CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Escritura pública de aditivo de retificação e ratificação de instrumento particular de alienação fiduciária – Documentos acostados aos autos que permite concluir, na hipótese em análise, pela ocorrência de mera atualização do débito, com a incidência dos encargos previstos no contrato anteriormente registrado – Repactuação da dívida para pagamento em maior prazo – Ausência de animus novandi – Novação não configurada – Óbice afastado, a ensejar a prática de ato de averbação – Solução adotada a partir do caso concreto – Ausência de atribuição de força normativa ou caráter vinculante ao acórdão – Recurso provido, com observação.    

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1132901-47.2016.8.26.0100, da Comarca de São Paulo, em que é apelante CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL – PREVI, é apelado 5º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso, com observação, v.u. Declararão votos os Desembargadores Artur Marques, Xavier de Aquino e Fernando Torres Garcia.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PEREIRA CALÇAS (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA) (Presidente), ARTUR MARQUES (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), EVARISTO DOS SANTOS(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO), CAMPOS MELLO (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO) E FERNANDO TORRES GARCIA(PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 11 de dezembro de 2018.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação nº 1132901-47.2016.8.26.0100

Apelante: Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil – Previ

Apelado: 5º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

Interessado: Federação Brasileira de Bancos – Febraban (Amicus Curiae)

Parte: Renata Infante Monteiro da Costa

VOTO Nº 37.567

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Escritura pública de aditivo de retificação e ratificação de instrumento particular de alienação fiduciária – Documentos acostados aos autos que permite concluir, na hipótese em análise, pela ocorrência de mera atualização do débito, com a incidência dos encargos previstos no contrato anteriormente registrado – Repactuação da dívida para pagamento em maior prazo – Ausência de animus novandi – Novação não configurada – Óbice afastado, a ensejar a prática de ato de averbação – Solução adotada a partir do caso concreto – Ausência de atribuição de força normativa ou caráter vinculante ao acórdão – Recurso provido, com observação.

Trata-se de apelação [1] interposta contra a r. sentença proferida pelo MM. Juiz Corregedor Permanente do 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital, que julgou procedente dúvida suscitada para o fim de manter a recusa do registro de escritura pública de aditivo de retificação e ratificação de instrumento particular de alienação fiduciária, lavrada em 15 de setembro de 2016 pelo 6º Ofício de Notas do Rio de Janeiro/RJ, referente ao imóvel matriculado sob nº 37.640 naquela serventia extrajudicial. A recusa do Oficial Registrador baseou-se na necessidade de cancelamento da alienação fiduciária já registrada (R. 17) e constituição de nova garantia, ao argumento de que, “tendo as partes celebrado novo contrato, surgindo uma nova dívida em substituição à anterior (…), não há como admitir o acesso ao fólio real da escritura de aditivo para simples averbação na matrícula”. O segundo óbice apresentado, referente à averbação da indisponibilidade do bem, foi superado em virtude de posterior ordem de cancelamento (Av. 18).

Alega a apelante, em síntese, que não se mostra configurada a ocorrência de novação, forma de extinção das obrigações que decorre da vontade das partes, expressa no documento ou tácita, mas inequívoca, no sentido de assumir nova dívida em substituição à anterior, ainda que válida. Sustenta que qualquer alteração a respeito da dívida, seja para maior ou menor, a fim de modificá-la ou reforçar garantias, mas revelando continuidade da dívida anterior, não resulta em novação. Aduz que não existe, no título versado nos autos, menção alguma que possa configurar o descumprimento da pactuação objeto do registro anteriormente efetuado na matrícula, motivo pelo qual não há que se falar em surgimento de nova dívida. Ressalta que o negócio jurídico celebrado configura reajuste da dívida originária e não, novação.

A Douta Procuradoria opinou pelo não provimento do recurso [2].

Em atenção ao despacho a fls. 157, requereu a Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN seu ingresso no feito, na qualidade de amicus curiae.

Com fulcro no art. 138 do Código de Processo Civil, foi admitida a participação da Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN para intervir no processo [3], sendo então apresentadas manifestações acerca da matéria objeto de repercussão e relevância tratada nos autos [4].

A Douta Procuradoria reiterou o parecer anteriormente apresentado [5].

É o relatório.

Pretende a apelante o ingresso no fólio real da escritura pública de aditivo de retificação e ratificação de instrumento particular de abertura de crédito, com garantia de alienação fiduciária, superando o óbice apresentado pelo registrador consubstanciado na necessidade de prévio cancelamento da alienação fiduciária anteriormente registrada, para constituição e registro de nova garantia para o negócio repactuado [6].

Da análise dos documentos acostados aos autos é possível concluir que, no caso concreto, não houve novação, tampouco alteração do valor da dívida, mas mera atualização do débito com a incidência dos encargos já previstos no contrato anteriormente registrado.

Assim se afirma, pois foi registrado junto à matrícula nº 37.640 do 5º Oficial de Registro de Imóveis da Capital (R. 17) o instrumento particular por intermédio do qual a devedora e seu marido alienaram fiduciariamente o imóvel objeto da referida matrícula, transferindo sua propriedade resolúvel à Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil para garantia de uma dívida no valor de R$ 438.595,61, a ser paga em 240 meses, com prestações mensais e sucessivas, vencendose a primeira em 20.12.2015 (…), com juros de 5% ao ano e 0,407% ao mês [7].

