CSM|SP: Direito registral – Dúvida registrária – Registro de escritura pública de concessão de direito real de superfície para instalação de torres de telecomunicações em imóvel rural – Concordância da apresentante com parte das exigências do Oficial (atendimento parcial), o que prejudica a dúvida e impede o exame fracionado das exigências – Recurso não conhecido – Em tese, afasta-se a exigência de observância à fração mínima de parcelamento, pois desmembramentos destinados a instalações transmissoras (rádio/TV e similares) não se submetem ao módulo rural mínimo.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1004407-94.2024.8.26.0356, da Comarca de Mirandópolis, em que é apelante LAP DO BRASIL EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MIRANDÓPOLIS.
ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram por prejudicada a dúvida e não conheceram do recurso, v u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), TORRES DE CARVALHO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).
São Paulo, 7 de outubro de 2025.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
APELAÇÃO CÍVEL nº 1004407-94.2024.8.26.0356
Apelante: Lap do Brasil Empreendimentos Imobiliários Ltda.
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Mirandópolis
VOTO Nº 43.922
Direito registral – Apelação – Direito real de superfície – Recurso não conhecido.
I. Caso em Exame
1. Apelação interposta contra sentença que negou o registro de escritura pública de concessão de direito real de superfície. A apelante alega que o parcelamento de solo que visa à instalação de torres de telecomunicações não precisa observar o módulo rural mínimo.
II. Questão em Discussão
2. Discute-se se há necessidade de observância à fração mínima de parcelamento do imóvel rural para instalação de torres de telecomunicações.
III. Razões de Decidir
3. A concordância da apelante com parte das exigências formuladas pelo Oficial torna a dúvida prejudicada.
4. O art. 2º do Decreto nº 62.504/68 permite que desmembramentos para instalação de torres de energia elétrica e telecomunicação não se sujeitem ao módulo rural mínimo. A norma tem razão de ser, pois seria inviável economicamente que cada torre de transmissão de energia ocupasse a área equivalente a um modulo rural. As normas cogentes que regulam o parcelamento do solo rural têm a função de evitar a inviabilidade econômica de micro propriedades rurais, jamais de impedir a implantação de obras e de equipamentos de infra-estrutura. O direito real de superfície provoca a cisão temporária da propriedade e não tem o escopo de burlar as normas imperativas que regem o parcelamento rural.
IV. Dispositivo e Tese
5. Recurso não conhecido.
Tese de julgamento: 1. A concordância com exigências formuladas prejudica a dúvida registrária. 2. Área que comprovadamente será usada para a instalação de torres de telecomunicação não está sujeita ao módulo rural mínimo.
Legislação Citada:
– Decreto nº 62.504/68, art. 2º
– Lei nº 4.504/64, art. 4º, I, art. 65
Jurisprudência Citada:
– CSM/SP, apelação nº 220-6/6, Rel. Des. José Mário Antônio Cardinale, j. em 16/9/2004.
Trata-se de apelação interposta por Lap do Brasil Empreendimentos Imobiliários Ltda. contra a r. sentença de fls. 123/125, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Registro de Imóveis e Anexos de Mirandópolis, que, mantendo as exigências formuladas pelo Oficial, negou o registro na matrícula nº 6.459 daquela serventia de escritura pública de concessão de direito real de superfície.
Alega a apelante, em resumo, que a área usada para a instalação de torres de telecomunicação não precisa observar o módulo rural mínimo estabelecido pela legislação (fls. 128/135). Ao final, em sede preliminar, pede a realização de prova pericial e, no mérito, a determinação de inscrição da escritura na matrícula, ressaltando não haver oposição à feitura de “levantamento com amarração indicado pela Suscitante” (fls. 134).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 158/160).
É o relatório.
De início, afasto a preliminar levantada no recurso, uma vez que a produção de prova pericial é incompatível com o procedimento de dúvida registrária.
