CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Título judicial – Partilha causa mortis – Imposto sobre transmissão (ITCMD) – Quinhões desiguais – Doação dos valores excedentes – Correta fiscalização exercida pelo Oficial de Registro de Imóveis – Impossibilidade de cisão do título – Recusa legítima – Apelação a que se nega provimento.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº 1002428-61.2020.8.26.0575, da Comarca de São José do Rio Pardo, em que é apelante EDUARDO LARA DA CRUZ, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DE SÃO JOSÉ DO RIO PARDO.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento, v. u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PINHEIRO FRANCO (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), LUIS SOARES DE MELLO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), GUILHERME G. STRENGER (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), MAGALHÃES COELHO(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E DIMAS RUBENS FONSECA (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO).

São Paulo, 2 de dezembro de 2021.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1002428-61.2020.8.26.0575

Apelante: Eduardo Lara da Cruz

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos de São José do Rio Pardo

VOTO Nº 31.654

Registro de Imóveis – Dúvida – Título judicial – Partilha causa mortis – Imposto sobre transmissão (ITCMD) – Quinhões desiguais – Doação dos valores excedentes – Correta fiscalização exercida pelo Oficial de Registro de Imóveis – Impossibilidade de cisão do título – Recusa legítima – Apelação a que se nega provimento.

1. Trata-se de apelação (fl. 225/243) interposta por Eduardo Lara da Cruz contra a r. sentença (fl. 204/217) proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente da Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de São José do Rio Pardo, que julgou procedente a dúvida (fl. 01/05) e manteve óbice à lavratura de registros stricto sensudecorrentes da partilha causa mortis (prenotação 177.735).

Segundo o termo de dúvida (fl. 01/05), o quinhão do interessado Eduardo Lara da Cruz não é igual ao dos demais herdeiros (fl. 331/332 e 345/383 do formal de partilha), o que indica que para a consumação da partilha houve transações entre os herdeiros e a viúva, do que decorre a necessidade de pagar-se o relativo imposto de transmissão (ITCMD); esse adimplemento, porém, não está provado, e disso decorre o óbice à inscrição pretendida.

A r. sentença (fl. 204/217) concluiu que a partilha foi feita de forma desigual, pois o quinhão do interessado Eduardo alcançou o montante de R$ 200.123,09, enquanto os demais herdeiros receberam o pagamento de R$ 428.557,06. Assim, ficou claro que houve doação, e incide o ITCMD, sem cuja prova de pagamento não se pode fazer o registro almejado. Frisou ainda o r. decisum que Eduardo Lara da Cruz, conquanto filho unilateral, recebe, por lei, quinhão igual ao dos demais sucessores, o que não impedia a transação, mas, como dito, impunha, nesse caso de desigualdade, o recolhimento de tributo. Acrescentou que não se está discutindo a regularidade do valor apurado, o que em regra não cabe ao ofício de registro de imóveis, e sim a constatar-se que não ocorreu o recolhimento relativo às doações, tendo em vista a diferença dos quinhões pagos aos herdeiros, pois os demonstrativos apresentados (fl. 49/88 e 90) indicam somente o adimplemento do ITCMD sobre o total dos bens partilhados, e não sobre as transmissões havidas entre os sucessores. Conclui a r. sentença ressaltando que não é possível cindir o título, para permitir somente o registro relativo aos imóveis apontados pelo interessado Eduardo, pois isso implicaria deixar-se em aberto a titularidade dominial de frações ideais ou de outros bens inventariados. Assim, a dúvida é procedente, e tem de ser mantido o óbice levantado pela Oficial de Registro de Imóveis.

Em seu recurso (fl. 225/243), aduz o apelante que a doação foi feita pela viúva meeira aos demais herdeiros; quanto aos bens que o recorrente recebeu em pagamento de seu quinhão, o imposto foi pago e a declaração foi homologada, de sorte que ele, por não ser beneficiário de doação nenhuma, não pode ser obrigado a aguardar que os outros sucessores recolham o tributo para que, só então, sejam feitos os registros de seu interesse; dessa maneira, o título deve ser cindido, e têm de ser feitas as inscrições relativas apenas aos imóveis das matrículas n. 28.956, 36.962, 36.963 e 36.971. Afirma que não é contribuinte e nem responsável tributário pelo ITCMD e que, segundo a jurisprudência administrativa de São Paulo, não cabe ao ofício de registro de imóveis controlar o exato montante recolhido a esse título, de maneira que eventual diferença acerca do exato montante da exação tem de ser apurada e exigida em via própria. Pede, assim, que seja dado provimento ao recurso para que, admitida a cisão do título e a regularidade do adimplemento tributário, sejam deferidas as inscrições que rogara.

É o relatório.

