CSM|SP: Registro de Imóveis – Escritura de compra e venda – Outorga pela titular de domínio diretamente ao último cessionário – Existência de cessões intermediárias – Desnecessidade de anuência dos cedentes – Inexistência de afronta ao princípio da continuidade – Dúvida improcedente – Recurso provido.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA

Apelação nº 1035060-44.2015.8.26.0114

Registro: 2017.0000530805

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1035060-44.2015.8.26.0114, da Comarca de Campinas, em que são partes é apelante EVERALDO LINGUITE DE MOURA, é apelado 3º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DE CAMPINAS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, JOÃO CARLOS SALETTI, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E PÉRICLES PIZA.

São Paulo, 20 de julho de 2017.

PEREIRA CALÇAS

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Assinatura Eletrônica

Apelação nº 1035060-44.2015.8.26.0114

Apelante: Everaldo Linguite de Moura

Apelado: 3º Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Campinas

Voto nº 29.777

REGISTRO DE IMÓVEIS – Escritura de compra e venda – Outorga pela titular de domínio diretamente ao último cessionário – Existência de cessões intermediárias – Desnecessidade de anuência dos cedentes – Inexistência de afronta ao princípio da continuidade – Dúvida improcedente – Recurso provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença de fls. 51/52, que manteve a recusa do registro de escritura pública de compra e venda lavrada pelo 1º Tabelião de Notas de Campinas, envolvendo imóvel objeto da transcrição n. 15.677, do 3º Registro de Imóveis de Campinas, sob o argumento de desrespeito ao princípio da continuidade.

Sustenta o apelante que: a) não houve ofensa ao princípio da continuidade, uma vez que compareceram como outorgante vendedora a titular dominial e, como cedentes ou anuentes, IMÓVEIS ICARAÍ LTDA., JOAQUIM CALDEIRAS DIAS e ALDIZ TEIXEIRA DIAS, b) recolhidos os ITBI’s correspondentes, não havendo sequer prejuízo ao erário municipal (fls. 59/65), c) reside no imóvel em questão há 27 anos sem qualquer interpelação por parte dos cedentes, tendo o MM. Juiz sentenciante incorrido em erro na análise da cadeia registral.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso (fls. 77/80).

É o relatório.

De acordo com as informações que constam da certidão de fls. 31, o imóvel em questão é de propriedade de COMPANHIA DE MELHORAMENTOS DE CAMPINAS. Consta, ainda, que a titular de domínio firmou compromisso de compra e venda em favor da COMPANHIA NACIONAL DE MELHORAMENTOS S/A. Esta, por sua vez, firmou contrato particular por meio do qual prometeu ceder e transferir seus direitos a IMÓVEIS ICARAÍ LTDA.. Por instrumento particular não registrado (fls. 14/17), IMÓVEIS ICARAÍ LTDA. obrigou-se a transmitir seus direitos a JOAQUIM CALDEIRAS DIAS. Finalmente, por escritura de venda e compra (fls. 07/10), COMPANHIA MELHORAMENTOS DE CAMPINAS vendeu a EVERALDO LINGUITE DE MOURA, ora recorrente, os direitos sobre o imóvel em questão, figurando como cedentes IMÓVEIS ICARAÍ LTDA., JOAQUIM CALDEIRAS DIAS e sua esposa ALDIZ TEIXEIRA DIAS.

Pretende a recorrente o registro da escritura pública de compra e venda acima mencionada, sustentando que não viola o princípio da continuidade, estando respeitada toda cadeia dominial.

Todavia, consoante nota devolutiva de fls. 13, seria necessário que fosse apresentado para exame e registro o instrumento de efetivação da promessa de cessão da COMPANHIA NACIONAL DE MELHORAMENTOS S/A em favor de IMÓVEIS ICARAÍ LTDA.. Reapresentado o título, sobreveio nova nota de devolução em que a exigência foi reiterada.

De fato, na escritura pública que os recorrentes pretendem registrar, não constou a anuência da COMPANHIA NACIONAL DE MELHORAMENTOS S/A, a quem a COMPANHIA MELHORAMENTOS DE CAMPINAS, titular dominial, havia prometido ceder seus direitos sobre o imóvel.

Entretanto, a questão é saber se a ausência de anuência dos cedentes anteriores no caso, COMPANHIA NACIONAL DE MELHORAMENTOS S/A na escritura de venda e compra lavrada compromete a continuidade do registro.

E a resposta é negativa.

Ao tratar da ação de adjudicação compulsória, cuja sentença substitui a declaração de vontade que não pôde ser obtida, diz Ricardo Arcoverde Credie:

“…pleiteia-se a adjudicação compulsória diretamente do titular do domínio, o promitente vendedor. Estando irregistrado o instrumento de cessão, cabe o ajuizamento da ação quando o promissário vendedor exigir a presença do cedente do compromisso quando anuente na escritura definitiva: ao juiz caberá valorar os limites entre a prudência do vendedor e sua resistência àquele ato, sem descurar da verificação da idoneidade da cessão. Diferentemente será quando a cessão estiver registrada; aí, por causa do princípio da continuidade dos atos do Registro de Imóveis, é necessária a anuência do cedente na escritura definitiva, devendo ele, consequentemente, ser demandado com o titular do domínio, ambos no polo passivo da relação processual, para que também sua eventual omissão seja suprida sentencialmente.” (Adjudicação Compulsória, 9ª edição, Malheiros, 2004, p. 59/60).

A posição tradicional, portanto, exigia que titulares de domínio, juntamente com eventuais cedentes, estivessem no polo passivo da demanda que visa à obtenção de suprimento judicial da outorga de escritura definitiva.

Essa posição, no entanto, vem mudando.

