CSM|SP: Partilha ‘per saltum’ – Inobservância do princípio da continuidade – Cessão de direitos hereditários por instrumento particular – Inviabilidade – Infringência ao que dispõe o artigo 1.783, ‘caput’, do CPC – Recurso não provido.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL Nº 917-6/7, da Comarca de ARARAQUARA, em que é apelante CELSO LUDGERO DE AZEVEDO e apelado o MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em negar provimento ao recurso, de conformidade com o voto do Relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.
Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores ROBERTO VALLIM BELLOCCHI, Presidente do Tribunal de Justiça e MUNHOZ SOARES, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.
São Paulo, 04 de novembro de 2008.
(a) RUY CAMILO, Corregedor Geral da Justiça e Relator
VOTO
REGISTRO DE IMÓVEIS – Carta de adjudicação – Qualificação dos títulos judiciais – Partilha ‘per saltum’ – Inobservância do princípio da continuidade – Cessão de direitos hereditários por instrumento particular – Inviabilidade – Infringência ao que dispõe o artigo 1.783, ‘caput’, do CPC – Recurso não provido.
Trata-se de apelação interposta por Celso Ludgero de Azevedo contra sentença que julgou procedente dúvida suscitada pelo 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Araraquara, que negou o registro de carta de adjudicação relativa ao imóvel matriculado sob n° 15.732 (fls. 49/50), por ter havido a chamada partilha ‘per saltum’.
O apelante alegou que a partilha obedeceu ao que dispõem os artigos 1.851 a 1.855 do Código Civil, tratando-se de direito de representação. Ademais, em relação à segunda exigência do Registrador, qual seja a lavratura de escritura pública para a cessão de direitos hereditários, requereu que a cessão possa ser tomada por termo nos autos.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
O presente recurso não comporta provimento.
Primeiramente, ressalte-se que cabe ao Oficial Registrador proceder à qualificação do título, ainda que se trate de título emanado de autoridade judicial.
Neste sentido, veja-se o que restou decidido na Apelação Cível n° 22.417-0/4, da Comarca de Piracaia, relatada pelo eminente Desembargador Antonio Carlos Alves Braga, então Corregedor Geral da Justiça, cuja ementa é a seguinte:
“Registro de Imóveis – Dúvida – Divisão – Submissão da Carta de Sentença aos princípios registrários – Qualificação dos títulos judiciais – Prática dos atos registrários de acordo com as regras vigentes ao tempo do registro – Recurso negado.”
A necessidade de prévia qualificação de qualquer título pelo Oficial Registrador, ainda que se trate de título judicial, encontra-se, aliás, expressamente prevista pelas Normas de Serviço da Egrégia Corregedoria Geral da Justiça, conforme se verifica do item 106 do Capítulo XX, Tomo II, a saber:
‘Incumbe ao oficial impedir o registro de título que não satisfaça os requisitos exigidos pela lei, quer sejam consubstanciados em instrumento público ou particular, quer em atos judiciais.’
Portanto, o fato de se tratar de carta de adjudicação não se constitui em obstáculo à qualificação levada a efeito pelo Oficial Registrador, já que nenhum título está dispensado do cumprimento dos princípios registrários.
Na hipótese dos autos, a partilha realizada pelos interessados não respeitou o que determina o artigo 1.851 do Código Civil, visto ter atribuído bens do autor original da herança diretamente a seus netos, embora não se tratasse de sucessão por estirpe.
Conforme salientado pelo I. Representante do Ministério Público em segundo grau, houve ‘in casu’ inequívoca confusão a respeito do instituto da sucessão por representação, visto que ao estabelecer o artigo 1.851 do Código Civil que ‘dá-se o direito de representação, quando a lei chama certos parentes do falecido a suceder em todos os direitos, em que ele sucederia, se vivo fosse’, referiu-se o legislador à hipótese em que o filho é pré-morto ao pai então falecido, motivo pelo qual, nesse caso, os netos são chamados à sucessão do avô no lugar do filho.
Tal não é, porém, o que ocorre neste caso, visto que o autor da herança, José Dotalli, faleceu em 28.11.91 (fls. 28) e a morte de seu filho Mauro Dotalli se deu em 27.01.94 (fls. 34), isto é, posteriormente à morte daquele.
Nesta hipótese, houve duas transmissões: a primeira, de José Dotalli para seu filho Mauro Dotalli, que estava vivo quando da morte de seu pai José Dotalli, e a segunda, de Mauro Dotalli para seus filhos Cláudio e Cláudia Dotalli.
Aliás, mesmo na hipótese prevista pelo artigo 1.044 do Código Civil, que permite que, ocorrendo a morte de algum herdeiro na pendência do inventário em que foi admitido, e não havendo outros bens além do quinhão na herança, seja este partilhado juntamente com os bens do monte, tal não significa que referido quinhão possa ser atribuído diretamente dos avós aos netos, como se fosse uma sucessão por representação, já que tal procedimento fere claramente o princípio da continuidade.
Por outro lado, a indevida transmissão direta de bens dos avós aos netos também implicou ‘in casu’ a falta de recolhimento do ITCMD devido em face de toda a cadeia sucessória em exame, como apontado na nota devolutiva.
Ademais, igualmente inviável o registro do título em exame em virtude de não ter sido observado o que dispõe o artigo 1.793 do Código Civil que expressamente dispõe que ‘o direito à sucessão aberta, bem como o quinhão de que disponha o co-herdeiro, pode ser objeto de cessão por escritura pública’. Portanto, conforme anotado pelo I. Representante do ‘Parquet’, a cessão de direitos hereditários não poderia ter sido realizada mediante instrumento particular (fls. 52/54), como ocorreu, sendo certo que a proposta do apelante para que a cessão de direitos em tela seja convalidada através da lavratura de termo nos autos do arrolamento é matéria que não pode ser conhecida neste procedimento de dúvida.
Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento ao recurso.
(a) RUY CAMILO, Corregedor Geral da Justiça e Relator