1ª VRP|SP: Registro de imóveis – Dúvida suscitada pelo oficial – Integralização de capital social com conferência de bens imóveis – Exigência de ITBI sobre diferença entre valor declarado e valor venal de referência – Impossibilidade – Fiscalização registral limitada à verificação da existência de recolhimento tributário – Impossibilidade de exigência de pagamento complementar com base em valoração econômica – Precedentes do Conselho Superior da Magistratura – Imunidade tributária reconhecida pela municipalidade – Dúvida improcedente.

Sentença

Processo nº: 1076262-91.2025.8.26.0100

Classe – Assunto Dúvida – Registro de Imóveis

Suscitante: 14º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo

Suscitado: Leopoldo Muniz da Silva

Juíza de Direito: Dra. Renata Pinto Lima Zanetta

Vistos.

Trata-se de dúvida suscitada pelo 14º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, a requerimento de Leopoldo Muniz da Silva, diante de negativa em se proceder ao registro de instrumento particular de constituição da sociedade LM Ciccone Empreendimentos e Participações Ltda., por meio do qual houve a integralização do capital social mediante a conferência, pelo sócio, dos imóveis objetos das matrícula ns. 174.232, 37.700 e 37.701 daquela serventia, dentre outros bens.

O Oficial informa que a negativa foi motivada pela necessidade de comprovação do recolhimento do ITBI sobre a parcela do valor dos imóveis das matrículas 174.232 e 37.700 que superou o montante do capital integralizado, notadamente porque a lei impõe aos Registradores controle rigoroso do recolhimento de tributos, sob pena de responsabilidade pessoal (fls. 01/06).

Documentos vieram às fls. 07/201.

Em impugnação apresentada nos autos, o suscitado aduziu que o caso concreto objeto do Tema 796 do STF relaciona-se especificamente com casos de integralização de capital que envolvem subscrição de ações ou quotas com ágio, não se aplicando às situações em que os imóveis são transferidos por pessoas físicas para a realização de capital social exclusivamente pelo custo histórico; que no caso dos autos, apesar de os imóveis terem sido integralizados ao patrimônio da sociedade por montante inferior ao seu valor venal de referência, este fato não pode ensejar a cobrança complementar do ITBI, sob pena de desvirtuar o comando constitucional que rege a imunidade tributária; que se o imóvel é integralizado por valor que não excede o limite do capital social a ser integralizado, justamente como no presente caso, não há como se exigir o pagamento do ITBI sendo que o próprio Supremo Tribunal Federal já confirmou que, nessas situações, o imposto não é devido; que o que não pode haver, ao contrário, é a integralização de imóvel por valor que exceda ao valor do capital social a ser integralizado, conforme já decidido no Tema 796; que a fiscalização exercida pelo Oficial Registrador limita-se em aferir o pagamento do tributo e não a exatidão de seu valor; e que requer o afastamento da nota devolutiva e efetivação do registro telado (fls. 202/210). Juntou documentos (fls. 211/291).

O Ministério Público ofertou parecer, opinando pelo indeferimento da dúvida (fls. 295/299).

É o relatório.

Fundamento e Decido.

No mérito, a dúvida é improcedente, para afastar o óbice.

Não se desconhece que, para os Registradores, vigora ordem de controle rigoroso do recolhimento do imposto por ocasião do registro do título, sob pena de responsabilidade pessoal (artigo 289 da Lei n. 6.015/1973; artigo 134, inciso VI, do CTN e artigo 30, inciso XI, da Lei n. 8.935/1994).

Entretanto, o E. Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a fiscalização devida não vai além da aferição sobre a existência ou não do recolhimento do tributo (e não se houve correto recolhimento do valor, sendo tal atribuição exclusiva do ente fiscal, a não ser na hipótese de flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo).

Nesse sentido, os seguintes julgados do E. Conselho Superior da Magistratura:

“Ao oficial de registro incumbe a verificação de recolhimento de tributos relativos aos atos praticados, não a sua exatidão.” (Apelação Cível 20522-0/9- CSMSP – J.19.04.1995 – Rel. Antônio Carlos Alves Braga).

“Todavia, este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor.” (Apelação Cível 996-6/6 CSMSP, j. 09.12.2008 – Rel. Ruy Camilo).

