CSM|SP: Registro de Imóveis – Dúvida – Instrumento particular de doação de fração ideal, desmembramento de imóvel e extinção parcial de condomínio – Registro corretamente negado – Ausência de documento original, a obstar decisivamente o registro e prejudicar o julgamento da dúvida – Inviável, ademais, localização física da fração ideal doada – Item 171, Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ – Divisão que só pode ser feita depois de concretizada a doação da fração ideal – Divisão, ademais, que demanda escritura pública, na forma do art. 108 do Código Civil – Ausência da necessária descrição do imóvel que remanesceria depois de ultimado o desmembramento da área doada – Violação ao princípio da especialidade objetiva – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 0011169-71.2015.8.26.0482, da Comarca de Presidente Prudente, em que são partes é apelante PAULO BATA DE OLIVEIRA, é apelado 2º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE PRESIDENTE PRUDENTE.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Não conheceram do recurso. V.U. Deram por prejudicada a dúvida e não conheceram do recurso, v.u. Vencido em parte o Desembargador Ricardo Dip, que declarará voto.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU.
São Paulo, 16 de fevereiro de 2017.
MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Apelação nº 0011169-71.2015.8.26.0482
Apelante: Paulo Bata de Oliveira
Apelado: 2º Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Presidente Prudente
VOTO Nº 29.622
Registro de Imóveis – Dúvida – Instrumento particular de doação de fração ideal, desmembramento de imóvel e extinção parcial de condomínio – Registro corretamente negado – Ausência de documento original, a obstar decisivamente o registro e prejudicar o julgamento da dúvida – Inviável, ademais, localização física da fração ideal doada – Item 171, Capítulo XX, Tomo II, das NSCGJ – Divisão que só pode ser feita depois de concretizada a doação da fração ideal – Divisão, ademais, que demanda escritura pública, na forma do art. 108 do Código Civil – Ausência da necessária descrição do imóvel que remanesceria depois de ultimado o desmembramento da área doada – Violação ao princípio da especialidade objetiva – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido.
Cuida-se de recurso de apelação tirado de r. sentença que manteve a recusa do registro de instrumento particular de doação de imóvel, desmembramento e extinção de condomínio, pela ausência do documento original a ser registrado, bem como pela impossibilidade de se doar fração ideal geograficamente localizada, além da necessidade de que doação, desmembramento e extinção condominial façam-se em momentos distintos.
O recorrente alegou, em síntese, haver apresentado em Cartório o contrato original de doação. Sustentou que a totalidade dos condôminos anuiu com as providências adotadas no contrato. Refutou as ilegalidades apontadas na sentença e defendeu a possibilidade de utilização de contrato público ou particular para o quanto avençado.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo improvimento do recurso.
É o relatório.
Preambularmente, cumpre observar que o apelante não acostou, quando da suscitação da dúvida, o original do documento cujo registro se pretende. A providência é de rigor para que, em caso de eventual improcedência, lavre-se o ato notarial. O documento trazido à baila, cópia de contrato particular de doação, não está no rol do art. 221 da Lei 6015/73. A ausência do título original configura óbice intransponível ao registro e, pois, ao conhecimento da dúvida.
Para o mesmo Norte aponta a sedimentada jurisprudência deste Egrégio Conselho Superior da Magistratura, consoante Apelação Cível 9000001-98.2015.8.26.0099, julgada em 21/06/2016, por mim relatada, com citação de diversos outros julgados em idêntico sentido:
“Não obstante, o entendimento pacificado no Conselho Superior, há muito, é de que a ausência do instrumento original levado a registro prejudica o exame da questão, por representar um obstáculo intransponível ao registro (Apelação Cível n 17-6/0[3]e Apelação Cível n 7.120-0/9). Nesse sentido, o acórdão proferido na apelação 1076-6/5, de 05 de maio de 2009, Rel. Des. RUY CAMILO: “A ausência de requisitos essenciais constitui-se em matéria prejudicial ao conhecimento do recurso interposto.
