CSM|SP: Registro de Imóveis – Formal de partilha – Não comprovação do pagamento do imposto sobre herança – Inadmissibilidade do exame da prescrição e da decadência tributárias no processo de dúvida – Pertinência da exigência atacada pelo interessado – Dúvida procedente – Recurso desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação n.º 1007661-93.2015.8.26.0161, da Comarca de Diadema, em que são partes é apelante EDILSON GLEI ALVES MONTEIRO, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DA PESSOA JURÍDICA DE DIADEMA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente sem voto), ADEMIR BENEDITO (VICE PRESIDENTE), PAULO DIMAS MASCARETTI(PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA), XAVIER DE AQUINO (DECANO), LUIZ ANTONIO DE GODOY(PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 10 de março de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação n.º 1007661-93.2015.8.26.0161

Apelante: Edilson Glei Alves Monteiro

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil da Pessoa Jurídica de Diadema

VOTO N.º 29.626

Registro de Imóveis – Formal de partilha – Não comprovação do pagamento do imposto sobre herança – Inadmissibilidade do exame da prescrição e da decadência tributárias no processo de dúvida – Pertinência da exigência atacada pelo interessado – Dúvida procedente – Recurso desprovido.

Irresignado com a r. sentença que confirmou o juízo negativo de qualificação registral [1], o suscitado interpôs apelação com vistas ao registro recusado pela Oficiala, sob alegação de que prescrita (presumivelmente) se encontra a pretensão estatal referente ao imposto sobre transmissão devido ao Estado, situação a permitir, assim como a sugerida decadência, a exclusão da exigência e a inscrição do título [2].

Após o recebimento do recurso [3], os autos foram encaminhados ao C. CSM e a Procuradoria Geral da Justiça propôs o desprovimento da apelação [4].

É o relatório.

O dissenso versa sobre a registrabilidade do formal de partilha expedido pelo Juízo da 1.ª Vara Cível de Diadema, extraído dos autos n.º 0001096-34.1995.8.26.0161 [5], condicionada, pela Oficiala, à comprovação do recolhimento do imposto sobre transmissão (ITBI)devido ao Estado, em exigência questionada pelo interessado, que se ampara na suposta prescrição da pretensão estatal e na decadência [6].

A objeção arguida faz alusão ao acrônimo ITBI [7], em atenção à Lei Estadual n.º 9.591/1966, promulgada quando competia ao Estado a instituição e a cobrança de imposto sobre transmissão – inter vivos ou causa mortis – de bens imóveis e de direitos a eles relativos, seja por ato oneroso ou gratuito, e que vigia à época do óbito da autora da herança (ainda não tinha sido revogada pela Lei n.º 10.705/2000).

De todo modo, desde a Carta de 1988, ao Estado, cabe somente o imposto sobre transmissão causa mortis e doação de quaisquer bens ou direitos, denominado ITCMD, pois, aos Municípios, restou atribuída a competência para instituição e cobrança do imposto sobre transmissão inter vivospor ato onerosode bens imóveis e direitos a eles relativos. E a esse imposto é que, atualmente, atribui-se a sigla ITBI.

Nada obstante, apesar da inicial perplexidade que a referência mencionada possa despertar, não há dúvida de que a Oficiala se reporta ao imposto sobre herança, decorrente de transmissão causa mortis de bens e direitos, tanto que, expressamente, destaca ser devido ao Estado. Em síntese, discute-se, aqui, o imposto sobre herança, cujo pagamento não foi demonstrado pelo interessado.

A propósito, a origem judicial do título não torna prescindível a qualificação registral: a conferência voltada ao exame do preenchimento das formalidades legais atreladas ao ato pretendido é indispensável. [8]

Destarte, e pelas razões abaixo expostas, justifica-se a confirmação da r. sentença atacada e, logo, impõe ratificar o juízo negativo de qualificação registral [9].

A exigência discutida guarda relação com o registro pretendido; vincula-se à inscrição visada. Ora, a obrigação tributária é associada ao ato registral intencionado e, assim, a atuação da Oficiala, in concreto, é própria da fiscalização que lhe foi cometida; é inerente à responsabilidade atribuída aos Oficiais, quanto ao controle do pagamento de tributos.

