TJ|SC: Cessão de direitos hereditários. Decisão interlocutória que condicionou a perfectibilidade do termo de cessão à assinatura dos próprios cedentes ou de procurador com poderes especiais constituídos mediante instrumento público. Irresignação do agravante, ao argumento de que a cessão de herança não demandaria forma pública. Alegação de que os poderes outorgados por procuração particular subscrita pelos cedentes seriam suficientes para concluir o ato. Insubsistência dos fundamentos recursais. Agravo desprovido.
EMENTA
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE CONDICIONOU A PERFECTIBILIDADE DO TERMO DE CESSÃO À ASSINATURA DOS PRÓPRIOS CEDENTES OU DE PROCURADOR COM PODERES ESPECIAIS CONSTITUÍDOS MEDIANTE INSTRUMENTO PÚBLICO. IRRESIGNAÇÃO DO AGRAVANTE, AO ARGUMENTO DE QUE A CESSÃO DE HERANÇA NÃO DEMANDARIA FORMA PÚBLICA. ALEGAÇÃO DE QUE OS PODERES OUTORGADOS POR PROCURAÇÃO PARTICULAR SUBSCRITA PELOS CEDENTES SERIAM SUFICIENTES PARA CONCLUIR O ATO. INSUBSISTÊNCIA DOS FUNDAMENTOS RECURSAIS. AGRAVO DESPROVIDO. A cessão de direitos hereditários, que por determinação legal (artigo 80, inciso II, do Código Civil de 2002, com idêntica redação ao artigo 44, inciso II, do Código Civil de 1916) exige que sua formalização seja efetuada por escritura pública, pode ser realizada nos próprios autos do inventário, por termo próprio, na forma de renúncia translativa da herança, haja vista que a forma é igualmente admitida para a renúncia propriamente dita, nos termos do artigo 1.806 do Código Civil atual, correspondente ao artigo 1.581 do Código revogado. Com efeito, não seria lógico admitir–se a renúncia – mais abrangente e com implicações mais severas para os herdeiros – por declaração nos autos, e não se consentir, pelo mesmo procedimento, a cessão dos direitos hereditários. Entretanto, o termo judicial de cessão deve ser subscrito pessoalmente pelos cedentes ou por procurador munido de instrumento público de mandato. É que equiparados, no ponto, ambos os institutos, a cessão de direitos hereditários por declaração nos autos deverá obedecer as mesmas formalidades inerentes à renúncia por termo judicial, em que o instrumento deverá ser assinado pessoalmente pelos renunciantes ou por procurador com poderes especiais, necessariamente outorgados por procuração pública, como requisito essencial para a validade do ato. (TJSC – Agravo de Instrumento nº 2008.074932-6 – Joinville – 4ª Câmara de Direito Civil – Rel. Des. Carlos Adilson Silva – DJ 18.05.2010)
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2008.074932–6, da comarca de Joinville (Infância e Juventude), em que é agravante José Carlos da Silva, e interessados Onélia Terezinha Melo da Silva e outros:
ACORDAM, em Quarta Câmara de Direito Civil, por votação unânime, conhecer do recurso e negar–lhe provimento. Custas legais.
RELATÓRIO
Trata–se de agravo de instrumento interposto por José Carlos da Silva contra decisão (fls. 54–58) proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara da Infância e Juventude da Comarca de Joinville que, na ação de arrolamento de bens nº. 038.08.046536–3, condicionou a formalização do termo de cessão de direitos hereditários à assinatura dos próprios cedentes ou de procurador com poderes especiais constituídos mediante instrumento público.
Visando afastar a exigência imposta pelo juízo a quo, aduz o agravante que a lei não reclama, nos casos de cessão de direitos hereditários, que o ato seja realizado por escritura pública, bem como que os instrumentos particulares de mandato outorgados pelos cedentes aos seus procuradores confeririam poderes específicos e suficientes para, entre outros, “ceder e transferir os direitos hereditários, assinando o respectivo termo nos autos ou por escritura pública, para o herdeiro José Carlos da Silva e sua mulher, Onélia Terezinha Merlo da Silva […]” (fls. 08–16), daí que não seria necessária a outorga de procuração pública para a conclusão do ato de cessão.
Às fls. 54–58, o Exmo. Des. Carlos Alberto Civinski negou a concessão de efeito suspensivo ao agravo, ao argumento de que não estariam comprovados o fumus boni iuris e o periculum in mora necessários a ensejar o êxito do pleito liminar formulado no reclamo.
Redistribuído o recurso, nos termos do Ato Regimental 41/2000, vieram–me os autos conclusos.
É, na síntese necessária, o relatório.
VOTO
Intenta o agravante, com a insurgência recursal, ver reformada a decisão interlocutória proferida pelo juízo a quo que condicionou a perfectibilidade do termo de cessão de direitos hereditários à assinatura dos próprios cedentes ou de procurador com poderes especiais constituídos mediante instrumento público.
Sustenta o agravante que a lei não exigiria a forma pública para o ato, bem como que os poderes outorgados pelos cedentes em instrumento particular seriam suficientes para autorizar o procurador constituído a formalizar o termo de cessão.
Como é cediço, a cessão de direitos hereditários, tal qual a cessão de crédito, tem evidente cunho contratual. E, como a sucessão aberta é considerada um bem imóvel por determinação legal (artigo 80, inciso II, do Código Civil de 2002, com idêntica redação ao artigo 44, inciso II, do Código Civil de 1916), a cessão de herança deverá necessariamente ser realizada por escritura pública, nas mesmas condições da alienação contratual de qualquer bem imóvel, sob pena de ineficácia.
