CGJ|SP: Incidência do desconto previsto no item 1.6. (especialidade de Notas), da Lei de Emolumentos, a toda escritura pública de compra e venda que tenha por objeto lote enquadrado no parágrafo 6º, da Lei n. 6.766/79. Manutenção do entendimento da Corregedoria Geral da Justiça. Não revogação do artigo 26, parágrafo 6º, da Lei n. 6.766/79 pelo artigo 167, inciso II, 32., da Lei de Registros Públicos, com a redação dada pela Lei n. 13.465/17 – Requerimento indeferido.

PROCESSO Nº 2017/106303 – SÃO PAULO – CORREGEDORIA GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO.

(194/2018-E)

Excelentíssimo Senhor Corregedor Geral da Justiça,

Incidência do desconto previsto no item 1.6. (especialidade de Notas), da Lei de Emolumentos, a toda escritura pública de compra e venda que tenha por objeto lote enquadrado no parágrafo 6º, da Lei n. 6.766/79. Manutenção do entendimento da Corregedoria Geral da Justiça. Não revogação do artigo 26, parágrafo 6º, da Lei n. 6.766/79 pelo artigo 167, inciso II, 32., da Lei de Registros Públicos, com a redação dada pela Lei n. 13.465/17 – Requerimento indeferido.

Trata-se de requerimento dos D. Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo e Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo referindo a revogação do disposto no artigo 26, parágrafo 6º, da Lei n. 6.766/79 ou, sucessivamente, a modificação do precedente desta Corregedoria Geral da Justiça de molde a não caber concessão de desconto de emolumentos para as escrituras públicas lavradas em cumprimento a contrato de compromisso de compra e venda (a fls. 47/66).

O Instituto de Registro Imobiliário do Brasil mencionou a excepcionalidade do compromisso de compra e venda servir de causa à transmissão da propriedade ao lado da regra geral do contrato de compra e venda constante do artigo 108 do Código Civil (a fls. 83/89).

É o breve relatório.

No presente processo administrativo foi fixado precedente administrativo no sentido de que o “desconto previsto no item 1.6. (especialidade de Notas), da Lei de Emolumentos, aplica-se a toda escritura pública de compra e venda que tenha por objeto lote enquadrado no parágrafo 6º, da Lei n. 6.766/79”; conforme publicação no DJE (a fls. 24/31 e 35/44).

Passamos ao exame das alegações dos Doutos CNB – Seção São Paulo e ARISP por meio das quais é pretendida a modificação da referida orientação.

O primeiro argumento a ser analisado envolve a eventual revogação tácita do art. 26, parágrafo 6º, da Lei n. 6.766/79 pelo artigo 167, inciso II, 32., da Lei de Registros Públicos, com a redação dada pela Lei n. 13.465/17.

O artigo 26, parágrafo 6º, da Lei n. 6.766/79, estabelece:

§ 6º Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva prova de quitação.

De outra parte, o artigo 167, inciso II, 32., da Lei de Registros Públicos, prescreve:

II – a averbação:

32. do termo de quitação de contrato de compromisso de compra e venda registrado e do termo de quitação dos instrumentos públicos ou privados oriundos da implantação de empreendimentos ou de processo de regularização fundiária, firmado pelo empreendedor proprietário de imóvel ou pelo promotor do empreendimento ou da regularização fundiária objeto de loteamento, desmembramento, condomínio de qualquer modalidade ou de regularização fundiária, exclusivamente para fins de exoneração da sua responsabilidade sobre tributos municipais incidentes sobre o imóvel perante o Município, não implicando transferência de domínio ao compromissário comprador ou ao beneficiário da regularização.

Não obstante a respeitável compreensão exposta, as hipóteses tratadas nos diplomas legislativos indicados são diversas.

A previsão contida no artigo 167, inciso II, 32., da Lei de Registros Públicos é uma norma específica para fins de exoneração de responsabilidade tributária pelo promitente vendedor; como consta do início de seu quarto final “exclusivamente para fins de exoneração da sua responsabilidade sobre tributos municipais incidentes sobre o imóvel perante o Município” (grifos meus).