Agora, pretende a interessada a repactuação da dívida a fim de que seja paga em 420 meses, o que ensejou o aumento de seu valor para R$ 455.562,53, com juros de 5% ao ano e 0,407% ao mês [8]. Assim, pode ser o ajuste interpretado como simples aditamento, sem necessidade de nova garantia à obrigação, tal como se depreende do demonstrativo apresentado a fls. 18.

Ademais, o item 1.2 da Cláusula 1 da escritura de aditivo assim prevê: “(…) passando o Financiamento a ser regido pelas condições e cláusulas do presente ADITIVO a partir de sua assinatura, que, junto com os instrumentos anteriores, passa a constituir um todo único e indivisível para fins de direito” [9].

De seu turno, a Cláusula 13 da referida escritura trata da denominada “convalidação da garantia” [10], o que corrobora a ausência do animus novandi, necessário ao reconhecimento da ocorrência de novação.

O tema foi objeto de decisão por mim proferida nos autos do Recurso Administrativo n° 0009083-85.2017.8.26.0344, acolhendo o parecer lançado naquele feito no seguinte sentido:

“A novação, conforme Antunes Varela (Das obrigações em geral. vol. II. Coimbra: Almedina, 1992, p. 228), consiste na operação pela qual as partes extinguem uma obrigação, mediante criação de nova obrigação.

Na novação objetiva, a obrigação nova com força extintiva da anterior apresenta o elemento novo em decorrência da mudança do objeto ou da causa da obrigação.

Não havendo ânimo de novar, nos termos do artigo 361 do Código Civil, a segunda obrigação confirma simplesmente a primeira e, portanto, está excluído o instituto da novação.

Dispõe o artigo 361 do Código Civil:

Art. 361. Não havendo ânimo de novar, expresso ou tácito mas inequívoco, a segunda obrigação confirma simplesmente a primeira.

Há dificuldade interpretativa para a configuração do ânimo de novar, de acordo Jorge Cesa Ferreira da Silva (Adimplemento e extinção das obrigações. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 439), não há um critério absoluto para a consideração do ânimo de novar.

Nessa ordem de ideias, cabe o exame da alteração concreta efetuada pelas partes para aquilatar se a alteração tratou de elementos acessórios ou envolveu mudança do objeto ou da causa da obrigação, caracterizando novação.

(…)

Seja como for, a qualificação da natureza jurídica do fato não depende da denominação indicada pelas partes e sim do diálogo entre o fato e o ordenamento jurídico.

(…)

Voltemos aos autores citados para avaliar o critério a ser empregado no caso concreto.

Antunes Varela (op. cit., p. 229) afirma:

Essencial em qualquer dos casos, para haver novação, é que os interessados queiram realmente extinguir a obrigação primitiva por meio da contracção de uma nova obrigação. Se a ideia das partes é a de manter a obrigação, alterando apenas um ou alguns dos seus elementos, não há novação (…), mas simplesmente modificação ou alteração da obrigação.

Jorge Cesa Ferreira da Silva (op. cit., p. 229) refere:

Ante tais dificuldades interpretativas, a doutrina costuma oferecer alguns parâmetros gerais. Em regra, salvo demonstração clara em sentido contrário, entende-se que não gera novação a modificação de elementos acessórios, como a reforma do título (reprodução por outra forma), a prorrogação ou encurtamento do prazo para pagamento, a exigência de novas garantias, a mudança do lugar de cumprimento, a alteração da taxa de juros, a alteração ou inclusão de cláusula penal, o pagamento parcial, a inclusão ou retirada de uma condição, a alteração da moeda de pagamento, quando possível.

Essa compreensão já havia no pensamento de Washington de Barros Monteiro (Curso de direito civil. v. 4º. São Paulo: Saraiva, 1988, p. 297):

Nessas condições, não há novação quando à obrigação apenas se adicionam novas garantias, quando se concede moratória ao devedor, quando se lhe defere abatimento de preço, maiores facilidades de pagamento ou reforma do titulo.

Copiosa a jurisprudência a respeito, tornando-se de dignos de menção os julgados seguintes: a) não há novação quando feita simples redução no montante da dívida; b) mera tolerância do credor não importa manifestação da vontade de novar; c) não ocorre novação quando o credor tolera que o devedor lhe pague parceladamente; d) quando anui a modificação na taxa de juros [11].

Nesse cenário, tendo ocorrido mera alteração do vínculo obrigacional, sem que daí surgisse uma nova dívida em substituição à anterior, transformada em sua essência (valor e forma de pagamento), há que ser afastado o óbice apresentado ao ingresso no fólio real da escritura de aditivo referida nos autos.

Com isso, prestigiam-se os fortes argumentos apresentados pela Federação Brasileira de Bancos – FEBRABAN, no sentido de que a insegurança jurídica traz severos prejuízos ao crescimento econômico, tirando a espontaneidade do empresariado que fica receoso de inovar e, assim, deixa de propor novos modelos de negócio, engessando o fomento do mercado. Também se está a reconhecer que o alcance do instituto da alienação fiduciária ultrapassa os limites das transações relacionadas à aquisição de imóvel e tem a finalidade de reforçar o sistema de garantias do direito brasileiro, servindo como instrumento que permite sejam as situações de mora, tanto no financiamento imobiliário como nas operações de créditos com garantia imobiliária, recompostas em prazos compatíveis com as necessidades da economia moderna.

Veja-se que a hipótese em análise não se equipara àquela tratada no art. 167, inciso II, “15”, da Lei nº 6.015/73, que cuida especificamente dos contratos celebrados no âmbito do Sistema Financeiro de Habitação, da mesma forma que não pode ser analisada à luz do disposto na Lei nº 10.931/04 ou mesmo na Lei nº 13.476/17.

