CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Título notarial – Compra e venda – Imóvel pertencente a pessoa jurídica da qual são sócios os filhos menores do apelante – Decisão no processo de dúvida que não atinge direito de que o apelante se diga titular, ou acerca do qual possa discutir em juízo como substituto processual – Apelação que não se conhece, mantida a r. sentença, como lançada.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1109254-86.2017.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante EVALDO ULINSKI, é apelado VIVALEIK SERVIÇOS ARTÍSTICOS E PARTICIPAÇÕES EIRELI (REPR. VALDIRENE AP. DE MARCHIORI).
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Não conheceram do recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores RICARDO ANAFE (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), GUILHERME GONÇALVES STRENGER (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), BERETTA DA SILVEIRA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), FRANCISCO BRUNO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL) E WANDERLEY JOSÉ FEDERIGHI(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO).
São Paulo, 11 de fevereiro de 2022.
FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Apelação Cível nº 1109254-86.2017.8.26.0100
Apelante: Evaldo Ulinski
Apelado: Vivaleik Serviços Artísticos e Participações EIRELI (Repr. Valdirene Ap. de Marchiori)
VOTO Nº 38.538
Registro de Imóveis – Dúvida – Título notarial – Compra e venda – Imóvel pertencente a pessoa jurídica da qual são sócios os filhos menores do apelante – Decisão no processo de dúvida que não atinge direito de que o apelante se diga titular, ou acerca do qual possa discutir em juízo como substituto processual – Apelação que não se conhece, mantida a r. sentença, como lançada.
Cuida-se de apelação (fls. 261/279) interposta por Evaldo Ulinski contra a r. sentença (fls. 93/100 e 259) proferida pela MM.ª Juíza de Direito da 1ª Vara de Registros Públicos de São Paulo, Corregedora Permanente do 4º Oficial de Registro de Imóveis dessa Comarca, que julgou improcedente a dúvida suscitada a requerimento de Vivaleik Serviços Artísticos e Participações EIRELI (fl. 01/03) e afastou os óbices (fls. 32/33) à lavratura do registro stricto sensu da compra e venda (fls. 34/39) do imóvel da matrícula n. 154.590 (fl. 54/58; prenotação 540.540).
Nos termos da r. sentença (fls. 93/100 e 259), dois foram os empecilhos opostos ao deferimento do registro stricto sensu: (a) a falta de certidão negativa de débitos tributários federais CND (Lei n. 8.212/1991, art. 47, I, b); e (b) a falta de anuência expressa de Evaldo Ulinski, pai e representante legal dos menores que são sócios da vendedora Torke Empreendimentos e Participações Ltda.. Quanto ao primeiro desses impedimentos, concluiu o juízo a quo que não procedia, pois a jurisprudência do Conselho Superior da Magistratura e uma decisão do Conselho Nacional de Justiça indicam que a apresentação de CND não é requisito para a lavratura da inscrição almejada. Acerca da segunda exigência, entendeu o r. decisum que a existência de irregularidades na compra e venda tem de ser reconhecida ou negada na esfera contenciosa; dessa maneira, não podem ser dirimidas na via administrativa as disputas entre os pais dos sócios menores, concernentes à administração e à alienação dos bens sociais: ainda que haja um parecer da Junta Comercial de São Paulo, afirmando que a representação dos sócios menores deva ser feita concomitantemente pelo pai Evaldo Ulinski e pela mãe Valdirene Aparecida de Marchiori, isso não afeta em nada a qualificação registral, já porque a orientação dada pelo dito parecer não é vinculante senão para os órgãos da Junta, já porque do contrato social consta que a administração e a representação social serão feitas exclusivamente pela mãe, e é somente a isso que se deve ater o ofício de registro de imóveis.
Atendendo ao alegado em embargos de declaração opostos pelo terceiro Evaldo Ulinski (fls. 109/112), o juízo a quo suspendera a eficácia da r. sentença, até o julgamento final da ação anulatória nº 1008435-10.2018.8.26.0100 – 8ª Vara Cível do Foro Central da Comarca de São Paulo (fls. 161/162, 181, 187, 197, 207, 218, 239, 243, 247 e 251).
Os embargos de declaração foram depois julgados quanto a seu mérito, e a suspensão foi revogada (fls. 259).
