CSM|SP: Registro de Imóveis – Apelação Cível – Transmissão causa mortis – Sobrepartilha de imóvel rural com área inferior a 100 hectares – Exigência de georreferenciamento – Aplicabilidade do art. 10, VI, do Decreto nº 4.449/2002 – Decurso do prazo legal – Necessidade de individualização objetiva do imóvel – Inexistência de exceção para partilhas extrajudiciais – Recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002175-22.2024.8.26.0288, da Comarca de Ituverava, em que é apelante JÚLIO RIBEIRO BARBOSA, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE ITUVERAVA.

ACORDAM, em Conselho Superior da Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento à apelação e mantiveram a recusa do registro do título, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERNANDO TORRES GARCIA (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), BERETTA DA SILVEIRA (VICE PRESIDENTE), VICO MAÑAS (DECANO), TORRES DE CARVALHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), HERALDO DE OLIVEIRA (PRES. SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E CAMARGO ARANHA FILHO(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 10 de abril de 2025.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

APELAÇÃO CÍVEL nº 1002175-22.2024.8.26.0288

Apelante: Júlio Ribeiro Barbosa

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Ituverava

VOTO Nº 43.756

Direito registral – Apelação – Registro de imóveis – Transmissão causa mortis – Georreferenciamento necessário – Recurso desprovido.

I. CASO EM EXAME

Apelação interposta contra sentença que manteve a recusa ao registro da escritura de sobrepartilha de bens por ausência de georreferenciamento do imóvel rural com área de 55,23,65 hectares.

II. Questão em Discussão

A questão em discussão consiste em determinar se o georreferenciamento é obrigatório para o registro da sobrepartilha de imóvel rural, que ostenta área inferior a 100 hectares.

III. Razões de Decidir

A transmissão causa mortis de imóvel rural exige o georreferenciamento, conforme precedentes deste Conselho Superior da Magistratura.

Transcorrido o prazo estabelecido no Decreto n. 4.449/2002 (art. 10, VI), o georreferenciamento é exigível e visa garantir a individualização do imóvel e evitar sobreposições.

IV. Dispositivo e Tese

Recurso desprovido.

Tese de julgamento: “O georreferenciamento é obrigatório em transmissões causa mortis de imóveis rurais, uma vez decorrido o prazo estabelecido no Decreto n. 4.449/2002″.

Legislação Citada:

Lei nº 6.015/1973, art. 176, §§ 3º e 4º; art. 225, § 3º. Decreto nº 4.449/2002, art. 10.

Jurisprudência Citada:

CSM, Apelação nº 1000032-10.2020.8.26.0059, Rel. Des. Ricardo Anafe, j. 17.09.2020, DJe 06.12.2021.

CSM, Apelação Cível nº 1000075-91.2020.8.26.0302, Rel. Des. Ricardo Anafe, j. 20.11.2020, DJe 08.3.2021.

Trata-se de apelação (fls. 106/111) interposta por JULIO RIBEIRO BARBOSA e LAURA RIBEIRO BARBOSA contra a r. sentença (fls. 99/103) proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Ituverava que, na dúvida suscitada, manteve a recusa ao ingresso, no fólio real, da escritura de sobrepartilha do inventário dos bens deixados por Gilberto Ribeiro Barbosa.

Sustentam, os apelantes, em síntese, que o georreferenciamento não é obrigatório no presente caso por se tratar de consolidação da propriedade e não de sua transferência. Alegam, ainda, que o georreferenciamento é obrigatório para imóveis com área superior a 100 hectares, o que não ocorre com o imóvel rural em pauta. Pedem, portanto, a reforma da sentença.

A Douta Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 132/134).

É o relatório.

Os apelantes pretendem o registro da escritura de sobrepartilha de inventário dos bens deixados por Gilberto Ribeiro Barbosa, em que foi partilhado 50% de um imóvel rural com área de 55,23,65 hectares, ou seja, 22 alqueires e 33 litros, com as benfeitorias existentes, objeto da matrícula 5.400 do Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de Ituverava-SP.

Da escritura constou:

“IV. O “de cujus” GILBERTO RIBEIRO BARBOSA, deixou para ser SOBREPARTILHADO os seguintes bens: A) a parte IDEAL DE 50,00% de UMA GLEBA DE TERRAS, de diversas sortes, situada neste município, na Fazenda ‘MATA DO JACÓ’, lugar denominado ‘VARJÃO’, com a área de 55,23,65 ha, ou seja, vinte e dois (22) alqueires e trinta e três (33) litros, com as benfeitorias nela existentes, compreendida pelas seguintes confrontações: ‘tem princípio na margem direita do Ribeirão do Carmo, no marco do quinhão de Maria Pereira da Silva, dai, seguinte no azimute de 351°30′, até 114 metros, confrontando até aí, com o quinhão de Maria Pereira da Silva, daí, seguindo no azimute de 296°00’, até 573 metros a um marco na margem direita do Ribeirão do Carmo, confrontando, até aí com o quinhão de Otacilio de Paula Sousa e sua mulher, daí, voltando à esquerda pelo Ribeirão do Carmo acima até o marco onde tiveram princípio, numa distância radial de 660 metros (….)”.