No entanto, afastada a configuração de novação, não há que se falar em maior oneração do imóvel ou mesmo em redução da garantia de eventuais outros credores que venham a surgir entre o registro da alienação fiduciária e a repactuação da dívida garantida.

Importa consignar, ainda, que a solução adotada neste acórdão é restrita à analise do caso concreto, razão pela qual não lhe deve ser atribuída força normativa ou caráter vinculante. Caberá ao registrador analisar, em relação a cada título apresentado, sua possibilidade de ingresso junto ao fólio real, certo que a inexistência de novo aporte financeiro deverá decorrer, com clareza, dos cálculos e outros documentos apresentados pela parte interessada.

Por fim, observo que, uma vez provido o recurso, o ato a ser praticado é de averbação.

Diante do exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso, com observação.

GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível nº 1132901-47.2016.8.26.0100

Apelante: Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil Previ

Apelado: 5º Oficial de Registro de Imóveis da comarca de São Paulo

DECLARAÇÃO DE VOTO

VOTO Nº 43.853

1. A Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil Previ interpôs apelação contra sentença que julgou procedente dúvida suscitada pelo 5º Oficial de Registro de Imóveis da comarca de São Paulo (fls. 02-05, 16 e 46) e, assim, obstou ao ingresso de um negócio jurídico de retificação e ratificação de mútuo garantido por alienação fiduciária de imóvel.

Segundo a sentença (fls. 111-114), o registro não pode ser feito como rogado, porque o título causal, sendo própria e verdadeira novação, implica extinção da alienação fiduciária já existente. Logo, a inscrição solicitada só poderia ser deferida se o interessado promovesse o registro de nova garantia, depois de cancelar a vigente.

A apelante alega que, conforme apurado ao longo do processo, essa averbação é nula, de modo que o registro é possível.

2. No direito brasileiro, os direitos reais de garantia, em geral, e a alienação fiduciária em garantia, em particular, são rigorosamente acessórios. Isto é: tais direitos supõem, subjacentes a eles, negócios jurídicos de dívida a cujo cumprimento sirvam assegurar (Código Civil, art. 1.419, verbis “a coisa dada em garantia fica sujeita… ao cumprimento da obrigação”, e art. 1.424, IIII; Lei n. 9.514, de 20 de novembro de 1997, art. 22, verbis “com o escopo de garantia”, art. 24, I-III).

Nessa direção, são as lições da melhor doutrina:

“O que caracteriza esta classe de direitos é a íntima conexão, em que se acham com as obrigações, cujo cumprimento asseguram, das quais dependem e são acessórios.” (Clóvis Beviláqua, Código Civil Comentado, 11ª ed., Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1955, vol. III, p. 255)

“Na dinâmica delineada pela lei, o devedor (fiduciante), sendo proprietário de um imóvel, aliena-o ao credor (fiduciário) a título de garantia; a propriedade assim adquirida tem caráter resolúvel, vinculada ao pagamento da dívida…” (Melhim Namem Chalhub, Alienação fiduciária: Negócio Fiduciário, 5ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2017, p. 242).

Disso decorre que, extinto o negócio subjacente, extingue-se também o direito real de garantia (Código Civil, art. 1.499, I-VI; Lei n. 9.514/1997, arts. 25 e 26). Ora, se a novação (Código Civil, arts. 360-367) é causa extintiva das obrigações, então por via reflexa ela, em via de regra, também fulmina a garantia real imobiliária, seja hipoteca (Código Civil, art. 1.499, I), seja alienação fiduciária (argumento ao art. 25, caput, da Lei n. 9.514/1997). O art. 364 do Código Civil, aliás, é claro neste ponto e expressamente determina que a novação extingue os acessórios e garantias da dívida, sempre que não houver estipulação em contrário.

Nessa linha situa-se a jurisprudência deste Conselho Superior da Magistratura, quando afirma que, constatada a existência de novação, em geral se fazem necessários (a) o cancelamento da alienação fiduciária já existente, por averbação, e (b) a constituição de nova garantia, por registro stricto sensu.

3. Sendo pacífica tal orientação, o problema destes autos cinge-se a saber se, em primeiro lugar, ocorreu ou não novação no caso concreto e, em segundo lugar, se, tendo ocorrido a novação, houve ou não extinção da alienação fiduciária existente, com a necessidade de constituir-se outra.

A resposta tem de ser negativa a ambas as questões.

De um lado, as partes contratantes expressamente declararam que não tinham intenção de novar, do que se extrai, segundo a letra do art. 361 do Código Civil, que o novo contrato simplesmente confirmou o primeiro. Veja-se, quanto a isso, a ressalva expressa posta a fls. 35-36: “A presente alteração de condições contratuais tem como objetivo proceder ao ajuste financeiro da dívida originária de financiamento imobiliário… passando o Financiamento a ser regido pelas condições e cláusulas do presente ADITIVO… que, junto com os instrumentos anteriores, passa a constituir um todo único e indivisível…”.

Mais que isso, o novo ajuste não fez mais que readequar, com atualização, o montante da dívida total, o prazo de pagamento, a data do adimplemento da primeira parcela e o valor mensal por adimplir (fls. 02 e 35). Ou seja: não se contraiu nova dívida, nem houve sucessão de novo devedor, nem se deu substituição de credor em virtude de obrigação nova, como exige art. 360 do Código Civil para que se caracterize a novação. Em verdade, tudo o que se fez consistiu em tornar o modo de adimplemento mais compatível às condições presentes dos devedores, a fim de salvar e manter o ajuste primitivo, e não para substitui-lo.