O terceiro Evaldo Ulinski apelou então (fls. 261/279), alegando que tem legitimidade recursal, pois a r. sentença prejudica seus interesses ao tratar do patrimônio de seus filhos menores, a quem o apelante representa e apoia patrimonial e afetivamente. No mais, sustenta o recorrente que a vendedora Torke Empreendimentos e Participações Ltda. tem por administradora Valdirene Aparecida de Marchiori e, como únicos sócios, os filhos menores do apelante e da própria Valdirene; a compradora, por sua vez, é Vivaleik Serviços Artísticos e Participações EIRELI, cuja única titular é Valdirene; a compra e venda em questão foi celebrada por valor inferior ao praticado no mercado e o pagamento foi feito mediante compensação de um crédito cuja existência não foi demonstrada; esse negócio jurídico, portanto, foi celebrado em fraude, mas a r. sentença entendeu que é passível de registro; esse entendimento, todavia, está em contradição com decisão da esfera jurisdicional, onde se proibira a alienação do imóvel em questão; de início, o juízo a quo realmente concluíra que a sentença recorrida não poderia produzir efeitos, por força desse provimento jurisdicional; contudo, o ponto foi reconsiderado, para cassar a suspensão de eficácia e reabrir o prazo para o recurso de apelação, o que não está correto e contraria o disposto no Cód. de Proc. Civil, art. 313, V, a. Pede o apelante, assim, que seja reformada a r. sentença, para que se mantenham os óbices ao registro ou, então, para que se lhe suspendam os efeitos até o julgamento final da ação dos autos n. 1008435-10.2018.8.26.0100, na 8ª Vara Cível Central de São Paulo.
A douta Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não conhecimento do recurso, por ilegitimidade do apelante, e, subsidiariamente, no mérito, pelo não provimento da apelação (fls. 300/306).
É o relatório.
O recurso não deve ser conhecido.
Reza a Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 202, que da sentença proferida na ação de dúvida podem apelar o interessado, o Ministério Público e o terceiro prejudicado.
Resta saber, pois, se o apelante entra nessa última figura (dado que não é interessado, por não figurar no título, e, seja escusado o truísmo, não é órgão de promotoria pública).
A resposta é negativa.
Para os fins do dito art. 202 da Lei de Registros Públicos, terceiro prejudicado é aquele que, não figurando na relação processual, pode ser atingido, em direito de que seja titular ou que possa discutir em juízo como substituto processual, pela decisão acerca da relação jurídica submetida à apreciação judicial (Cód. de Proc. Civil, art. 996, par. único; Ricardo Dip, Registros sobre Registros, n. 504).
No caso destes autos, estaria na posição de terceiro prejudicado quem viesse a ser atingido pela eficácia da r. sentença recorrida (fls. 93/100 e 259), em direito próprio ou que pudesse discutir como substituto processual.
Ora, o apelante Evaldo Ulinski evidentemente não se encontra em nenhuma dessas situações.
De um lado, a controvérsia e, por conseguinte, a relativa sentença não dizem respeito a direito seu, mas da pessoa jurídica Torke Empreendimentos e Participações Ltda., dona do imóvel da matrícula n. 154.590, do 4º Registro de Imóveis de São Paulo (cf. R. 06 a fl. 58).
De outro lado, o recorrente não se põe na situação do § único do art. 18 do Cód. de Proc. Civil, pois não há autorização legal para que ele venha a juízo pleitear sobre esse direito alheio (da pessoa jurídica) em nome próprio.
Tudo isso foi bem notado pela Procuradoria de Justiça (fls. 302/304) e, de resto, está indicado pelas próprias alegações do apelante, que não conseguiu justificar a sua legitimidade recursal a contento (fls. 263/264): realmente, para que se possa apelar não basta que se trate “do patrimônio de seus filhos menores”. Em primeiro lugar, em verdade não se cuida diretamente dos bens deles, mas da pessoa jurídica Torke, vendedora (fls. 58); em segundo lugar, ainda que efetivamente se tratasse do patrimônio dos filhos, estes é que deveriam estar em juízo (representados, talvez, pelo pai, conforme fossem as circunstâncias), e não o pai, em nome próprio.
Falta, pois, legitimidade recursal ao apelante (Lei n. 6.015/1973, art. 202, c. c. Cód. de Proc. Civil, art. 996, par. único), de modo que, como dito de início, o seu recurso não pode ser conhecido, e fica mantida a r. sentença apelada.
Ante o exposto, pelo meu voto, não conheço da apelação interposta por Evaldo Ulinski, mantida a r. sentença recorrida, como lançada.
FERNANDO ANTONIO TORRES GARCIA
Corregedor Geral da Justiça e Relator
(DJe de 12.05.2022 – SP)