O obstáculo impugnado tem respaldo nos comandos emergentes dos arts. 289, da Lei n.º 6.015/1973 [10], 30, XI, e 31, V, da Lei n.º 8.935/1994 [11], e 134, VI, do CTN [12]. E também na Lei Estadual n.º 9.591/1966 [13], em vigor ao tempo do óbito e da exigibilidade do tributo, bem como na que lhe sucedeu, a Lei n.º 10.705/2000 [14], vigente então por ocasião da qualificação registral.

Sob outro prisma, não cabe ao Oficial de Registro aferir, no juízo de qualificação – tampouco ao Poder Judiciário, na seara administrativa, em processo de dúvida, resolver – a invocada prescrição da pretensão estatal ou a sugerida decadência do direito de constituir o crédito tributário. Esse, aliás, o entendimento assente na jurisprudência do C. CSM, a desautorizar, no ambiente administrativo, a análise da prescrição e decadência tributárias. [15]

Em outras palavras, não há que se cogitar de uma presumida (assim as sustenta o recorrente) prescrição ou decadência, para fins de afastar a exigência controvertida, apesar da partilha ter sido homologada, por sentença, no dia 15 de maio de 1995 [16], a revelar, prima facie, que o prazo decadencial para constituição do crédito tributário teve início em 1.º de junho de 1996 [17]: ora, malgrado posterior à abertura da sucessão e à transmissão da herança, não era possível, antes da partilha, constituir o crédito e promover sua cobrança [18].

Sequer, em arremate, há elementos indicativos do pagamento do imposto sobre transmissão causa mortis. O inventário se processou, na vigência do CPC/1973, sob o rito do arrolamento sumário, em cujos autos, ao que consta, e nos termos do art. 1.034, caput, do CPC/1973, não foram conhecidas e analisadas questões relacionadas com o lançamento, o pagamento e a quitação de tributos incidentes sobre a transmissão da herança.

Aliás, em atenção ao procedimento adotado, não houve, até o trânsito em julgado da sentença que homologou a partilha, intervenção da Fazenda Pública. Ademais, essa r. decisão, proferida, repita-se, no dia 15 de maio de 1995, não condicionou a expedição do formal de partilha à comprovação do pagamento do tributo sobre transmissão causa mortis.

Nessa época, convém destacar, ainda não vigorava o § 2.º do art. 1.031 do CPC/1973, introduzido pela Lei n.º 9.280/1996, conforme o qual “transitada em julgado a sentença de homologação de partilha ou adjudicação, o respectivo formal, bem como os alvarás referentes aos bens por ele abrangidos, só serão expedidos e entregues às partes após a comprovação, verificada pela Fazenda Pública, do pagamento de todos os tributos.”

Em resumo: não há dados que levem à suspeita de um provável pagamento do tributo, que não pode ser inferido do tempo decorrido desde a prolação da sentença de homologação de partilha nem da expedição do formal de partilha. Inexiste, realmente, lastro a indicar que o interessado promoveu o pagamento antecipado, exigido de tributos sujeitos a lançamento por homologação, observando, em particular, o § 2.º do art. 1.034 do CPC/1973 [19] e a regra do art. 25 da Lei Estadual n.º 9.591/1966 [20], à época vigentes.

Dentro desse contexto, o acesso do título (do formal de partilha) ao fólio real foi corretamente recusado pela Oficiala. O pleiteado registro na matrícula n.º 345 do RI de Diadema [21] resta vedado, enquanto não provado o pagamento do ITBI ou declarada a decadência ou a prescrição em processo contencioso.

Isto posto, nego provimento ao recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Notas:

[1] Fls. 121-122 e 132.

[2] Fls. 138-146.

[3] Fls. 150.

[4] Fls. 164-166.

[5] Fls. 14-98 e 99-107.

[6] Fls. 6-7 e 118-119.

[7] Fls. 12.