Nesse sentido:

“O animus novandi não se presume. […] Se apenas se altera o que existia e persiste, novação não houve. […] Mudança, apenas, de prazo não é novação (2ª Turma do Supremo Tribunal Federal, 10 de janeiro de 1947, R. F., 111, 413); nem simples aumento ou diminuição da prestação devida; nem a dação de garantia real ou pessoal; nem a promessa de dação de garantia real ou pessoal; nem a reprodução por outra forma (e. g., escritura pública, em vez do instrumento particular); nem a alteração da taxa de juros ou da espécie de interesses, salvo se atinge à dívida principal em sua natureza; nem sobre o lugar e modo de execução; nem a concordata; nem o pagamento parcial ou adiantado da dívida (cf. José Soriano de Sousa Neto, Da Novação, 138 s.)” (Pontes de Miranda, Tratado de Direito Privado, 3ª edição, Rio de Janeiro: Borsoi, 1971, tomo XXV, p. 73-74, § 3.019, n. 2).

“Assim, a reforma do título, a prorrogação do prazo para o pagamento, a exigência de novas garantias têm, apenas, o efeito de roborar a obrigação, sem nová-la” (Clóvis Beviláqua, Código Civil Comentado, 11ª ed., Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1958, vol. IV, p. 125)

“Um dos requisitos imprescindíveis para a novação é o animus novandi. Aliás, o próprio art. 361, do Código Civil, é expresso ao afirmar que somente há novação quando as partes têm o ânimo de novar. […] Nesses termos, nas circunstâncias onde a alteração do contrato diz tão somente a questões de prorrogação de prazo ou alteração da taxa de juros, permanecendo a garantia inalterada, não se pode falar em novação, sob pena de violação frontal ao texto legal do Código Civil.” (Alexandre Junqueira Gomide, Da inexistência de novação em aditamentos contratuais e da desnecessidade de constituição de nova garantia fiduciária, in Mauro Antônio Rocha e Marcus Vinicius Kikunaga, Alienação Fiduciária de Bem Imóvel: 20 anos da Lei n. 9.514/1997 Aspectos Polêmicos, São Paulo: Lepanto, 2018, p. 52-54).

“[…] é mister reconhecer que não se trata de qualquer alteração na obrigação original que resultará em novação, sendo necessário ainda a verificação de todos os pressupostos… para configuração do instituto da novação e imputação dos seus efeitos às partes interessadas e terceiros, se e conforme aplicável. […] No âmbito registrário ou seja, no que diz respeito ao assento imobiliário dos aditamentos de alienações fiduciárias a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo, surpreendentemente, tem se orientado de forma contraditória com o entendimento do Tribunal de Justiça […] verificou-se que alterações do negócio original garantido por alienação fiduciária via aditamento contratual, tendo como objeto, por exemplo ‘alteração do valor da dívida’, ‘alteração da forma de pagamento’, ‘taxa de juros’, ‘condições de pagamento’, ‘alteração do valor da parcela’, ainda que em condições favoráveis ao devedor e sem a mudança do polo credor ou devedor, têm sido consideradas como um novo negócio jurídico e importam novação. Tais decisões, no nosso entendimento, não adentram com a profundidade necessária no conceito estrito da novação e seus pressupostos, acima explorados, a fim de justificar ou esclarecer as razões pelas quais a alteração de elementos do negócio fiduciário importa em novação.” (Eduardo Tristão, Wanessa Santana de Oliveira e Felipe Lobo, (Im)possibilidade de aditamento de alienação fiduciária, sem caracterização de novação e necessidade de formalização de nova garantia fiduciária, in Mauro Antônio Rocha e Marcus Vinicius Kikunaga, op. cit., p. 71-73).

Por outro lado, ainda que se reconheça novação, fato é que as partes preferiram manter a garantia original, como expressamente lhes permite a primeira parte do art. 364 do Código Civil. Isso já é o bastante para que o título apresente ingresse para que sejam averbadas as novas circunstâncias do adimplemento, pois essa é ocorrência que altera o registro (Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973, art. 246, caput).

Novamente:

“Importante mencionar que, ainda naquelas hipóteses em que fosse do ânimo das partes novar, as garantias da dívida prestadas pelo próprio devedor (em outras palavras, alienação fiduciária) poderiam permanecer inalteradas, se assim expressamente conviessem as partes.” (Eduardo Tristão, Wanessa Santana de Oliveira e Felipe Lobo, op. cit., p. 68).

Em suma: novação não houve. Aliás, as partes ressalvaram a subsistência da alienação fiduciária original. Logo, não era caso de exigir-se extinção da garantia prévia e o registro de nova. Basta, no caso, a averbação das novas circunstâncias de adimplemento, de modo que a dúvida é improcedente.

4. Ante o exposto, DÁ-SE PROVIMENTO À DÚVIDA.

ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO

Vice-Presidente do Tribunal de Justiça

VOTO Nº 31.666

Apelação nº 1132901-47.2016.8.26.0100

Comarca: São Paulo

Apelante: Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil – Previ

Apelado: 5º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital

Interessado: Federação Brasileira de Bancos – Febraban (Amicus Curiae)

Parte: Renata Infante Monteiro da Costa

DECLARAÇÃO DE VOTO

Vistos, etc.