Nada obstante, embora a leitura dos mencionados dispositivos possam conduzir à idéia de que a cessão só poderia ser concluída mediante escritura pública, nada impede que se efetue a cessão nos próprios autos do inventário, por termo próprio, na forma de renúncia translativa da herança, haja vista que a forma é igualmente admitida para a renúncia propriamente dita, nos termos do artigo 1.806 do Código Civil atual, correspondente ao artigo 1.581 do Código revogado. Com efeito, não seria lógico admitir–se a renúncia ¿ mais abrangente e com implicações mais severas para os herdeiros – por termo nos autos, e não se consentir, pelo mesmo procedimento, a cessão dos direitos hereditários.
Entretanto, o termo judicial de cessão deve ser subscrito pessoalmente pelos cedentes ou por procurador munido de instrumento público de mandato. É que equiparados, no ponto, ambos os institutos, a cessão de direitos hereditários por declaração nos autos deverá obedecer as mesmas formalidades inerentes à renúncia por termo judicial, em que o instrumento deverá ser assinado pessoalmente pelos renunciantes ou por procurador com poderes especiais, necessariamente outorgados por procuração pública, como requisito essencial para a validade do ato.
Com efeito, “a renúncia da herança, por importar em despojamento de direitos, deve ser perfectibilizada expressamente pelos herdeiros renunciantes por meio de instrumento público ou termo nos autos, ou realizada por mandatário imbuído de poderes especiais outorgados por instrumento público“ (grifei) (TJSC, Apelação Cível n. 2008.076029–6, de Lages, Terceira Câmara de Direito Civil, Relator Des. Fernando Carioni, julgada em 31/03/2009), orientação esta que também se aplica à cessão de direitos hereditários.
Nesse sentido já se manifestou esta Corte de Justiça:
CIVIL – DIREITO SUCESSÓRIO – INVENTÁRIO – PRINCÍPIO DA SAISINE – VENDA DO ÚNICO BEM IMÓVEL PELOS HERDEIROS EFETIVADA DURANTE A ÉGIDE DO CÓDIGO CIVIL DE 1916 – APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM – CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS MEDIANTE TERMO NOS AUTOS – POSSIBILIDADE DESDE QUE SUBSCRITO PELOS CEDENTES OU POR PROCURADOR COM PODERES EXPRESSOS E ESPECÍFICOS CONFERIDOS MEDIANTE INSTRUMENTO PÚBLICO – SEGURANÇA DO JUÍZO – EQUIPARAÇÃO À RENÚNCIA TRANSLATIVA – INTERPRETAÇÃO SISTÊMICA DOS ARTS. 1.581 E 1.773 DO ANTIGO DIPLOMA – REQUERIMENTO DE DILAÇÃO DO PRAZO PARA A REGULARIZAÇÃO DA CESSÃO – DEFERIMENTO – RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Sob a égide do Código Civil de 1916, a escritura pública para cessão de direitos hereditários, assim como atualmente exige a Lei 10.406/02, era condição sine qua non para a validade do ato, ex vi dos seus arts. 44, III, e 134, II. Pode a cessão de herança, todavia, ser concretizada mediante termo nos autos, hipótese na qual, em respeito à segurança do juízo, a subscrição deverá ser feita pelos cedentes pessoalmente ou por meio de procurador com poderes especiais conferidos mediante instrumento público. (Agravo de Instrumento n. 2005.015654–6, da Capital/Fórum Distrital do Norte da Ilha, Terceira Câmara de Direito Civil, Relator Des. Marcus Tulio Sartorato, julgado em 19/08/2005).
AGRAVO DE INSTRUMENTO – DIREITO SUCESSÓRIO – CESSÃO DE DIREITOS HEREDITÁRIOS – TÍTULO GRATUITO – INSTRUMENTO PARTICULAR DE MANDATO – FORMALIZAÇÃO DA CESSÃO NOS AUTOS COM PRESENÇA PESSOAL DOS CEDENTES – RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO. A cessão de direitos hereditários necessita, por determinação legal (artigo 44, III, do Código Civil de 1916), sua efetivação mediante escritura pública. Ou ainda, efetivá–la por termo nos próprios autos, com a presença pessoal dos cedentes, ou que seu procurador esteja munido de instrumento público de mandato com poderes especiais e específicos para que a cessão seja concretizada. (Agravo de Instrumento n. 2002.014600–0, de Mafra, Segunda Câmara da Direito Civil, Relator Des. Monteiro Rocha, julgado em 11/11/2004).
Destarte, não há como se afastar a exigência imposta pelo juízo de origem, no sentido de que o termo de cessão de direitos hereditários deverá conter a assinatura dos próprios cedentes ou de procurador com poderes especiais constituídos mediante procuração pública.
Assim sendo, voto no sentido de negar provimento ao agravo interposto.
DECISÃO
Nos termos do voto do Relator, a Quarta Câmara de Direito Civil decidiu, à unanimidade, conhecer do recurso e negar–lhe provimento.
O julgamento, realizado no dia 29 de abril de 2010, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Eládio Torret Rocha, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Victor Ferreira.
Florianópolis, 30 de abril de 2010.
Carlos Adilson Silva – Relator.
Fonte: Boletim INR | Grupo Serac | 4299 | São Paulo, 03 de Dezembro de 2010