O registro foi negado pelo Oficial, conforme a nota devolutiva nº 0302 (fls. 56), em que se exigiu:

– IMÓVEL RURAL PROCEDER GEORREFERENCIAMENTO

– PROCEDER O CANCELAMENTO DO USUFRUTO DE 50% DO IMÓVEL, DE MARIA DE LOURDES NUNES RIBEIRO

– R9, OU ALTERAR PARA 50% DA NUA PROPRIEDADE DO IMÓVEL ALTERANDO A PARTILHA EXCLUINDO USUFRUTO DO IMÓVEL RURAL

– APRESENTAR DIAT, CCIR (2024) E CND OU 5 ÚLTIMOS ITRS

OBS. VERIFICAR INVENTÁRIO DA USUFRUTUÁRIA, MARIA DE LOURDES NUNES RIBEIRO R.8-5.400 E R.8-6191, CASO OCORREU O FALECIMENTO”.

Consta na r. sentença recorrida que a dúvida está prejudicada pela impugnação parcial das exigências, mas, ao final, o óbice foi analisado e mantido, daí porque a conclusão foi pela procedência da dúvida.

Todavia, a dúvida não está prejudicada porque o interessado cumpriu a exigência relativa ao cancelamento do usufruto, como o Oficial esclareceu em sua manifestação a fls. 02:

“O apresentante cumpriu parte das exigências formuladas, com exceção da realização do georreferenciamento da área, com a qual não concordou sob a justificativa de que se tratava de ‘averbação de consolidação da propriedade’ tendo requerido a este oficial, em 28 de agosto de 2024 a suscitação de dúvida”.

Feita a observação e não obstante as razões de recurso, a r. sentença deve ser mantida.

A transmissão causa mortis de imóvel rural também desencadeia a incidência das disposições dos §§4º, 5º e 13 do art. 176 e §3º do art. 225 da Lei nº 6.015/1973.

Em julgamento anterior deste Conselho Superior da Magistratura, nos autos da Apelação nº 1000032-10.2020.8.26.0059, em que foi Relator o então Corregedor Geral da Justiça, Desembargador Ricardo Anafe, assim se abordou:

“Não se nega – e as razões recursais bem o demonstram – a possibilidade de discutir se as disposições dos §§ 4º, 5º e 13 do art. 176 e § 3º do art. 225 da Lei nº 6.015/1973 abrangem apenas os atos voluntários inter vivos que impliquem desmembramento, parcelamento, unificação ou transmissão total, ou também os atos coativos (e. g., os advindos da execução forçada) e os atos causa mortis: boas razões militam num e noutro sentido, dentre elas a facilitação do tráfego e da publicidade (em se tratando de transmissões oriundas do direito das sucessões) e a eficiência dos processos judiciais (em se tratando de constrições).

No entanto, este Conselho Superior da Magistratura já atribuiu, aos dispositivos citados e aqueles que os regulamentam, interpretação segundo a qual a inscrição da partilha causa mortis também impõe a inserção de coordenadas georreferenciadas, uma vez que se tenha escoado o prazo previsto no art. 10 do Decreto nº 4.449, de 30 de outubro de 2002 como sucede na hipótese, em que o prédio da matrícula nº 2.504 supera a área de cem hectares (fl. 18).

Confira-se:

“Registro de Imóveis – Dúvida – Negativa de registro de escritura pública de inventário e partilha – Imóvel Rural com Área superior a 100 hectares – Exigência de Georreferenciamento – Princípio da especialidade objetiva Óbice mantido – Apelação a que se nega provimento.” (CSM, Apelação Cível n. 1000075 91.2020.8.26.0302, j. 20.11.2020, DJe 08.3.2021)”.

Pelo entendimento transcrito, a transmissão causa mortis, tal como ocorre na espécie, em que há escritura pública de sobrepartilha dos bens deixados por Gilberto Ribeiro Barbosa, dá ensejo à exigência de especialização objetiva do bem imóvel pelo georreferenciamento.

Os precedentes invocados exigem o transcurso do prazo previsto no art. 10 do Decreto nº 4.449, de 30 de outubro de 2002, o qual, para os imóveis com área de vinte e cinco a menos de cem hectares, é de vinte anos, nos termos do inciso VI, o que é a situação dos autos, uma vez que o imóvel em questão possui 55,23,65 ha (fls. 75).

Confira-se mais um trecho do voto supra referido (Apelação Cível n. 1000075-91.2020.8.26.0302):

“O georreferenciamento pelo sistema geodésico brasileiro consiste em método descritivo introduzido pela Lei n.º 10.267/2001 (regulamentada pelo Decreto nº 4.449/2002, depois alterado pelos Decretos nº 5.570/2005 e n.º 7.620/2011), com fulcro a individualizar os bens imóveis rurais de modo a separá-los de qualquer outro, aperfeiçoando, assim, o princípio da especialidade objetiva.