Adotado o relatório do Exmo. Sr. Corregedor Geral da Justiça, divirjo, respeitosamente, da r. solução para a questão, não obstante os relevantes fundamentos expendidos.

Entendo que o núcleo da controvérsia reside em se, já tendo havido registro anteriormente efetuado na matrícula de imóvel, a renegociação do saldo devedor entre as partes configuraria ou não novação, sendo que, positiva esta resposta, haveria óbice ao registro do aditivo.

In casu, em que pese tenha havido alteração entre os valores iniciais da dívida constantes dos autos, a meu aviso e apoiado que estou em jurisprudência desta Corte, entendo que a repactuação do prazo não tem o condão de configurar o animus novandi, mesmo porque basta conferir que o quantum (saldo remanescente) permaneceu o mesmo, antes e depois do acordo (R$ 455.562,53, memoriais, fls. 2).

Neste sentido, o Agravo de Instrumento nº 2218473-60.2016.8.26.0000, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Relator Desembargador Francisco Loureiro, votação unânime, julgado em 9 de dezembro de 2.016, com a participação dos Desembargadores Cesar Ciampolini e Fortes Barbosa: ”Recuperação Judicial. Impugnação. Falta de registro do aditamento do contrato, que apenas modificou a forma de pagamento. Propriedade fiduciária sobre direitos creditórios e sobre bens móveis foi constituída antes da distribuição do pedido de recuperação judicial. Cláusulas modificadas não tiveram natureza de novação do contrato originário, mas somente ajustes com o fim de viabilizar o seu adimplemento. Inteligência do artigo 361 do Código Civil. Mera renegociação de dívida que não exige novo registro do contrato para fins de revalidação da garantia. Período de stay que já decorreu há muito tempo. Recurso não provido.”. E, mais adiante: ”As cláusulas modificadas não tiveram natureza de novação do contrato originário, mas somente ajustes com o fim de viabilizar o seu adimplemento. Na lição de melhor doutrina, ‘se a modificação é de pouca importância para o conteúdo da prestação, não há novação, como ocorre quando o devedor aceita parcelar uma dívida à vista, concorda em fazer um pequeno abatimento do valor, ou quando há reforço de garantia’ (Hamid Charaf Bdine, Código Civil Comentado, diversos autores coordenados pelo Ministro César Peluso, Manole, 2ª Edição, p. 318). O artigo 361 do Código Civil complementa tal diretriz, ao fixar que ‘não havendo ânimo de novar, expresso ou tácito, mas inequívoca, a segunda obrigação simplesmente confirma a primeira’. Ainda na lição de Hamid Charaf Bdine, ‘a intenção de novar é identificada, em geral, na incompatibilidade entre a antiga e a nova obrigação. Na novação, é essencial que exista uma obrigação pendente de cumprimento para que outra seja criada em substituição. Alterações de prazo de pagamento, mudanças da taxa de juros e cláusula penal e reforço de garantias não revelam a intenção de novar’ (Código Civil, cit., página 355). Não vejo qualquer incompatibilidade entre o perfil original e o atual da obrigação. O caso envolve mera renegociação de dívida, na qual a parcela vencida é consolidada e o pagamento repactuado, de maneira que descabida a alegação da agravante, no sentido de que houve novação e, por consequência, a necessidade de novo registro.”.

E, ainda: Apelação nº 0003146-60.2004. 8.26.0438, 19ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador João Camillo de Almeida Prado Costa, votação unânime, julgado em 27 de novembro de 2.013: ”sendo admissível então que a revisão postulada pelo devedor retroaja ao primeiro contrato firmado na hipótese em que, como se verificou no caso em análise, há perfeito encadeamento e não ocorreu efetiva novação, pois não houve propriamente quitação da obrigação anterior, mas mera continuidade negocial consubstanciada nos sucessivos contratos firmados, o que autoriza o entendimento de que os pactos posteriores representam meras renegociações dos precedentes”; Apelação nº 1000888-67. 2015.8.26.0602, 18ª Câmara de Direito Privado, Relator Desembargador Edson Luiz de Queiroz, votação unânime, julgado em 2 de agosto de 2.016: ”Aditamento à confissão de dívida que expressamente dispõe que as demais cláusulas prosseguem sem alteração. Aplicação do artigo 361 do Código Civil. Animus novandi que não se presume. Inexistentes indícios do ânimo de inovar com a realização do aditamento do instrumento de confissão de dívida. Embargante que reconhece o débito. Pagamentos parciais efetuados antes da subscrição do termo de confissão de dívida. Prosseguimento da execução do título extrajudicial. Preliminar rejeitada. Recurso não provido.”.

E ressalto, por oportuno, a cláusula 13 do contrato: ”a garantia anteriormente constituída em favor da PREVI, por meio de hipoteca ou alienação fiduciária permanece em vigor, ficando prorrogada até o integral pagamento da dívida”.

Não se pode deixar de considerar a grave situação econômica do País e, caso mantido o r. decisum de Primeiro Grau, desde logo os contratantes, obviamente, estarão submetidos a aumento do custo registral, sem fundamento legal inequívoco para esta cobrança.

Igualmente e, ex vi legis, o não reconhecimento da novação importará, neste difícil momento de crise nacional, a manutenção do mercado imobiliário e seu aquecimento, bem como favorecerá, por evidente, futuras incorporações e, assim, desde logo, anoto que não há que se falar, então, em prejuízos aos cartórios de registro.

Outrossim, caso haja terceiros interessados sobre tal repactuação, por analogia, trago à cotejo a Súmula nº 286 do Colendo Superior Tribunal de Justiça: ”A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores.”.