2. De início, saliente-se que a origem judicial do título (in casu, um formal de partilha causa mortis tirado dos autos n. 1002976-23.2019.8.26.0575, da 2ª Vara Judicial da Comarca de São José do Rio Pardo fl. 06/129; em especial, fl. 44/45, 49/88, 89, 90/92, 94 e 104/121) não lhe dispensa a qualificação registral, ainda que esta se limite, aí, aos requisitos formais do título e sua adequação aos princípios registrais (Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça NSCGJ, Tomo II, Capítulo XX, item 117). Além disso, é pacífico na jurisprudência deste Conselho Superior da Magistratura que a qualificação negativa não caracteriza nem desobediência nem descumprimento de decisão jurisdicional (Apelação Cível n. 413-6/7; Apelação Cível n. 0003968-52.2014.8.26.0453; Apelação Cível n. 0005176-34.2019.8.26.0344; e Apelação Cível n. 1001015-36.2019.8.26.0223).

In medias res: como se vê no título (fl. 104, 105, 106, 116 e 118), os quinhões dos herdeiros Luís Carlos da Cruz, Ulysses da Cruz Filho, Mário Célio da Cruz e Elisabete Aparecida da Cruz Bertolini equivaleram, cada qual, ao valor de R$ 628.680,36 (aos quais se somaram, além disso, doações feitas a cada um deles pela viúva meeira), enquanto o apelante Eduardo Lara da Cruz, também herdeiro, recebeu somente R$ 200.123,29.

Ora, esses sucessores Luís Carlos, Ulysses, Mário Célio, Elisabete e Eduardo herdaram ab intestato, isto é, por força de sucessão legítima (fl. 07/10 e 12); logo, se os seus quinhões foram desiguais, fora dos limites postos nos arts. 1.834, 1.841 e 1.842 do Cód. Civil, então se conclui que alguma transmissão patrimonial houve entre eles, e isso é objeto de imposto de transmissão por ato gratuito, e tem de ser provado o relativo pagamento ou a isenção o que não foi feito, como se vê a fl. 49/53, em geral, e a fl. 54/89, 89 e 90-92, mais especificamente: com efeito, nesses documentos fiscais está claro que o tributo foi lançado como se todos os quinhões tivessem sido iguais, o que, como visto, não é o caso.

Note-se que não se está desrespeitar a sedimentada jurisprudência deste Conselho Superior da Magistratura, segundo a qual não cabe ao ofício de registro de imóveis, a pretexto de cumprir o art. 289 da Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, imiscuir-se em minúcias tributárias para impugnar o valor final recolhido pelos interessados. A hipótese aqui é diferente: simplesmente não houve declaração da operação que implicou a transmissão gratuita, e isso a Oficial não podia ter deixado de observar, como fez, para adiar os registros rogados, até que se regularizasse.

Confira-se:

“O posicionamento recorrente do Conselho Superior da Magistratura é no sentido da limitação do dever de fiscalização atribuído ao Oficial de Registro quanto a existência do recolhimento do tributo e a razoabilidade da base de cálculo, conforme os precedentes nas apelações cíveis nºs 0031287-16.2015.8.26.0564, de São Bernardo do Campo, 1006725-68.2015.8.26.0161, de Diadema, e 102415898.2015.8.26.0577, de São José dos Campos […]. Assim, o dever de fiscalização de recolhimento dos tributos atribuído aos notários e registradores (art. 289 da Lei nº 6.015/1973 e art. 30, XI, da Lei nº 8.935/1994), se limita à verificação do recolhimento dos tributos decorrentes dos atos realizados, bem como a razoabilidade da base de cálculo utilizada […].” (Apelação Cível 1001441-21.2019.8.26.0426, j. 15.4.2020, DJe 27.4.2020, extrato do voto vencedor).

Tampouco se pode cogitar de cisão do título, uma vez que a rogação não abrange todos os bens imóveis partilhados, mas somente os do herdeiro Eduardo Lara da Cruz, ora apelante (cf. fl. 118 e segs.).  Não bastasse o fato de que o pagamento feito a esse sucessor abrange fração ideal sobre um dos bens (e não é possível registrar a transmissão em parte, deixando a outra metade em aberto, aguardando regularização – cf. fl. 119), ainda é certo que a questão do recolhimento ou não do ITCMD não é alheia à esfera jurídica do apelante: trata-se de óbice que abrange a regularidade fiscal de toda a partilha e que, como tal, impede o registro de qualquer das transmissões que a partilha abrange.

Em suma: não tendo havido o recolhimento do imposto, nem estando provada a não incidência ou isenção, e não sendo o caso de admitir-se a cisão, está correta a r. sentença apelada, e têm de ser mantidos os óbices levantados pela Oficial de Registro de Imóveis.

3. À vista do exposto, pelo meu voto, nego provimento à apelação.

RICARDO ANAFE

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 24.03.2022 – SP)