CGJ|SP: Direito Registra – Recurso Administrativo – Registro de Imóveis – Escritura Pública de Revogação da Doação por Inexecução do Encargo é instrumento hábil a ingresso no fólio real para o fim de cancelamento, por averbação, da doação outrora ocorrida – Desnecessidade de lavratura exclusiva de Ata Notarial (art. 7º-A da Lei nº 8.935/1994) – Recurso administrativo provido.
(757/ 2024 -E)
DIREITO REGISTRAL. RECURSO ADMINISTRATIVO. REGISTRO DE IMÓVEIS. ESCRITURA PÚBLICA DE REVOGAÇÃO DA DOAÇÃO POR INEXECUÇÃO DO ENCARGO É INSTRUMENTO HÁBIL A INGRESSO NO FÓLIO REAL PARA O FIM DE CANCELAMENTO, POR AVERBAÇÃO, DA DOAÇÃO OUTRORA OCORRIDA.
I. Caso em Exame
1. Recurso administrativo interposto contra sentença que manteve a recusa do Oficial de Registro de Imóveis de Jales/SP quanto à averbação da Escritura Pública de Revogação de Doação por Inexecução de Encargo. A sentença sustentou que o título não é suscetível a registro e que deveria ser lavrada Ata Notarial, conforme artigo 7º-A da Lei nº 8.935/1994.
II. Questão em Discussão
2. A questão em discussão consiste em determinar se a Escritura Pública de Revogação de Doação por Inexecução de Encargo pode ingressar no fólio real ou se é exigível a lavratura de Ata Notarial.
III. Razões de Decidir
3. Admite-se o ingresso, no fólio real, da escritura pública de revogação da doação por inexecução do encargo, ainda que a ata notarial também fosse instrumento hábil a tanto.
4. Os artigo 167, inciso II, item 2, e 250, II, da Lei nº 015/73 permitem a averbação, por cancelamento da extinção dos ônus e direitos reais, a requerimento unânime das partes que participaram do ato registrado, se capazes, com firmas reconhecidas por tabelião.
IV. Dispositivo e Tese
5. Recurso Determina-se o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis para prosseguir na averbação do título e cancelamento do registro da doação.
Tese de julgamento: A Escritura Pública de Revogação de Doação por Inexecução de Encargo pode ingressar no fólio real.
Legislação Citada:
Lei nº 8.935/1994, art. 7º-A; Lei nº 6.015/73, arts. 167, inciso II, item 2, e 250, inciso II.
Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,
Trata-se de recurso administrativo (fls. 82/88), interposto por A. L. F. DOS S. contra a r. sentença de fls. 73/75, proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Jales/SP, que manteve o óbice à averbação da Escritura Pública de Revogação de Doação por Inexecução de Encargo lavrada pelo Tabelião de Notas da cidade de Vitória Brasil, Comarca de Jales/SP, com referência ao imóvel de matrícula nº 53.440 daquela serventia.
O r. decisum manteve a recusa à averbação da referida escritura, nos termos da nota devolutiva de nº 198995, (fl. 16), sob o entendimento de que, a teor do disposto no artigo 7º-A, inciso I, §2º, da Lei nº 8.935/94, para revogação da doação, basta que as partes solicitem ao Tabelião de Notas a lavratura de Ata Notarial constatando a ocorrência da referida frustração, não havendo “necessidade de registro da escritura pública de revogação de doação por inexecução de encargo”.
Após a manifestação do Oficial (fls. 97/105), a D. Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do recurso (fls. 109/110).
É o relatório. Opino.
De início, convém esclarecer que ao Colendo Conselho Superior da Magistratura compete o julgamento das apelações das dúvidas suscitadas pelos Oficiais de Registros Públicos, na forma do artigo 64, VI, do Decreto-lei Complementar Estadual nº 03/69 e do artigo 16, IV, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.
E o procedimento de dúvida é pertinente somente quando o ato colimado é suscetível de registro em sentido estrito, o que não ocorre no presente caso, por envolver ato de averbação, como se verá.