Entendo importante, também, trazer à discussão parte dos argumentos sustentados pela FEBRABAN: ”Ademais, ultrapassando o caso concreto para avaliar a celeuma em âmbito nacional, demonstrou-se que as renegociações contratuais, como a que ocorre no caso concreto, representam aproximadamente 7% do volume de saldo remanescente na carteira de crédito imobiliário, o equivalente a 41,3 bilhões de reais. Contudo, a exigência de novo registro diante de renegociações, para constituição de nova garantia, tal como a que é objeto do caso em tela, ensejará, sem dúvida, enorme desestímulo aos maiores propósitos do sistema processual vigente, já que as instituições financeiras nãopodem correr o risco de ver suas garantias esvaziadas por conta da renegociação. Ou seja, entre o risco de vulnerar as garantias e a execução judicial ou extrajudicial de seuscréditos, as instituições financeiras serão obrigadas a optar por promover as medidas executivas, deixando de celebrar os acordos que, como exaustivamente demonstrado, nãoconstituem novação de dívida, mas mera reprogramação da forma de pagamento.”.

Por fim, observo que o conceito de novação não sofreu alteração desde a vigência do presente Código Civil; a Lei nº 9.514/97, que dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, não veda a alteração do negócio fiduciário (acessório) e, ainda, reconheço a evidente dificuldade interpretativa sobre o instituto civil em tela, até porque a doutrina não oferece parâmetros específicos para conclusão e, por consequência, nesta Corte não é unânime a jurisprudência referente à matéria, ainda que em abstrato.

Pelo exposto, com a devida venia aos demais posicionamentos, entendo que, no presente caso, a repactuação da dívida não sofreu alterações substanciais a ponto de configurar a novação e, por consequência, impedir o registro do aditivo.

XAVIER DE AQUINO

Desembargador Decano

APELAÇÃO Nº 1132901-47.2016.8.26.0100

APELANTE: CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS FUNCIONÁRIOS DO BANCO DO BRASIL PREVI

APELADO: 5º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA CAPITAL

INTERESSADO: FEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BANCOS FEBRABAN (AMICUS CURIAE)

PARTE: RENATA INFANTE MONTEIRO DA COSA

VOTO CONVERGENTE Nº 29.755

Adoto o relatório do eminente DES. PINHEIRO FRANCO, Exmo. Sr. Corregedor Geral da Justiça, Relator natural do feito.

Aderindo à solução dada pelo E. Relator ao caso concreto, manifesto-me, tão somente, para salientar a necessária análise do aspecto fático de cada caso para se aferir, em concreto, a existência ou não de novação em casos de repactuação de contratos de financiamento.

O caso concreto não indica a ocorrência de novação, mas apenas a confirmação da obrigação anterior, com a pactuação de novo prazo de pagamento, ou seja, alongamento da dívida, mantidas as demais características da obrigação, a afastar o reconhecimento tácito da intenção de novar.

O contrato originário, de mútuo feneratício com constituição de garantia pela alienação fiduciária do imóvel financiado, estabeleceu-se pelo valor global de R$ 438.595,61 (valor implantado em 26/11/2015), a ser pago em 240 meses a partir de 20/12/2015, com juros anuais de 5,0 %. Após a implantação do crédito e o início dos pagamentos, consolidou-se o saldo devedor no valor de R$ 455.562,53, após o último pagamento em 20/07/2016.

Não se estranha a elevação do saldo devedor apesar dos sucessivos pagamentos do débito originário, por se tratar de método de amortização por valor mensal fixo e correção variável, com parcela fixa e variação da quitação dos juros vencidos e do saldo devedor, levando ao crescimento inicial do saldo devedor pela amortização superior dos juros e final do valor de quitação do financiamento, com redução do saldo de juros.

Este saldo devedor foi repactuado para pagamento em novos 240 meses, com a mesma taxa de juros (5% a.a.) e alongamento do prazo de pagamento, mantendo-se a garantia constituída pela alienação fiduciária. O valor da operação de repactuação (R$ 455.562,53) é exatamente o mesmo do saldo devedor à época, não se observando a entrega de outros valores à devedora, mas simples alongamento do prazo para pagamento da dívida, com escalonamento dos novos pagamentos a partir de 20/08/2016.

Da análise concreta do negócio, não há como se concluir pela existência de novação, prevalecendo a declaração das partes no sentido da inexistência de animus novandi e da manutenção das garantias originariamente contratadas.

A novação exige para sua configuração, ainda, a ocorrência expressa da quitação da obrigação anterior, sem o que não se compõe a fattispecie. No dizer sempre abalizado de Orlando Gomes:

“Trata-se de modo extintivo não satisfatório. Não produz, como o pagamento e a compensação, a satisfação imediata do crédito. O credor não recebe a dívida, nem deixa de pagar o que deve a seu devedor, simplesmente adquire outro direito de crédito ou passa a exercê-lo contra outra pessoa” (Obrigações, 18ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 140).

A exigência de diversidade substancial para o reconhecimento da novação decorre da necessidade de se extinguir a dívida por ato de vontade, não se configurando nos casos em que não se observa a modificação de tal substância do negócio, mas apenas elementos acessórios e secundários da mesma.