Este Egrégio Conselho Superior da Magistratura já fixou entendimento no sentido de que a qualificação feita pelo Oficial Registrador não vai além da aferição sobre a existência ou não de recolhimento do tributo, e não sobre a integralidade de seu valor.” (Apelação Cível 0009480- 97.2013.8.26.0114 – Campinas – j. 02.09.2014 – Rel. des. Elliot Akel).

Nessa mesma linha, este juízo vem decidindo pela insubsistência do óbice quando não caracterizada flagrante irregularidade ou irrazoabilidade do cálculo (processos ns. 1115167-78.2019.8.26.0100, 1116491-06.2019.8.26.0100, 1059178-53.2020.8.26.0100, 1079550-52.2022.8.26.0100, 1063599-18.2022.8.26.0100, 1039109-29.2022.8.26.0100 e 1039015-81.2022.8.26.0100).

No caso concreto, a parte pretende o registro de instrumento particular de constituição da sociedade LM Ciccone Empreendimentos e Participações Ltda., por meio do qual o sócio Leopoldo Muniz da Silva procedeu à integralização do capital social mediante a conferência dos imóveis objetos das matrículas ns. 37.700, 37.701 e 174.232 do 14º RI, além de outros bens (fls. 32/43).

Pelo referido instrumento registrado na JUCESP, conforme certidão apresentada, o imóvel da matrícula n. 37.700 foi integralizado pelo valor de R$ 256.642,00, sendo tal valor de transação informado na declaração n. 2024-018727/NI (fls. 119). Por sua vez, o imóvel da matrícula n. 174.232 foi integralizado pelo valor de R$ 440.000,00, sendo tal valor de transação informado na declaração n. 2024-018727/NI (fls. 105)

A respeito do tema, convém salientar que este juízo, em julgados recentes, manifestou entendimento de que o Oficial de Registro poderia exigir a comprovação do recolhimento do ITBI incidente sobre o valor do imóvel (tomando como base o do valor venal de referência) que excedesse o capital social integralizado da sociedade (processos ns. 1011958-83.2025.8.26.0100, 1010746-27.2025.8.26.0100, 1200028-21.2024.8.26.0100, 1179441-75.2024.8.26.0100, 1181747-17.2024.8.26.0100 e 1159374-89.2024.8.26.0100).

Contudo, em data recente, o E. Conselho Superior da Magistratura deste Tribunal de Justiça, nos autos da Apelação Cível n. 1159374-89.2024.8.26.010, pronunciou-se no sentido de que não cabe ao Oficial questionar se o valor atribuído pelo proprietário ao imóvel é inferior ou superior ao valor de mercado, ou ao valor venal de referência e, com base em tal análise, exigir o recolhimento de ITBI sobre a diferença positiva entre tais valores em hipóteses de integralização de capital social.

A respeito, transcrevo trecho elucidativo do voto proferido pelo Relator, Des. Francisco Eduardo Loureiro, atual Corregedor Geral da Justiça, para conhecimento, in verbis (destaque nosso):

“Mesmo com a imunidade decorrente do art. 156, § 2º, I, da Constituição Federal devidamente reconhecida pela Municipalidade por meio das declarações de fls. 44/46, o Oficial sustenta que a diferença entre os valores atribuídos pelo interessado e os valores venais de referência justifica a exigência de prova do recolhimento do Imposto de Transmissão de Bens Imóveis. Primeiramente, cabe destacar que são reiteradas as manifestações deste Conselho no sentido de que a fiscalização que cabe a notários e registradores não vai além da aferição da existência ou não do recolhimento do tributo, não cabendo ao ente fiscal zelar pela correção do valor recolhido. (…) A par das declarações de imunidade expedidas pela Municipalidade (fls. 44/46), há de se ressaltar que o valor atribuído à não se mostra flagrantemente incorreto, em especial tomando como base as teses fixadas pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 1.937.821/SP (processo paradigma do Tema nº 1.113), sob a sistemática da Repercussão Geral: (…) Indiscutível que os valores atribuídos podem ser afastados pelo fisco, com suposta cobrança de ITBI sobre eventual diferença verificada, mas essa discussão deve ser objeto de processo administrativo próprio. Não está entre as atribuições do registrador, portanto, exigir recolhimento do ITBI se o próprio ente tributante concordou com o pedido de imunidade formulado (fls. 44/46). Aliás, se existe imunidade de jaez constitucional sobre a incidência do ITBI em integralização de capital social como ocorre no caso concreto, não se vê razão lógica ou jurídica para o questionamento feito pelo Oficial Registrador. Eventual incidência de tributo seria o ganho da capital entre o valor atribuído pelo proprietário no imposto de renda e o valor atribuído quando da integralização ao capital da pessoa jurídica. (…) Não cabe ao Oficial questionar se o valor atribuído pelo proprietário ao imóvel, dentro do princípio da autonomia privada, é inferior ou superior ao valor de mercado, ou ao valor de referência. (…)” (TJSP; Apelação Cível 1159374-89.2024.8.26.0100; Relator: Francisco Loureiro (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 13/03/2025; Data de Registro: 21/03/2025).