Deste modo, trata-se, na espécie, de Pedido de Providências, que é um pedido de natureza administrativa (não judicial) formulado pelo próprio Oficial e a requerimento do apresentante de título, para que um juiz decida sobre a legitimidade da exigência feita sobre um ato de averbação.
Ainda em caráter inicial, esclarece-se que, em se tratando de recurso em procedimento administrativo, não há incidência de custas nem de honorários advocatícios.
Superadas as questões, da análise dos autos, depreende- se que, em 30/06/2021, o imóvel rural objeto da matrícula nº 53.440, foi objeto de doação com encargo, realizada pela proprietária JALES CLUBE, em favor de CASA HUNTER ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS PORTADORES DA DOENÇA DE HUNTER E OUTRAS DOENÇAS RARAS.
A escritura pública de doação com encargo foi, então, registrada na matrícula do imóvel, conforme se verifica do R.2 da certidão de matrícula de fls. 32/33, em 05/08/2021.
Diante da inexecução do encargo outrora estabelecido na mencionada doação, as partes relacionadas resolveram revogar o negócio jurídico por meio da Escritura Pública de Revogação de Doação por Inexecução de Encargo lavrada pelo Tabelião de Notas da cidade de Vitória Brasil, da Comarca de Jales/SP, conforme fls. 06/09.
Em 22/04/2024, o título foi apresentado ao Oficial de Registro de Imóveis de Jales por A. L. F. DOS S., ora recorrente, obtendo a prenotação de nº 198995 (fl. 05). Qualificado de maneira negativa, foi devolvido com a exigência da Nota Devolutiva de mesmo número (fl. 16):
“Após exame e qualificação do Título, concluiu-se que NÃO ESTÁ APTO a registro nos seguintes termos:
Deverá o Tabelião proceder com a lavratura da Ata Notarial, nos termos do artigo 7-A, da Lei n. 8.935/1994.”
Sobreveio irresignação do ora recorrente (fls. 19/22), o que ensejou a suscitação de dúvida de fls. 23/29, impugnada a fls. 38/42, com a subsequente manifestação do Oficial (fls. 56/58).
Após a manifestação do Ministério Público (fls. 70/71), foi proferida a r. sentença pela manutenção da exigência do Registrador.
Segundo o decidido, “…a teor da legislação vigente, para revogação da doação, basta que as partes solicitem ao Tabelião de Notas, a lavratura de Ata Notarial constatando a ocorrência da referida frustração. Consequentemente, não há na necessidade de registro da escritura pública de revogação de doação por inexecução de encargo objeto da prenotação em debate (nº 198995).”
Nas razões de recurso, o interessado insiste em que a lavratura da Ata Notarial prevista no art. 7º-A, § 2º da Lei 8.935/1994, introduzida pela Lei 14.711 de 30 de outubro de 2023, não é o único caminho para a solução da situação vertente, destacando que as partes têm liberdade de escolha e podem optar pela lavratura de escritura pública para a revogação da doação pela inexecução do encargo.
Invocando o artigo 555 do Código Civil e os artigos 167, inciso II, item 2 e 250, inciso II da Lei 6.015/73, diz que a opção pela lavratura da escritura pública em apreço em detrimento da ata notarial está em conformidade com a legislação.
Esclarece também que a donatária, CASA HUNTER ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DOS PORTADORES DA DOENÇA DE HUNTER E OUTRAS DOENÇAS RARAS, expressamente admitiu, no item 4 da escritura de revogação (fl. 07), a inexecução de qualquer obra no imóvel. Ademais, no item 5 da escritura há a expressa manifestação das partes pelo cancelamento do registro da doação outrora realizada (fl. 07).
Conclui, pois, pela desnecessidade da lavratura da Ata Notarial prevista no artigo 7º-A da Lei nº 8.935/1994, introduzido pela Lei 14.711/2023.