Novamente com escólio na doutrina de Orlando Gomes, amparado nas lições de Ruggiero, tem-se que “a novação só se configura, ao contrário do que ocorria no Direito romano, se houver diversidade substancial entre as duas dívidas, a nova e a anterior. Não há novação quando apenas se verifiquem acréscimos ou outras alterações secundárias na dívida, como, por exemplo, a estipulação de juros, a exclusão de uma garantia, o encurtamento do prazo de vencimento e, ainda, a aposição de um termo.” (Obrigações, p. 140)

Nem se diga que o animus novandi, necessário ao reconhecimento de qualquer novação, embora reconhecível de forma expressa ou tácita, possa ser, de qualquer forma, presumido (Orlando Gomes, Obrigações, p. 141), havendo de se concluir, em caso de reconhecimento tácito, a partir de circunstâncias objetivas verificáveis de plano no novo negócio jurídico realizado.

Deve-se observar, para que ocorra a novação, uma das três alterações essenciais do negócio jurídico, a permitir o reconhecimento do surgimento de nova relação obrigação, substitutiva da anterior, quais sejam, a mudança do objeto principal da obrigação, a mudança da natureza da obrigação ou a mudança na causa jurídica.

Conforme posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, “não havendo a substituição da obrigação em si, de sua natureza (obrigação de entregar ao banco o capital originariamente emprestado, acrescido de encargos financeiros), em regra, é inviável falar em novação objetiva, ainda que a Casa Bancária e o devedor efetuem a confissão e renegociação de dívida existente, e mesmo que implique o seu prolongamento, a redução dos encargos pactuados, a modificação da taxa de juros, a concessão de prazo de carência ou a redução do débito. (…) A reforma do título, a prorrogação do prazo para pagamento, a existência de novas garantias têm apenas o efeito de roborar a obrigação, sem nová-la.(…) os requisitos essenciais à configuração da novação são: a) a intenção de novar; b) a preexistência de obrigação; c) a criação de nova obrigação, que também pode ser reconhecida em razão da sua evidente incompatibilidade com a anterior” (REsp 1.257.350/AL Rel. MIN. LUIS FELIPE SALOMÃO j. 23.10.2018 DJe 21.11.2018)

Não há aqui mudança do objeto principal da obrigação (empréstimo para aquisição de imóvel e pagamento a prazo e valores certos), nem da natureza da relação jurídica obrigacional (obrigação pura e simples de pagar quantia em dinheiro) ou da causa jurídica (mantém a obrigação do devedor por conta do mútuo anterior, não havendo disponibilização de novo numerário por conta do novo negócio). Ou seja, não há mudança alguma na substância da obrigação, mas apenas em seus elementos acessórios, quais sejam, o prazo de pagamento e a correção do saldo devedor.

Nem mesmo a taxa de juros contratada, que é a mesma nos dois negócios (5% a.a.), seria suficiente para se reconhecer a alteração substancial do negócio.

No caso concreto, não se observa quaisquer das três mudanças essenciais ao reconhecimento da novação, nem se tem impossibilidade de sobrevivência concomitante de ambas, ou seja, da original e a derivada, esta com as alterações acessórias levadas a cabo pelo instrumento de alteração contratual.

Há, portanto, continuidade da mesma relação negocial, o que afasta o reconhecimento da novação, conforme posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça: AgRg no REsp 588.241/MG, Rel. MIN. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, 3ª T., j. 21.09.2004; REsp 500.011/PR, Rel. MIN. CASTRO FILHO, 3ª T., j. 21.10.2003.

Não se desconhece a existência de precedentes da E. Corregedoria Geral de Justiça, no sentido da existência de novação pela renegociação de contratos quanto ao valor do débito e do prazo de pagamento.

Mas há de se observar, de fato, que os dois primeiros precedentes recorrentemente citados, o primeiro, elaborado pelo Juiz Luciano Gonçalves Paes Leme e aprovado pelo então Corregedor Geral, DES. JOSÉ RENATO NALINI (Proc. 2013/146.225 Decisão: 03.12.2013), tratava-se verdadeiramente de novação, já que houve não só majoração do débito, mas de sua composição “os débitos de duas quotas [consorciais] foram excluídos, pois extintas as obrigações condizentes, e os de duas outras participam.”

Ou seja, naquele precedente, houve de fato novação, pois o objeto certo do débito [cotas consorciais] fora em parte alterado, com a quitação de exclusão de duas cotas e a inclusão, em seu lugar, de outras duas, caracterizando-se típica modificação do objeto do negócio jurídico a caracterizar a novação.

A mesma situação novação por conta da alteração do objeto do negócio, com a inclusão de nova cota de consórcio na composição do saldo devedor foi reconhecida no segundo precedente (Proc. 2013/00151796), com parecer de lavra do Juiz Gabriel Pires de Campos Sormani, aprovado pelo então Corregedor Geral, DES. HAMILTON ELLIOT AKEL, em 21/01/2014.

Entretanto, foram tais precedentes adotados como razão de decidir em casos sucessivos, nos quais, s.m.j., não se observa a alteração substancial do negócio necessária à conformação da novação, pois limitada à renegociação do saldo devedor, com concessão de novo prazo de pagamento, com alteração da taxa de juros e de atualização, sem que houvesse disponibilização de numerário ao devedor, ou seja, sem alteração substancial da obrigação original que não fora quitada, mas apenas tivera alongado seu prazo de pagamento com modificação de condições acessórias.

É o caso concreto, friso, que irá dizer se há ou não novação pela renegociação do débito, como bem reconhecido nos processos administrativos 1087321-57.2017.8.26.0100, 0009083-85.2017.8.26.0344 e não por uma formulação genérica no sentido de que toda repactuação que altere o valor pela correção do saldo devedor, prazo e encargos para o pagamento futuro, caracterize uma novação.