Em complemento, confira-se a ementa do acórdão de aludido julgamento, proferido em 13 de março de 2025 (destaque nosso):

“DIREITO CIVIL. APELAÇÃO EM DÚVIDA REGISTRÁRIA. REGISTRO DE IMÓVEIS. DÚVIDA IMPROCEDENTE. I. Caso em Exame 1. Apelação interposta contra sentença que negou o registro de instrumento particular de alteração de contrato social visando ao aumento do capital social de pessoa jurídica, mediante integralização de três imóveis de propriedade do sócio apelante. II. Questão em Discussão 2. As questões em discussão consistem em definir (i) se há necessidade de comprovação do recolhimento do ITBI sobre a diferença entre os valores dos bens indicados pelo interessado no instrumento e o valores venais de referência desses mesmos bens e (ii) se há necessidade de retificação da data do fato gerador na declaração de imunidade expedida pela Prefeitura. III. Razões de Decidir 3. A fiscalização de notários e registradores limita-se à existência do recolhimento do tributo, não cabendo a eles zelar pela correção do valor recolhido, em especial diante de situações de fundada dúvida sobe a exigibilidade ou montante do tributo. 4. A apresentação de declaração de imunidade expedida pela Prefeitura, em que os valores declarados dos bens correspondem às quantias constantes na declaração de imposto de renda do apelante, não exige maiores questionamentos por parte do Oficial. 5. A divergência de datas do fato gerador do ITBI é irrelevante, pois o fato imponível ocorre com o registro, conforme entendimento sedimentado do STF. IV. Dispositivo e Tese Recurso provido, com observação. Tese de julgamento: “1. A fiscalização do ITBI por registradores limita-se à existência do recolhimento do tributo, especialmente diante de situações de incerteza jurídica quanto ao seu montante. 2. A data do fato gerador do ITBI é a do registro, tornando irrelevante a divergência de datas”. Legislação Citada – CF/1988, art. 156, § 2º, I; CTN, art. 148; Lei nº 9.249/95, art. 23. Jurisprudência Citada: – CSM/SP, Apelação nº 0002604-73.2011.8.26.0025, Rel. Des. José Renato Nalini, j. em 5/11/2012; CSM/SP, Apelação nº 1009023-43.2016.8.26.0405, Rel. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j. em 20/7/2017; STF, RE com Agravo nº 1.294.969/SP, Tema nº 1.124.” (TJSP; Apelação Cível 1159374-89.2024.8.26.0100; Relator: Francisco Loureiro (Corregedor Geral); Órgão Julgador: Conselho Superior da Magistratura; Foro Central Cível – 1ª Vara de Registros Públicos; Data do Julgamento: 13/03/2025; Data de Registro: 21/03/2025).

Destarte, havendo julgamento definitivo do E. Conselho Superior da Magistratura com orientação a respeito do tema ora em discussão, esta Corregedoria Permanente decide pela insubsistência do óbice.

Diante do exposto, JULGO IMPROCEDENTE a dúvida suscitada, para afastar o óbice registrário.

Determino ao Oficial que proceda à comunicação compulsória sobre o ingresso ao Município de São Paulo, com envio das principais peças dos autos.

Deste procedimento não decorrem custas, despesas processuais ou honorários advocatícios.

Oportunamente, ao arquivo. P.R.I.C.

São Paulo, 02 de julho de 2025.

Renata Pinto Lima Zanetta

Juíza de Direito

(DJEN de 25.07.2025 – SP)