Pede, então, a reforma do decidido e o ingresso do título e a consequente revogação da doação, que ensejará, então, o cancelamento do registro anterior a requerimento das partes, com fundamento nos artigos 167, inciso II, item 2 e 250, inciso II da L.R.P.
O recurso, salvo melhor juízo de Vossa Excelência, merece provimento.
Dispõe o item 2, do inciso II, do artigo 167 da Lei 6015/73:
“Art. 167 – No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos.
…
II – a averbação:
…
2) por cancelamento, da extinção dos ônus e direitos reais;”
No caso em apreço, tanto a doadora quanto a donatária pretendem, expressamente, a revogação da doação com encargo do imóvel rural descrito na CRI de fls. 32/33, em razão de sua inexecução.
Haverá, consequentemente, a averbação, por cancelamento, da extinção dos ônus e direitos reais antes inscritos sobre o imóvel.
O Oficial registrador exigiu a elaboração da ata notarial prevista no artigo 7º-A, da Lei nº 8.935/1994, rechaçando o ingresso da escritura pública de revogação da doação por inexecução do encargo, mas não tem razão.
Nada impede que as partes manifestem sua vontade concordante para o cancelamento da doação por meio de escritura pública, ainda que também o pudessem fazer por solicitação ao tabelião para a lavratura de ata notarial.
É o que dispõe o artigo 250, II da Lei 6.015/73 (incluído pela Lei nº 6.216, de 1975):
“Art. 250 – Far-se-á o cancelamento:
…
II – a requerimento unânime das partes que tenham participado do ato registrado, se capazes, com as firmas reconhecidas por tabelião;”
Embora o artigo 7º-A da Lei 8935/1994 preveja a emissão de certidão pelo Tabelião quanto ao implemento ou a frustração de condições e outros elementos negociais, não há qualquer impedimento a que a revogação seja levada a efeito por meio de escritura pública.
Aliás, nem sempre a ata notarial será suficiente, por si só, para provar o implemento ou frustração de condição ou ouros elementos no negócio jurídico. Perfeitamente possível, por exemplo, que o descumprimento do encargo seja justificável, o que escapa ao simples exame de circunstancias fáticas pelo notário.
Tanto a escritura pública quanto a ata notarial são instrumentos hábeis a colher a manifestação das partes que informam a inexecução do encargo que havia sido estabelecida na doação, havendo excesso de formalismo do Registrador ao exigir que o instrumento eleito fosse a Ata Notarial.
A aceitação da escritura pública para o fim de averbação do cancelamento da doação por inexecução do encargo não causa prejuízo ao interesse público nem às partes envolvidas.
Ao contrário. A escritura é muito mais segura do que a simples ata notarial, pois reflete o consenso entre doador e donatário quanto ao descumprimento do encargo.
Ante o exposto, o parecer que respeitosamente submeto ao elevado critério de Vossa Excelência é no sentido de dar provimento ao recurso para determinar o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que prosseguirá na averbação do título e cancelamento do registro da doação.
Sub censura.
São Paulo, data registrada no sistema.
CRISTINA APARECIDA FACEIRA MEDINA MOGIONI
Juíza Assessora da Corregedoria
Assinatura Eletrônica
CONCLUSÃO
Em 19 de dezembro de 2024, faço estes autos conclusos ao Doutor FRANCISCO LOUREIRO, Excelentíssimo Corregedor Geral da Justiça. Eu, Letícia Osório Maia Gomide, Escrevente Técnico Judiciário, GAB 3.1, subscrevi.
Proc. nº 0002660-12.2024.8.26.0297
Vistos.
Aprovo o parecer apresentado pela MM. Juíza Assessora da Corregedoria e por seus fundamentos, ora adotados, recebo o recurso de apelação como recurso administrativo e a ele dou provimento para determinar o retorno dos autos ao Oficial de Registro de Imóveis, que prosseguirá na averbação do título e cancelamento do registro da doação.
São Paulo, data registrada no sistema.
FRANCISCO LOUREIRO
Corregedor Geral da Justiça
Assinatura Eletrônica
(DJe de 21.01.2025 – SP)