Com efeito, nenhum título original se encontra acostado aos autos, uma vez que a presente dúvida foi suscitada a partir de mera cópia reprográfica da cédula rural pignoratícia que foi reapresentada pelo banco suscitado, estando inviabilizada assim a sua análise direta por este Conselho Superior da Magistratura””.
Neste raciocínio, acerca de hipóteses semelhantes sobre a posição firmada, é representativo o V. Acórdão proferido na Apelação Cível nº 43.728-0/7, da Comarca de Batatais, relatado pelo eminente Des. SÉRGIO AUGUSTO NIGRO CONCEIÇÃO:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida inversamente suscitada – Falta do título original e de prenotação – Inadmissibilidade – Prejudicialidade – Recurso não conhecido”.
O texto do julgado faz referência a outro precedente, o qual é categórico: “Pacífica a jurisprudência deste Colendo Conselho Superior da Magistratura no sentido da necessidade de apresentação do título original, como decidido na apelação cível n.º 30.728-0/7, da Comarca de Ribeirão Preto, Relator o Desembargador Márcio Martins Bonilha, nos seguintes termos: ‘Ora, sem a apresentação do título original, não se admite a discussão do quanto mais se venha a deduzir nos autos, porque o registro, em hipótese alguma, poderá ser autorizado, nos termos do artigo 203, II, da Lei 6.015/73. Não é demasiado observar que no tocante à exigência de autenticidade, o requisito da exibição imediata do original diz respeito ao direito obtido com a prenotação do título, direito que não enseja prazo reflexo de saneamento extrajudicial de deficiências da documentação apresentada'” (Apelação Cível 9000001-98.2015.8.26.0099, julgada em 21/06/2016, por mim relatada)
“Saliente-se ser tranqüilo o entendimento deste Egrégio Colendo Conselho Superior da Magistratura no sentido de que o título deve ser apresentado em seu original e não por cópias.
A cópia constitui mero documento e não instrumento formal previsto como idôneo a ter acesso ao registro e tendo em vista uma reavaliação qualificativa do título, vedado o saneamento intercorrente das deficiências da documentação apresentada, sendo imprescindível a exibição de qualquer dos títulos relacionados no mencionado artigo, que tem caráter restritivo, no original.” (Apelação Cível: 17-6/0, j. 11/09/2003, Relator Des. LUIZ TÂMBARA)
Embora prejudicada a dúvida, prossegue-se na análise das questões versadas nos autos.
As cláusulas 3.2 e 3.3 do instrumento de doação que se pretende registrar expressamente preveem desmembramento de imóvel e extinção parcial de condomínio. Com isso, o apelante, até então condômino de fração ideal do terreno hoje existente, tornar-se-ia exclusivo proprietário de um imóvel de 54.406,70 metros quadrados, desmembrado do originário.
O contrato em voga estipula, portanto, doação de parte ideal de imóvel rural, seguida de desmembramento da área cabente ao donatário, extinção parcial de condomínio e divisão do bem. Inviável, porém, que a totalidade das consequências jurídicas almejadas pelos contratantes dê-se por um único instrumento particular de doação, tal como postulado.
Desmembramento e divisão do imóvel, medidas subsequentes à doação, afiguram-se vedados, ao menos da forma como vieram aos autos. Com efeito, em se tratando de condomínio pro indiviso, cada condômino é titular de parcela determinada quanto ao percentual do todo, mas indeterminada quanto à localização geográfica.
Porém, o desmembramento pretendido pressupõe delimitação da área de propriedade do donatário. E, para tanto, essencial providenciar extinção do condomínio, ainda que parcial, e divisão das áreas tocantes ao donatário e aos co-proprietários do imóvel remanescente.
Ademais, nos moldes do artigo 176, II, 3, da Lei de Registros Públicos:
“Art. 176 – O Livro nº 2 – Registro Geral – será destinado, à matrícula dos imóveis e ao registro ou averbação dos atos relacionados no art. 167 e não atribuídos ao Livro nº 3.
