu valor – Recurso provido” Some-se a isso o fato de a Fazenda Estadual dar-se por satisfeita quanto ao valor recolhido (v certidão de fls. 21), o que, contudo, não interfere na questão da continuidade registral, cujo exame compete a esta Corregedoria Permanente.
Posto isso, julgo procedente a dúvida suscitada pelo 16º Oficial de Registro de Imóveis.
Oportunamente, cumpra-se o disposto no art. 203, I, da Lei nº 6.015/73. Nada sendo requerido no prazo legal, ao arquivo.
P.R.I.C.
São Paulo, 14 de dezembro de 2010.
Gustavo Henrique Bretas Marzagão, Juiz de Direito.