Pois bem.

Consoante dispõe o Art. 176, §§ 3º e 4º, da Lei n° 6.015/73:

‘§ 3° – Nos casos de desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais, a identificação prevista na alínea a do item 3 do inciso II do § 1° será obtida a partir de memorial descritivo, assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo- referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais’.

‘§ 4 – A identificação de que trata o § 3º tornar-se á obrigatória para efetivação de registro, em qualquer situação de transferência de imóvel rural, nos prazos fixados por ato do Poder Executivo’.

Na mesma linha segue o art. 10, do Decreto nº 4.449/2002:

‘Art.10 – A identificação da área do imóvel rural, prevista nos §§ 3º e 4º do art. 176 da Lei n o 6.015, de 1973, será exigida nos casos de desmembramento, parcelamento, remembramento e em qualquer situação de transferência de imóvel rural, na forma do art. 9 o , somente após transcorridos os seguintes prazos:

V – quinze anos, para os imóveis com área de cem a menos de duzentos e cinquenta hectares;’

A matéria está também disciplinada pelo item 10.1, Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça:

‘10.1 – O acesso ao fólio real de atos de transferência, desmembramento, parcelamento ou remembramento de imóveis rurais dependerá de apresentação de memorial descritivo elaborado, executado e assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica (ART) no Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA) ou Registro de Responsabilidade Técnica (RRT) no Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU), contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, georreferenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional estabelecida pelo INCRA, observados os prazos regulamentares’.

A partir de referidas disposições legais e normativas infere- se, pois, a necessidade de georreferenciamento dos imóveis rurais em qualquer situação de transferência, inclusive na hipótese telada de transmissão causa mortis.

Objetiva-se, como já dito, a individualização do bem imóvel rural de modo a destacá-lo de qualquer outro, evitando-se, assim, a sobreposição, não havendo qualquer ressalva acerca da transmissão em razão da morte.

Ao revés, a necessidade de identificação do imóvel rural apresenta-se, sem distinção, em qualquer situação de transmissão, seja voluntária ou não, até mesmo em casos de decisões judiciais e nas hipóteses de forma originária de transmissão da propriedade.

É, nestes moldes, o §3º do art. 225 da Lei nº 6.015/73, que prevê a necessidade de georreferenciamento, ultrapassado o prazo legal, para as decisões judiciais:

§ 3º – Nos autos judiciais que versem sobre imóveis rurais, a localização, os limites e as confrontações serão obtidos a partir de memorial descritivo assinado por profissional habilitado e com a devida Anotação de Responsabilidade Técnica – ART, contendo as coordenadas dos vértices definidores dos limites dos imóveis rurais, geo- referenciadas ao Sistema Geodésico Brasileiro e com precisão posicional a ser fixada pelo INCRA, garantida a isenção de custos financeiros aos proprietários de imóveis rurais cuja somatória da área não exceda a quatro módulos fiscais.

Nesta ordem de ideias, uma vez necessário o georreferenciamento de imóveis rurais nas hipóteses de inventário judicial, não se vislumbra razão para qualquer distinção e dispensa da identificação por georreferenciamento nos inventários extrajudiciais.

Neste sentido é a lição de Jomar Juarez Amorim ao tratar da retificação do registro imobiliário, aplicável também à hipótese telada:

‘Outrossim, o georreferenciamento é obrigatório em “autos judiciais que versem sobre imóveis rurais”. [1] [3]Vale dizer que no procedimento judicial de retificação[4], aplica-se necessariamente a técnica descritiva oficial aos imóveis rurais. Aliás, antes da edição do Decreto nº 5570/05 a Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo assentou que os prazos não se estendem à identificação de imóvel rural em processo judicial[5]. Tal raciocínio, não obstante a disposição em contrário do art. 2º, inciso II (ações já ajuizadas), encontrou respaldo em acórdãos do Tribunal de Justiça de São Paulo[6].

Logo, não se afigura coerente que o georreferenciamento seja obrigatório na retificação feita perante o juiz, mas facultativo na retificação extrajudicial’7 [2]“.

O caso em julgamento é semelhante ao precedente citado, dele diferindo apenas quanto à área do imóvel e ao prazo para a efetivação do georreferenciamento, mas, de todo modo, na hipótese vertente o prazo já decorreu, assim como no precedente.

Desta forma, a exigência mostra-se pertinente.

Ante o exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação e mantenho a recusa do registro do título.

FRANCISCO LOUREIRO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Lei nº 6.015/73, art. 225, § 3º

[2] 7 AMORIM, Jomar Juarez. Direito Imobiliário Brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2011, pág.

[4] Lei nº 6.015/73, art. 212, in fine

[5] Processo nº CG 24066/2005

[6] Agravo de Instrumento nº 485.187-4/5-00, 7ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Elcio Trujillo, j. 9.5.07; Agravo de Instrumento nº 423.621-4/3-00, 7ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Luiz Antonio Costa, j. 14.2.07.

(DJe de 29.04.2025 – SP)