TJ|SP: ITBI – Município de São Paulo – Pretendida segurança para que o Município-impetrado se abstenha de exigir o recolhimento do imposto antes do registro do título translativo – Sentença denegatória – Hipótese de incidência fixada no art. 35 do CTN – Transferência de propriedade que somente ocorre com o registro do título no competente – Cartório de Registro de Imóveis – Inteligência dos arts. 1.227 e 1.245 do CC – Entendimento jurisprudencial do STJ – Recurso provido, com observação. ITBI – Município de São Paulo – Pretendida segurança para que o Município-impetrado se abstenha de exigir o recolhimento do imposto com base na Lei Municipal nº 11.154/91 – Sentença denegatória – Inconstitucionalidade dos artigos 7º-A e 7º-B, daquele diploma, declarada pelo Colendo Órgão Especial deste Tribunal Dispositivos que impõem o prévio arbitramento da base de cálculo – Exigência incompatível com o lançamento por homologação, característico daquele tributo – Possibilidade, todavia de se realizar o arbitramento de valores, após o recolhimento pelo contribuinte, nas hipóteses do art. 148 do CTN Recurso provido, com observação.

PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Décima Quinta Câmara de Direito Público

Registro: 2017.0000199307

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 1020184-39.2016.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que é apelante JULIANO HANNUD, é apelado SECRETÁRIO DAS FINANÇAS DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em 15ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso. V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos.

Desembargadores ERBETTA FILHO (Presidente), SILVA RUSSO E RODRIGUES DE AGUIAR.

São Paulo, 23 de março de 2017.

ERBETTA FILHO

RELATOR

Assinatura Eletrônica

Apelação nº 1020184-39.2016.8.26.0053 – São Paulo – Voto nº 30.203 – EAMA/SB/LAB/EG/TCR/EII

Apelação nº 1020184-39.2016.8.26.0053

Apelante : Juliano Hannud

Apelada : Municipalidade de São Paulo

Comarca : São Paulo

Interessado : Secretário das Finanças do Município de São Paulo

Voto nº 30.203.

ITBI – Município de São Paulo – Pretendida segurança para que o Município-impetrado se abstenha de exigir o recolhimento do imposto antes do registro do título translativo – Sentença denegatória – Hipótese de incidência fixada no art. 35 do CTN – Transferência de propriedade que somente ocorre com o registro do título no competente – Cartório de Registro de Imóveis – Inteligência dos arts. 1.227 e 1.245 do CC – Entendimento jurisprudencial do STJ – Recurso provido, com observação.

ITBI – Município de São Paulo – Pretendida segurança para que o Município-impetrado se abstenha de exigir o recolhimento do imposto com base na Lei Municipal nº 11.154/91 – Sentença denegatória – Inconstitucionalidade dos artigos 7º-A e 7º-B, daquele diploma, declarada pelo Colendo Órgão Especial deste Tribunal Dispositivos que impõem o prévio arbitramento da base de cálculo – Exigência incompatível com o lançamento por homologação, característico daquele tributo – Possibilidade, todavia de se realizar o arbitramento de valores, após o recolhimento pelo contribuinte, nas hipóteses do art. 148 do CTN Recurso provido, com observação.

Vistos.

Mandado de segurança impetrado com vistas a determinar à autoridade coatora que se abstenha de cobrar o ITBI calculado segundo o valor de mercado apurado na forma estabelecida pela Lei 14.256/06 e, também, para que ela se abstenha de considerar a assinatura do auto de arrematação como momento do fato gerador desse tributo.

Da sentença de fls. 168/170, da lavra do MM. Juiz de Direito Adriano Marcos Laroca, o qual denegou a ordem, apela o impetrante, buscando a reforma. Requer a concessão da segurança para que o ITBI seja calculado sobre o valor da arrematação, reconhecido o fato gerador como ocorrido na data do efetivo registro da carta. Para tanto, elenca os seguintes argumentos: o auto de arrematação é apenas uma presunção de direito; o arrematante possui apenas a expectativa do direito advindo daquele documento, pois somente com a expedição da carta de arrematação é que se transfere a propriedade; a base de cálculo do ITBI deve ser o valor exato da alienação e não um valor arbitrariamente atribuído pelo ente público.