Aliás, a parte final, ao estabelecer “não implicando transferência de domínio ao compromissário comprador ou ao beneficiário da regularização”, aclara a situação do aspecto tributário, do contrário, competiria ao promitente vendedor responsabilidade pela comprovação do recolhimento do imposto de transmissão para realização da averbação.

A averbação do termo de quitação do compromisso de compra e venda registrado, no aspecto em comento, tem um fim exclusivo – exoneração de responsabilidade tributária.

De outra parte, a previsão contida no artigo 26, parágrafo 6º, da Lei n. 6.766/79, regula fenômeno jurídico diverso, qual seja, a transmissão da propriedade imobiliária pelo registro do título, situação jurídica absolutamente diferente da exclusão da responsabilidade sobre tributos municipais.

Mas não é só.

A adoção da interpretação sugerida implicaria na exclusão do disposto no artigo 26, parágrafo 6º, da Lei n. 6.766/79 do sistema jurídico.

Nesse momento, de ausência de precedentes jurisdicionais e administrativos a respeito, a interpretação merece ser realizada com utilização da prudência e do comedimento, sobretudo na via administrativa.

A prudência (sensatez), objeto das considerações de Aristóteles (Ética a nicômaco. São Paulo: Atlas, 2009, p. 140), calham no presente:

Se, por conseguinte, deliberar bem é próprio dos sensatos, a boa deliberação será a correção de deliberação a respeito do que é conveniente como meio para o fim, do qual a sensatez tem uma concepção verdadeira.

A Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657/42) concede foros normativos ao juízo prudencial no âmbito administrativo, em consideração de suas consequências, como consta de seu artigo 20, caput:

Art. 20. Nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão.

Ainda que a interpretação se volte ao Direito e a aplicação se volte ao fato da vida, não é possível separação absoluta entre esses momentos ante a ínsita comunicação existente entre eles (Zagrebelsky, Gustavo. La legge e la sua giustizia. Bologna: Il Mulino, 2008, p. 163).

Nessa ordem de ideias, qualquer que seja o raciocínio eleito, respeitosamente, não há elementos seguros para conclusão da revogação tácita defendida.

Passamos ao exame do segundo argumento – a submissão do compromisso de compra e venda à regra de forma prevista no artigo 108 do Código Civil e, também, violação às regras de direito tributário incidentes.

A compreensão da interpretação e aplicação do disposto no artigo 26, parágrafo 6º, da Lei n. 6.766/79, a qualquer loteamento regular é assente no C. Conselho Superior da Magistratura desde o julgamento da Apelação Cível n. 0012161- 30.2010.8.26.0604, em 06.10.2011; o que vem sendo seguido pela Corregedoria Geral da Justiça a exemplo do decidido no Processo n. 35.956/2014, em 22.04.2014; consolidado na esfera deste processo administrativo.

O artigo 108 do Código Civil dispõe:

Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País. (grifos nossos)

O artigo em exame, no aspecto dos imóveis com valor superior a trinta salários mínimo, à partida, fixa a possibilidade legislativa de disposição legal diversa, destarte, há previsão de regramento excepcional, ou seja, a utilização de instrumento particular.

São hipóteses de exceção à regra geral, a constituição do direito de real de aquisição na forma do artigo 1.417 do Código Civil e as transmissões da propriedade imobiliária previstas no artigo 61, parágrafo 5º, da Lei n. 4.380/64, artigo 38 da Lei n. 9.514/94 e artigos 53 e 64 da Lei n. 8.934/94.

Assim, o artigo 108 do Código Civil não obriga a forma pública em todas as transmissões imobiliárias ante a possibilidade de prescrições legais específicas, fora da regra geral.

No sistema brasileiro de aquisição de direitos reais imobiliários, o registro é constitutivo nos termos do artigo 1.245 do Código Civil.