Trata-se de dúvida suscitada em razão da negativa de registro de escritura pública de concessão de direito real de superfície, tendo por objeto o imóvel matriculado sob nº 6.459 no Registro de Imóveis e Anexos de Mirandópolis.
Consta na escritura pública que “a concessão do direito real de superfície sobre a área de 1.369,00 metros quadrados, discriminada na cláusula segunda, será para a finalidade da outorgada superficiária exercer sua atividade societária, ou seja, a cessão de espaço em estruturas metálicas, de concreto ou outras análogas de sua propriedade a terceiros para que estes instalem, operem, gerenciem e mantenham transmissores de telecomunicações por qualquer meio, incluindo rádio, televisão ou qualquer outro veículo de comunicação” (fls. 19).
No recurso, há informação no sentido de que a apelante, superficiária na escritura, faz parte de grupo empresarial “líder mundial na construção ou aquisição de estações rádio base, torres de telecomunicações” (fls. 131).
Prenotado o título, foi emitida nota de devolução com cinco exigências: a) apresentação do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural CCIR do imóvel da matrícula nº 6.459; b) inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR); c) prévia retificação do imóvel da matrícula nº 6.459, com a finalidade de inserir as medidas perimetrais e ponto de amarração que permitam identificar em que parte do bem encontra-se a área sujeita ao direito real de superfície; d) respeito à fração mínima de parcelamento; e) prévio desmembramento da área afetada pelo direito real de superfície.
Na resposta à dúvida suscitada pelo Oficial, o ora recorrente apresentou o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural CCIR (item “a” supra fls. 48); concordou com a futura exibição dos documentos mencionados nos itens “b” e “c” (fls. 48/49); questionou o item “d” (fls. 50); e concordou com o desmembramento da área afetada (item “e”).
Em fase recursal, mais uma vez, a apelante se insurgiu apenas contra a questão relativa à fração mínima de parcelamento (item “d” supra fls. 128/135).
Resta claro que a recorrente questionou apenas uma das exigências formuladas, tendo concordado com as demais, inclusive cumprindo uma delas no curso do procedimento.
A insurgência parcial quanto às exigências do Oficial prejudica a dúvida, procedimento que só admite duas soluções: I) a determinação do registro do título protocolado e prenotado, que é analisado, em reexame da qualificação, tal como se encontrava quando o dissenso entre o apresentante e o Oficial de Registro de Imóveis surgiu; ou II) a manutenção da recusa formulada.
A jurisprudência deste Conselho Superior é tranquila, no sentido de que a concordância, ainda que tácita, com qualquer das exigências feitas pelo registrador ou o atendimento delas no curso da dúvida, ou do recurso contra a decisão nela proferida, prejudica-a:
“A dúvida registrária não se presta para o exame parcial das exigências formuladas e não comporta o atendimento de exigência depois de sua suscitação, pois a qualificação do título é feita, integralmente, no momento em que é apresentado para registro. Admitir o atendimento de exigência no curso do procedimento da dúvida teria como efeito a indevida prorrogação do prazo de validade da prenotação e, em consequência, impossibilitaria o registro de eventuais outros títulos representativos de direitos reais contraditórios que forem apresentados no mesmo período. Em razão disso, a aquiescência do apelante com uma das exigências formuladas prejudica a apreciação das demais matérias que se tornaram controvertidas. Neste sentido decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n.º 60.460.0/8, da Comarca de Santos, em que foi relator o Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, e na Apelação Cível n.º 81.685-0/8, da Comarca de Batatais, em que foi relator o Desembargador Luís de Macedo” (CSM/SP – apelação nº 220-6/6, Rel. Des. José Mário Antônio Cardinale, j. em 16/9/2004).
Desse modo, prejudicada a dúvida, o recurso não pode ser conhecido, o que não impede o exame em tese da exigência questionada, a fim de orientar futura prenotação.