Regularmente processado e respondido.

Remetidos os autos, em seguida, à Douta Procuradoria de Justiça, esta deixou de se manifestar por entender disponíveis os direitos aqui discutidos (fls. 209).

É o relatório.

Impõe-se o provimento do apelo.

O mandamus volta-se contra a cobrança de ITBI, em dois aspectos: sua base de cálculo e momento do respectivo fato gerador.

Examinando-se primeiramente a questão atinente ao instante de concretização da hipótese de incidência, tem razão o contribuinte, pois ele apenas quer pagar o ITBI em questão segundo os critérios de apuração vigentes no momento do registro do título aquisitivo no competente Cartório de Registro de Imóveis. Cuida-se de pedido que devia, mesmo, ser deferido.

Conforme expressa dicção do artigo 35, inciso I, do Código Tributário Nacional, o ITBI tem como fato gerador a transmissão da propriedade imobiliária. É nesse dispositivo que se baseia o Município para exigir, no presente caso, o pagamento do imposto.

Por outro lado, não se pode negar que a transferência de propriedade, segundo a lei civil, ocorre apenas com o registro do título translativo no cartório de imóveis. Com efeito, o artigo 1.245, caput, do Código Civil dispõe: “Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis”. Disposição de igual teor é fixada também no artigo 1.227, do mesmo diploma, in verbis: “Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código”.

Diante desses dispositivos legais, força é convir que a hipótese de incidência tributária do ITBI somente adquire concretude fática quando os requisitos legais da alienação onerosa estão presentes: lavratura do título translativo e regular registro no cartório competente.

E esse tem sido o entendimento acolhido pelo Superior Tribunal de Justiça acerca do tema, tal como se evidencia no recente julgamento do RECURSO ESPECIAL nº 1.504.055/PB (2ª Turma, Rel. MINISTRO HERMAN BENJAMIN, v. u., j. 17.03.2015), por meio do qual a Municipalidade de João Pessoa buscava situar a ocorrência do fato gerador do ITBI no instante da celebração do contrato de transferência imobiliária e não no momento do registro do respectivo instrumento. Do V. Acórdão, então proferido, cita-se a ementa a seguir:

TRIBUTÁRIO. ITBI. FATO GERADOR. OCORRÊNCIA. REGISTRO DE TRANSMISSÃO DO BEM IMÓVEL. 1. O Tribunal a quo foi claro ao dispor que o fato gerador do ITBI é o registro imobiliário da transmissão da propriedade do bem imóvel. A partir daí, portanto, é que incide o tributo em comento. 2. O fato gerador do imposto de transmissão (art. 35, I, do CTN) é a transferência da propriedade imobiliária, que somente se opera mediante registro do negócio jurídico no ofício competente. 3. Recurso Especial não provido”.

Se, como diz o impetrado, a lei municipal estabelece momento anterior como aspecto temporal (art. 13 da Lei nº 11.154/91), ela o faz à revelia do que dispõe o Código Tributário Nacional e, por isso, não tem eficácia nesse tocante. No plano da doutrina, cabe destacar o pensamento de AIRES F. BARRETO (Curso de Direito Tributário Municipal, Editora Saraiva, 30ª edição, 2009, página 291), nestes termos: “O legislador, ao versar sobre o aspecto temporal da hipótese de incidência, tem a liberdade de eleger o momento inaugural em que se opera a transmissão ou qualquer outro átimo que se lhe prosponha. Todavia, não pode fixar momentos de tempo antecedentes àquele em que se materializa a transmissão, pena de fazer nascer direito ao crédito, antes do surgimento da própria obrigação, que, a seu turno, só surge com a ocorrência do fato tributário”.

Tampouco pode o Município socorrer-se da letra do artigo art. 901, parágrafo 2º, do Novo Código de Processo Civil, segundo o qual a carta de arrematação deverá conter a prova de quitação do imposto de transmissão. Tal disposição nada diz sobre o momento de ocorrência do fato gerador e nem poderia mesmo fazê-lo, uma vez que o legislador ordinário não tem competência para tal previsão (art. 146 da CR).