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do REsp. 648.468, decidiu:

Adjudicação compulsória. Litisconsórcio. Cedentes. 1. Na ação de adjudicação compulsória é desnecessária a presença dos cedentes como litisconsortes, sendo corretamente ajuizada a ação contra o promitente vendedor. 2. Recurso especial conhecido e provido.

Do corpo do voto do Relator, Ministro Menezes Direito, destaca-se a seguinte passagem:

Não vejo mesmo razão para que sejam chamados os cedentes como litisconsortes. A obrigação decorrente da adjudicação compulsória é do promitente vendedor, pouco relevando o papel dos cedentes, considerando que o direito que se pretende somente pode ser cumprido pelo titular do domínio.

Do voto-vista do Ministro Castro Filho, merece ênfase a passagem que segue:

Definida a ação de adjudicação compulsória como pessoal, que pertine ao compromissário comprador, deve ser ajuizada em face de quem seja o titular do domínio do imóvel.

Assim, mesmo que caracterizada a cadeia de cessão de direito aquisitivos, exigível pela parte que integra o último elo da cadeia de cessões o registro da concretização da aquisição imobiliária contra aquele que possui o real domínio do bem, assim que ele reconhecer que o preço foi pago.

Esse novo entendimento, aliás, já foi adotado por este Conselho Superior:

REGISTRO DE IMÓVEIS – Ação judicial de adjudicação compulsória promovida em face dos que constam como proprietários do imóvel – Desnecessidade do registro dos documentos que instrumentalizam os sucessivos compromissos de venda e compra – Irrelevância do registro de um deles – Desqualificação registral afastada – Carta de sentença passível de registro – Dúvida improcedente – Recurso não provido” (Apelação nº 0020761-10.2011.8.26.0344, Rel. Des. José Renato Nalini, j. em 25/10/2012).

E se os cedentes não precisam constar no polo passivo da ação de adjudicação compulsória, não há razão para que seja diferente na hipótese de lavratura de escritura de compra e venda.

Com efeito, se a adjudicação compulsória objetiva um provimento judicial com a mesma eficácia da escritura não outorgada e se os proprietários tabulares – pelas decisões acima citadas – são os únicos que devem figurar no polo passivo dessa demanda, é forçoso concluir que os cedentes não precisam anuir na escritura de compra e venda lavrada entre a cessionária e os titulares de domínio.

Ou seja, para a transferência da propriedade para o último cessionário, basta que os titulares de domínio figurem como vendedores na escritura de compra e venda, não havendo necessidade de que os cedentes anteriores constem no instrumento na condição de anuentes.

E o raciocínio está respaldado pelo artigo 1.418 do Código Civil:

O promitente comprador, titular de direito real, pode exigir do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, a outorga da escritura definitiva de compra e venda, conforme o disposto no instrumento preliminar; e, se houver recusa, requerer ao juiz a adjudicação do imóvel.

Ao preceituar que o promitente comprador pode exigir a outorga da escritura definitiva de compra e venda do promitente vendedor, ou de terceiros, a quem os direitos deste forem cedidos, referido dispositivo legal deixa muito claro que o titular dominial, ainda que tenha celebrado compromisso de compra e venda anterior, pode dispor do imóvel.

Considerando que, pela lei, o proprietário pode transferir o imóvel a terceiro, com mais razão pode, sem a anuência dos cedentes anteriores, transferir a propriedade àquele que, na qualidade de cessionário de compromisso de compra e venda, provavelmente já desfruta de praticamente todos os poderes inerentes ao domínio (jus utendi e fruendi).

Parece bastante razoável a facilitação da consolidação da propriedade, extrajudicialmente, nas mãos daquele que é cessionário de sucessivos compromissos de compra e venda registrados. Entender de outra forma, considerando a inviabilidade de se obter a anuência de todos os cedentes da cadeia, seria obrigar a cessionária a mover ação de adjudicação compulsória contra proprietários tabulares e todos os cedentes ou, pior, ajuizar ação de usucapião.

Em situações análogas, essa foi a posição recentemente adotada por este Conselho:

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Negativa de ingresso de escritura de venda e compra de imóvel – Desrespeito ao registro anterior de instrumento particular – Desnecessidade da anuência dos compromissários compradores – Inexistência de afronta ao Princípio da Continuidade – Recurso provido” (Apelação nº 0025566-92.2011.8.26.0477, Rel. Des. José Renato Nalini, j. em 10/12/2013).

Registro de Imóveis – Dúvida julgada procedente – Compromisso de compra e venda registrado com sucessivas cessões – Negativa de ingresso de escritura de venda e compra de imóvel da qual participaram os proprietários tabulares e a última cessionária – Desnecessidade da anuência dos cedentes – Inexistência de afronta ao Princípio da Continuidade – Recurso provido. (Apelação nº 1040210-48.2015.8.26.0100, Rel. Des. Manoel de Queiroz Pereira Calças, j. em 08/04/2016).

Frise-se, por fim, que a escritura pública de compra e venda foi lavrada em 09 de fevereiro de 1989 (fls. 07/10), contando com a anuência de quase todos os cedentes, à exceção da COMPANHIA NACIONAL DE MELHORAMENTOS S/A. Esta, entretanto, firmou compromisso de venda e compra do imóvel em 04 de março de 1975, sendo sucedida por IMÓVEIS ICARAÍ e por JOAQUIM CALDEIRAS DIAS e sua esposa ALDIZ TEIXEIRA DIAS, os quais figuraram como anuentes na escritura pública. Portanto, é bastante improvável que haja qualquer pendência em relação ao cumprimento das cessões anteriores.

Pelo exposto, pelo meu voto, dou provimento ao recurso interposto.

PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Assinatura Eletrônica

(DJe de 24.08.2017 – NP)