E o óbice relativo à necessidade de observância à fração mínima de parcelamento do imóvel rural em caso de instalação de torres de telecomunicação deve ser afastado.
Preceitua o art. 2º do Decreto nº 62.504/68, que regulamenta o Estatuto da Terra, mais especificamente o dispositivo que trata da impossibilidade de desmembramento de área inferior ao módulo rural:
Art. 2º Os desmembramentos de imóvel rural que visem a constituir unidades com destinação diversa daquela referida no Inciso I do Artigo 4º da Lei nº 4.504, de 30 de novembro de 1964, não estão sujeitos às disposições do Art. 65 da mesma lei e do Art. 11 do Decreto-lei nº 57, de 18 de novembro de 1966, desde que, comprovadamente, se destinem a um dos seguintes fins:
I – Desmembramentos decorrentes de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, na forma prevista no Artigo 390, do Código Civil Brasileiro, e legislação complementar.
II – Desmembramentos de iniciativa particular que visem a atender interêsses de Ordem Pública na zona rural, tais como:
a) Os destinados a instalação de estabelecimentos comerciais, quais sejam:
1 – postos de abastecimento de combustível, oficinas mecânicas, garagens e similares;
2 – lojas, armazéns, restaurantes, hotéis e similares;
3 – silos, depósitos e similares.
b) os destinados a fins industriais, quais sejam:
1 – barragens, represas ou açudes;
2 – oledutos, aquedutos, estações elevatórias, estações de tratamento de àgua, instalações produtoras e de transmissão de energia elétrica, instalações transmissoras de rádio, de televisão e similares;
3 – extrações de minerais metálicos ou não e similares;
4 – instalação de indústrias em geral.
c) os destinados à instalação de serviços comunitários na zona rural quais sejam:
1 – portos maritímos, fluviais ou lacustres, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviarias e similares;
2 – colégios, asilos, educandários, patronatos, centros de educação fisica e similares;
3 – centros culturais, sociais, recreativos, assistênciais e similares;
4 postos de saúde, ambulatórios, sanatórios, hospitais, creches e similares;
5 – igrejas, templos e capelas de qualquer culto reconhecido, cemitérios ou campos santos e similares;
6 – conventos, mosteiros ou organizações similares de ordens religiosas reconhecidas;
7 – Àreas de recreação pública, cinemas, teatros e similares.
A leitura do dispositivo revela que a situação tratada nos autos se encaixa perfeitamente na parte final do item 2 da letra “b” do inciso II do art. 2º do Decreto mencionado. Ou seja, “instalações produtoras e de transmissão de energia elétrica, instalações transmissoras de rádio, de televisão e similares” não constituem imóvel rural (art. 4º, I, da Lei nº 4.504/64) e não se sujeitam ao dispositivo legal que impede o fracionamento do imóvel rural em área inferior ao módulo rural mínimo (art. 65 da Lei nº 4.504/64). A norma em apreço tem razão de ser. A função do Estatuto da Terra, ao estabelecer a figura do módulo rural, é a de evitar o fracionamento excessivo do imóvel, criando micro propriedades inviáveis economicamente.
Não é o caso dos autos. Evidente que jamais poderia o Estatuto da Terra e a figura do módulo rural servir de obstáculo à implantação de obras e serviços de infra-estrutura, pena de comprometer o próprio desenvolvimento econômico do país.
Disso decorre que o direito de superfície, que provoca a cisão temporária da propriedade imobiliária, não constitui mecanismo de burla às normas cogentes do parcelamento do solo rural.
Desse modo, embora a dúvida esteja prejudicada, reconhece-se para o caso em apreço (registro de escritura pública de concessão de direito real de superfície para a instalação de transmissores de telecomunicações) o descabimento da exigência questionada (observância à fração mínima de parcelamento item “d” supra).
Com tais observações, pelo meu voto, dou por prejudicada a dúvida e não conheço do recurso.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça e Relator
(DJEN de 15.10.2025 – SP)