O Brasil adota o sistema do título e modo, o qual, conforme Mónica Jardim (Efeitos substantivos do registro predial. Almedina: Coimbra, 2013, p. 51):

No sistema de título e modo a aquisição, modificação ou extinção dos direitos reais dependem de um título – fundamento jurídico ou causa que justifica a mutação jurídico-real – e de um modo: acto pelo qual se realiza efectivamente a aquisição, modificação ou extinção do direito real, acto através do qual se executa o prévio acordo de vontades.

A esta altura compete verificar a adequação do previsto no artigo 26, parágrafo 6º, da Lei n. 6.766/79, ao sistema do título e modo.

O compromisso de compra e venda de bem imóvel no Brasil é um relevante instrumento jurídico voltado às transferências imobiliárias com total aceitação social.

Apesar do absoluto respeito pela culta posição doutrinária acatada no r. parecer de fls. 24/31, humildemente, pensamos de forma diversa, pois, o compromisso de compra e venda, ainda que impróprio, não encerra uma espécie do contrato de compra e venda.

O compromisso de compra e venda utilizado de forma atípica (impróprio), com antecipação dos efeitos de direito material do contrato de compra e venda ou com finalidade de garantia para o recebimento do preço, não prescinde da celebração do contrato de compra e venda (contrato definitivo).

Francisco Eduardo Loureiro (Responsabilidade civil no compromisso de compra e venda. In: Tavares da Silva, Regina Beatriz. Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 168 e 169), tratando desses pontos, assevera pela necessidade da celebração do contrato definitivo, ainda como obrigação não principal, nos seguintes termos:

Uma nova e relevante função atípica a um contrato preliminar, via de regra não cogitada pela doutrina, é a de servir de instrumento de garantia ao recebimento do preço.

(…)

Situação diametralmente diversa é a dos contratos preliminares que têm por função apenas a garantia do preço parcelado, ou a obtenção de vantagens fiscais. Em tais funções, o contrato preliminar produz desde logo efeitos substanciais, e a celebração do contrato definitivo é apenas mais uma das obrigações – nem sempre a principal – assumida pelas partes.

Luiz Díez-Picazo e Antonio Gullón (Sistema de derecho civil. v. II. Madrid: Tecnos, 2001, p. 46), ao tratarem da causa do contrato afirmam:

En tal sentido, la causa puede ser definida como el propósito de alcanzar un determinado resultado empírico con el negocio.

Ahora bien, la dificultad radica en destacar cuál de los propósitos que se dan en el seno del querer interno de las partes va a poseer aquella cualidad.

Para que tenga relevancia el propósito há de ser común a las partes del negocio o, por lo menos, si una de ellas lo ha tenido, ha sido reconocido y no rechazado por la outra, que consiente en la celebración del negocio para alcanzarlo.

Cuando no exista un propósito específico, la causa se encuentra simplemente en el propósito de alcanzar la finalidade genérica del negocio, o, si se quiere decir de otra manera, la finalidad práctico-social del mismo. Así, en la compraventa será el intercambio de cosa por precio; en el arrendamiento, el intercambio del goce de cosa ajena a cambio de una merced; en la donación, el de enriquecer al donatario, etc. Esas finalidades han sido reconocidas previamente por el Derecho como merecedoras de protección, al tipificarse y regularse los negocios (compraventa, arrendamiento, donación, etc.).

Ainda que a causa do contrato não seja tratada de forma expressa no Código Civil é da estrutura da lei substantiva civil sua presença. A respeito afirma Rosa Maria Nery (É possível a convivência do princípio da autonomia privada com o da lealdade, dito da boa-fé objetiva? Revista de Direito Privado, São Paulo, vol. 73/2017, p. 20, Jan / 2017):

A formalidade da declaração de vontade, como mecanismo de segurança jurídica, nunca foi suficiente – desde os primórdios do direito privado – para deixar claro que, para além das formalidades alusivas à declaração de vontade, o direito privado não dispensava outro elemento para justificar as atribuições patrimoniais acrescidas ao patrimônio dos celebrantes de uma avença, e que esse elemento era a causa.