Indubitável, portanto, ser indevida a exigência de pagamento do tributo antes do indigitado registro.

Daí porque a segurança há de ser concedida.

No que diz respeito à base de cálculo do tributo, igualmente há de ser acolhida a irresignação.

Com efeito, objetivou o impetrante impugnar a exigência do ITBI calculado nos termos do que dispõe a Lei Municipal nº 14.256 de 2006 e incidente sobre a aquisição, por arrematação em hasta pública em 18 de fevereiro de 2016, de 50% do imóvel localizado na Rua José da Rocha Mendes Filho, nº 69 Bairro Jabaquara, em São Paulo/SP. O imóvel está cadastrado junto à Prefeitura de São Paulo, como contribuinte nº 091.027.168-28, e matriculado perante o 8º Cartório de Registro de Imóveis de São Paulo sob nº 96.016.

Fundou sua pretensão no argumento de que referido diploma viola frontalmente a norma do Código Tributário Nacional (art. 38) que estabeleceu o valor venal do imóvel como base imponível do imposto em questão.

O impetrante esperava recolher o imposto com base no valor das arrematações ou no venal dos imóveis para fins de IPTU. No entanto, à luz daquela lei municipal, o valor dos imóveis para fins de recolhimento do ITBI atingiria uma importância muito maior, porquanto fundado nos valores de referência atribuídos pelo ente público às transações realizadas.

A Municipalidade-impetrada, por sua vez, apoia-se na assertiva de que a base de cálculo do tributo continua sendo o valor venal do imóvel, tal como estabelecido nos artigos 38 do CTN e 7º, da Lei Municipal nº 11.154/91, entendido este como sendo o valor pelo qual o bem ou direito seria negociado à vista, em condições normais de mercado.

Ampara-se, também, no argumento de que a lei municipal em apreço cuidou tão-somente de estabelecer um procedimento para o cálculo do valor de mercado do bem, passível de questionamento pelo contribuinte, que poderia reclamar uma avaliação especial, não redundando necessariamente dessa prática, daí, majoração do valor venal estimado quando do lançamento do IPTU.

Pois bem. Este Relator entendia ser possível à Municipalidade de São Paulo, para fins de cobrança do referido imposto e de aferição de sua base de cálculo, proceder à apuração e publicação dos valores venais atualizados dos imóveis nos moldes por ela pretendidos, por considerar válidos os artigos 7º-A e 7º-B, da Lei Municipal nº 11.154/91, acrescentados pela Lei nº 14.256/2006. Como se sabe, tais dispositivos instituíram o uso dos chamados “Valores Venais de Referência” para cobrança daquele tributo, oportunizando, todavia, aos contribuintes, a possibilidade de impugnarem tais valores e de solicitarem uma avaliação especial do imóvel tributado.

Referido entendimento, no entanto, foi modificado para alinhar-se à decisão do Colendo Órgão Especial tomada quando do julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade nº 0056693-19.2014.8.26.0000 (Des. Rel. Paulo Dimas Mascareti, j. 25.03.2015), no âmbito da qual se reconheceu a inconstitucionalidade dos mencionados artigos 7º-A e 7º-B, bem como do artigo 12, todos da Lei nº 1.154/91, do Município de São Paulo. Desse venerando aresto transcreve-se ementa a seguir:

INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE Artigo 7º da Lei nº 11.154, de 30 de dezembro de 1991, com a redação dada pelas Leis nºs 14.125, de 29 de dezembro de 2005, e 14.256, de 29 de dezembro de 2006, todas do Município de São Paulo, que estabelece o valor pelo qual o bem ou direito é negociado à vista, em condições normais de mercado, como a base de cálculo do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) Acórdão que, a despeito de não manifestar de forma expressa, implicitamente também questionou as disposições dos artigos 7º-A, 7º-B e 12 da mesma legislação municipal Valor venal atribuído ao imóvel para apuração do ITBI que não se confunde necessariamente com aquele utilizado para lançamento do IPTU Precedentes do STJ Previsão contida no aludido artigo 7º que, nessa linha, não representa afronta ao princípio da legalidade, haja vista que, como regra, a apuração do imposto deve ser feita com base no valor do negócio jurídico realizado, tendo em consideração as declarações prestadas pelo próprio contribuinte, o que, em princípio, espelharia o ‘real valor de mercado do imóvel’ ‘Valor venal de referência’, todavia, que deve servir ao Município apenas como parâmetro de verificação da compatibilidade do preço declarado de venda, não podendo se prestar para a prévia fixação da base de cálculo do ITBI Impossibilidade, outrossim, de se impor ao sujeito passivo do imposto, desde logo, a adoção da tabela realizada pelo Município Imposto municipal em causa que está sujeito ao lançamento por homologação, cabendo ao próprio contribuinte antecipar o recolhimento Arbitramento administrativo que é providência excepcional, da qual o Município somente pode lançar mão na hipótese de ser constatada a incorreção ou falsidade na documentação comprobatória do negócio jurídico tributável Providência que, de toda sorte, depende sempre da prévia instauração do pertinente procedimento administrativo, na forma do artigo 148 do Código Tributário Nacional, sob pena de restar caracterizado o lançamento de ofício da exação, ao qual o ITBI não se submete Artigos 7º-A e 7º-B que, nesse passo, subvertem o procedimento estabelecido na legislação complementar tributária, em afronta ao princípio da legalidade estrita, inserido no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal Inadmissibilidade, ainda, de se exigir o recolhimento antecipado do tributo, nos moldes estabelecidos no artigo 12 da Lei Municipal nº 11.154/91, por representar violação ao preceito do artigo 156, inciso II, da Constituição Federal Registro imobiliário que é constitutivo da propriedade, não tendo efeito meramente regularizador e publicitário, razão pela qual deve ser tomado como fato gerador

do ITBI Regime constitucional da substituição tributária, previsto no artigo 150, § 7º, da Constituição Federal, que nem tem lugar na espécie, haja vista que não se cuida de norma que autoriza a antecipação da exigibilidade do imposto de forma irrestrita Arguição acolhida para o fim de pronunciar a inconstitucionalidade dos artigos 7º-A, 7º-B e 12, da Lei nº 11.154/91, do Município de São Paulo.” (destaques deste Relator).

Conforme se nota desse julgado, a inconstitucionalidade dos artigos 7º-A e 7º-B decorre da prévia imposição de valores venais a serem usados pelos contribuintes no cálculo do imposto. Porque, tratando-se de lançamento por homologação, compete ao contribuinte declarar e recolher a quantia devida, só após o que poderá a Municipalidade, em caso de discordância, valer-se da prerrogativa prevista no artigo 148 do Código Tributário Nacional, com observância dos preceitos legais.

Assim, como registrado no V. Acórdão do Órgão Especial, nada impede a utilização pelo ente público do “Valor Venal de Referência”, previsto no artigo 7º-A da Lei Municipal nº 11.154/91, desde que ele sirva “tão somente como parâmetro de verificação da compatibilidade da base de cálculo obtida a partir do preço declarado de venda do imóvel, na transação objeto da exação, com a realidade do mercado imobiliário”.

Bem por isso, a medida que melhor soluciona o presente caso passa pelo reconhecimento de que não é legítima a cobrança em questão, porquanto fundada em dispositivo inconstitucional.

Não obstante, deve ficar registrado que, uma vez recolhido o imposto pelo contribuinte e caso entenda configurada qualquer das hipóteses do artigo 148 do Código Tributário Nacional , a Municipalidade poderá instaurar processo administrativo para, à luz do contraditório e da ampla defesa, avaliar a veracidade do valor declarado e, sendo o caso, arbitrar o montante correto.

Destarte, em consonância com as considerações tecidas no mencionado aresto, a respeito do direito do ente tributante de proceder ao arbitramento de valores, nos termos do artigo 148 do CTN, fica consignada a essa observação.

Inexistente, por derradeiro, a fixação em honorários advocatícios e sucumbência em sede de writ, por expressa disposição contida no art. 25 da Lei nº 12.016/2009 e das Súmulas 512 do STF e 105 do STJ.

Ante o exposto, em suma, e com a observação registrada acima, meu voto propõe dar provimento ao recurso com vistas à concessão da segurança.

Erbetta Filho

Relator

Assinatura eletrônica