[8] Apelação Cível n.º 39.487-0/1, rel. Des. Márcio Martins Bonilha, j. 31.07.1997, e Apelação Cível n.º 404-6/6, rel. Des. José Mário Antonio Cardinale, j. 08.09.2005.

[9] Fls. 1-4 e 11-13.

[10 Art. 289. No exercício de suas funções, cumpre aos oficiais de registro fazer rigorosa fiscalização do pagamento dos impostos devidos por força dos atos que lhes forem apresentados em razão do ofício. (grifei)

[11] Art. 30. São deveres dos notários e dos oficiais de registro:

(…)

XI fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar; (grifei)

Art. 31. São infrações disciplinares que sujeitam os notários e os oficiais de registro às penalidades previstas nesta lei:

(…)

V o descumprimento de quaisquer dos deveres descritos no art. 30.

[12] Art. 134. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

(…)

VI os tabeliães, escrivães e demais serventuários de ofício, pelos tributos devidos sobre os atos praticados por eles, ou perante eles, em razão do seu ofício;

[13] Art. 34 – Não serão lavrados, registrados, inscritos ou averbados pelos tabeliães, escrivães e oficiais de Registro de Imóveis, os atos e termos de seu cargo, sem a prova do pagamento do imposto.

Artigo 38 – Os serventuários de justiça que infringirem as disposições deste Capítulo ficam sujeitos à multa de Cr$ 20.000 (vinte mil cruzeiros) a Cr$ 500.0O0 (quinhentos mil cruzeiros), respondendo solidariamente pelo imposto não arrecadado

Parágrafo único – As penas deste artigo serão também aplicáveis aos tabeliães e escrivães, quando os dizeres constantes das guias de recolhimento não corresponderem aos dados da escritura ou termo.

[14] Art. 8º. Nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigações principal pelo contribuinte, respondem solidariamente com este nos atos em que intervierem ou pelas omissões de que forem responsáveis:

o tabelião, escrivão e demais serventuários de oficio, em relação aos atos tributáveis praticados por eles ou perante eles, em razão de seu ofício;

Art. 25. Não serão lavrados, registrados ou averbados pelo tabelião, escrivão e oficial de Registro de Imóveis, atos e termos de seu cargo, sem a prova do pagamento do imposto.

[15] Apelação Cível n.º 551-6/6, rel. Des. Gilberto Passos de Freitas, j. 17.8.2006; Apelação Cível n.º 851-6/5, rel. Des. Ruy Camilo, j. 1.7.2008; Apelação Cível n.º 0019186-49.2013.8.26.0100, rel. Des. Hamilton Elliot Akel, j. 7.7.2014; e Apelação Cível n.º 1042731-63.2015.8.26.0100, rel. Des. Pereira Calças, j. 25.2.2016.

[16] Fls. 91 e 95. Houve um aditamento posterior, realizado anos depois fls. 99-107.

[17] Art. 175, I, do CTN.

[18] Cf. STJ Resp. n.º 752.808, rel. Min. Teori Zavascki, j. 17.5.2007; STJ AgRg no REsp n.º 1274227/MS, rel. Min. Herman Benjamin, j. 7.2.2012; TJSP Apelação n.º 0017831-88.2011.8.26.0224, rel. Des. Aroldo Viotti, j. 1.º.12.2015; TJSP Apelação n.º 3009984-66.2013.8.26.0562, rel. Antonio Celso Faria, j. 27.7.2016; e TJSP Apelação n.º 1009715-11.2015.8.26.0071, rel. Des. Paulo Barcellos Gatti, j. 17.10.2016.

[19] Art. 1.034. (…)

2.º O imposto de transmissão será objeto de lançamento administrativo, conforme dispuser a legislação tributária, não ficando as autoridades fazendárias adstritas aos valores dos bens do espólio atribuídos pelos herdeiros.

[20] Art. 25. Nas transmissões “causa mortis”, o imposto será recolhido no prazo de 60 (sessenta) dias da data da intimação da homologação do cálculo ou do despacho que determinar o seu pagamento.

[21] Fls. 57-59.

(DJe de 12.04.2017 – SP)