Causa é um elemento do negócio jurídico que não aparece tão claramente na sua estrutura tradicional, como a vemos concebida no CC 104 e artigos seguintes, mas que está absolutamente imbricada com a funcionalidade do contrato e com a justificabilidade das atribuições patrimoniais devidas aos celebrantes, por decorrência do negócio jurídico de que participaram.

A causa do compromisso de compra e venda é a celebração do contrato de compra e venda, em conformidade ao disposto no artigo 463 do Código Civil, portanto, acaso fosse modalidade de compra e venda desnecessário seria a celebração do contrato definitivo (compra e venda).

Nessa linha, como mencionado pelo Dr. Ivan Jacopetti do Lago, na manifestação do IRIB (a fls. 85/88), a possibilidade da consideração do compromisso de compra e venda enquanto espécie do gênero contrato de compra e venda teria melhor pertinência em sistemas com transmissão de propriedade pelo título, a exemplo dos sistemas francês e italiano.

O artigo 26, parágrafo 6º, da Lei n. 6.766/79, por incidência do princípio da heteronomia da vontade, fixa efeito substancial legal ao compromisso de compra e venda, como contrato definitivo fosse, mediante apresentação da prova da quitação do contrato.

Diante disso, a lei concede ao compromisso de compra e venda acrescido da quitação força de título translativo do direito real de propriedade, equiparando-o, no plano dos efeitos, ao contrato de compra e venda.

Nessa ordem de ideias, o compromisso de compra e venda realizado por instrumento particular, forma mais comum na realidade econômica, social e jurídica, mediante apresentação da quitação, ocorrerá outra hipótese de exceção ao fixado no artigo 108 do Código Civil, dada a natureza particular do título apresentado.

Acaso os compromissários optem pela realização do contrato mediante forma pública, ocorrendo exatamente a situação jurídica contida no artigo 26, parágrafo 6º, da Lei n. 6.766/79, incide o desconto previsto no item 1.6 das Notas Explicativas da Especialidade de Notas; porquanto o negócio jurídico admite forma particular.

Essa compreensão não flexibiliza ou expande a aplicação da disposição legal, pelo contrário, é limitada às escrituras públicas de venda e compra que tenha por objeto lote enquadrado no parágrafo 6º, do art. 26, da Lei n. 6.766/79 (a fls. 28).

Ante o exposto, respeitada a culta compreensão exposta pelas Doutas Associações, o parecer que, respeitosamente, submetemos à elevada apreciação de Vossa Excelência é no sentido da manutenção dos precedentes desta Corregedoria Geral da Justiça.

Sub Censura.

São Paulo, 09 de maio de 2018.

(a) Marcelo Benacchio

Juiz Assessor da Corregedoria

(a) José Marcelo Tossi Silva

Juiz Assessor da Corregedoria

(a) Paulo Cesar Batista dos Santos

Juiz Assessor da Corregedoria

(a) Stefânia Costa Amorim Requena

Juíza Assessora da Corregedoria

DECISÃO: Aprovo o parecer dos MM. Juízes Assessores da Corregedoria e, por seus fundamentos, que adoto, mantenho o entendimento desta Corregedoria Geral da Justiça acerca da incidência do desconto previsto no item 1.6. (especialidade de Notas), da Lei de Emolumentos, a toda escritura pública de compra e venda que tenha por objeto lote enquadrado no parágrafo 6º, da Lei n. 6.766/79. Encaminhe-se cópia do parecer e desta decisão aos D. Colégio Notarial do Brasil – Seção São Paulo, Associação dos Registradores Imobiliários de São Paulo e Instituto de Registro Imobiliário do Brasil. Publique-se o parecer e esta decisão no DJE. São Paulo, 11 de maio de 2018. (a) GERALDO FRANCISCO PINHEIRO FRANCO, Corregedor Geral da Justiça.

(DJe de 22.05.2018 – SP)