Nem se diga, concretamente, pela necessidade de se ultrapassarem os limites da atuação do registrador para a qualificação do ato para seu registro, pois a análise do negócio jurídico e as conclusões pela inexistência de novação não demandam interpretação extensiva ou restritiva do negócio, mas mera leitura das cláusulas contratuais e dos documentos que instruem o pedido. Aqui, é evidente, a partir dos dois contratos e da planilha de débitos apresentada, a existência de simples alongamento da dívida, com ampliação de seu prazo de pagamento, sem que houvesse nova entrega de numerário à parte devedora ou alteração substancial do objeto negocial.

A qualificação registral, enquanto ato de prudência do registrador sujeito ao princípio da legalidade, não pode significar uma interpretação ampliativa sobre a vontade não declarada das partes. Ao contrário, a partir do conteúdo expressado negócio reconhece, dentro do princípio da legalidade, que o fora de forma legal e apta ao ingresso no registro, sem que isto signifique julgamento da vontade real ou de eventual simulação a atingir interesses de terceiros. Assim, a menos que do negócio expresso no título se extraia conclusão contrária à vontade declarada, quando então se fará juízo negativo à qualificação, não há como se interpretar de forma ampliativa a vontade legalmente manifestada pelas partes, afastando-se daquela.

E nunca é demais repisar que não se vê, no presente caso, a partir do próprio instrumento negocial, situação concreta a justificar a recusa do título por se tratar de simulação objetiva relativa, quando se declara aquilo que não é, no caso, não ser novação aquilo que é. Em verdade, declarando as partes inexistência de novação e não havendo no título exibido e no negócio subjacente qualquer elemento a indicar modificação de substância suficiente ao reconhecimento da novação, não há motivos legais para a recusa do registro, seja da repactuação, seja da própria mantença das garantias ofertadas originariamente.

Eventual argumento a respeito da possível ocorrência de fraude ao interesse de outros credores pelo alongamento da garantia estabelecida para nova obrigação, além de não ter respaldo fático pela já reconhecida inexistência de novação, ultrapassa os limites da própria atuação do registrador na qualificação registral.

Para além de se tratar de interesse privado que não integra o ato do registro e a qualificação em si, por não dizer respeito aos limites objetivos da qualificação ao ato a ser qualificado e sua potência de ingresso na tábula, ter-se-ia imposição, ao registrador, de realização de diligência ou interpretação externa do ato, atingindo negócios jurídicos e esferas de interesses que não dizem respeito ao registro em si.

No dizer DO DES. RICARDO DIP:

“O recorte negativo pode se sintetizar nesta redução: quod non est in tabula et in instrumentum non est in mundo”. A qualificação registraria move-se dentro desses lindes, inadmitindo-se sua projeção a diligências exógenas desses supostos epistêmicos objetivos. Não cabe, em geral, a inquirição de uma realidade extratabular, nem a oposição do conhecimento privado do registrador (Ascensão, 42), tampouco a consideração de provas não-literais (que não integrem, originariamente ou por supervenção, o título apresentado a registro)” (Sobre a qualificação no registro de imóveis. In Registro de Imóveis: (vários estudos). Porto Alegre: IRIB: Sérgio Antonio Fabris Ed., 2005, pp. 191/192).

Portanto, tem-se a inexistência de novação pela simples repactuação que objetiva o alongamento do prazo de pagamento da dívida, sem alteração da substância do negócio ou recebimento de novos valores pelo devedor, mantendo-se as garantias originárias.

A qualificação registral não pode ultrapassar limites estabelecidos pela legislação para o ato de prudência registral, interpretando o negócio de maneira contrária a aquela declarada pelas partes, sem que haja elemento ali expresso, no próprio título, a indicar a existência de simulação. Eventual questão atinente aos efeitos da manutenção da garantia fiduciária, por conta do alongamento do prazo para pagamento da dívida, ultrapassa os limites internos da qualificação, por se tratar de interesse privado, de terceiros e externo ao ato, sujeitando-se ao princípio restritivo da instância.

A partir de tais fundamentos, de fato e de direito, não procede a recusa ao registro do título nos termos em que lavrado, devendo a dúvida ser julgada improcedente.

Ante o exposto, aderindo à r. decisão do E. Corregedor Geral da Justiça, voto pelo provimento do recurso, a fim de julgar improcedente a dúvida e determinar a averbação do documento.

FERNANDO TORRES GARCIA

Presidente da Seção de Direito Criminal

Notas:

[1] Fls. 122/135.

[2] Fls. 154/155.

[3] Fls. 243/246.

[4] Fls. 165/192 e 251/253.

[5] Fls. 262/263.

[6] Notas de devolução a fls. 16 e 46/47.

[7] Fls. 56.

[8] Fls. 35.

[9] Fls. 35/36.

[10] Fls. 42.

[11] Parecer 143/2018-E – Categoria: Organização de Serviço Processo: 0009083-85.2017.8.26.0344; Autor(es) do Parecer: Marcelo Benacchio; Corregedor: Geraldo Francisco Pinheiro Franco; Data da Decisão: 4/4/2018; Data do Parecer: 4/4/2018 – Ementa: Registro de Imóveis – Aditamento de cédula de crédito bancário. Terceiro aditamento com modificação do principal, prazo e taxa de Juros. Ânimo de novar e não de mera ratificação da obrigação antes às circunstâncias existentes – Recurso não provido. 

(DJe de 31.01.2019 – SP)