II – são requisitos da matrícula:
3) a identificação do imóvel, que será feita com indicação:
a – se rural, do código do imóvel, dos dados constantes do CCIR, da denominação e de suas características, confrontações, localização e área;”
Já o art. 225 da mesma Lei dispõe:
“Art. 225 – Os tabeliães, escrivães e juízes farão com que, nas escrituras e nos autos judiciais, as partes indiquem, com precisão, os característicos, as confrontações e as localizações dos imóveis, mencionando os nomes dos confrontantes e, ainda, quando se tratar só de terreno, se esse fica do lado par ou do lado ímpar do logradouro, em que quadra e a que distância métrica da edificação ou da esquina mais próxima, exigindo dos interessados certidão do registro imobiliário.
§ 1º As mesmas minúcias, com relação à caracterização do imóvel, devem constar dos instrumentos particulares apresentados em cartório para registro.
§ 2º Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior.”
Referidas normas externam os princípios da especialidade objetiva e da continuidade, e destinam-se a assegurar que a totalidade dos imóveis esteja precisamente individuada. A identificação há de ser tal que permita a quem a leia ter integrais condições de identificar os limites da área imobiliária objeto da matrícula. Somente quando satisfeitas as exigências legais e devidamente matriculado o imóvel é que averbações e registros futuros serão validamente efetuados.
Desta feita, de rigor a descrição de ambos os imóveis que resultarão do desmembramento, para integral observância do princípio da especialidade objetiva. Todavia, o contrato de fls. 14/18 traz, unicamente, as descrições do imóvel já existente (cláusula 1.2) e daquele cujo desmembramento se pretende (cláusula 3.2). Ausente a descrição igualmente imprescindível do imóvel que remanesceria em condomínio, resultante da subtração do imóvel a ser desmembrado, daquele atualmente existente.
Outro impeditivo do registro está na utilização da forma particular de contrato. É que, tomando-se a área total do imóvel e o preço atribuído ao quinhão doado, nota-se que o valor do bem é, em muito, superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Assim, à luz do art. 108 da Lei Civil, de rigor que a respectiva divisão venha veiculada por escritura pública.
Por fim, a doação de fração ideal, com imediata localização da área doada em cláusula seguinte do mesmo contrato de doação, também permite entrever violação ao item 171 do Tomo II, Capítulo XX, das NSCGJ:
“171. É vedado o registro de alienação voluntária de frações ideais com localização, numeração e metragem certas, ou a formação de condomínio voluntário, que implique fraude ou qualquer outra hipótese de descumprimento da legislação de parcelamento do solo urbano, de condomínios edilícios e do Estatuto da Terra.”
Nesses termos, dou por prejudicada a dúvida e não conheço do recurso de apelação.
MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS
Corregedor Geral da Justiça e Relator
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Conselho Superior da Magistratura
Apelação Cível 0011169-71.2015.8.26.0482 SEMA
Dúvida de registro
VOTO 45.569 (com divergência):
1. Acompanho a conclusão do respeitável voto de Relatoria.
2. Peço reverente licença, entretanto, para não aderir à “análise de mérito” a que se lançou apósafirmar não conhecer do recurso.
3. Ao registrador público, tendo afirmada, per naturam legemque positam, a independência naqualificação jurídica (vide arts. 3º e 28 da Lei n. 8.935, de 18-11-1994), não parece possam impor-se, nessa esfera de qualificação, “orientações” prévias e abstratas de caráter hierárquico.
Assim, o registrador tem o dever de qualificação jurídica e o direito de efetivá-la com independência profissional, in suo ordine.
4. Vem a propósito que a colenda Corregedoria Geral da Justiça paulista, em seu código de normas, enuncia:
“Os oficiais de Registro de Imóveis gozam de independência jurídica no exercício de suas funções e exercem essa prerrogativa quando interpretam disposição legal ou normativa. (…)” (item 9º do cap. XX das “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”).
5. Se o que basta não bastara, calha que os órgãos dotados de potestas para editar regrastécnicas relativas aos registros públicos são os juízescompetentes para o exercício da função correcional (o que inclui a egrégia Corregedoria Geral da Justiça; cf. inc. XIV do art. 30 da Lei n. 8.935/1994). Essa função de corregedoria dos registros, em instância administrativa final no Estado de São Paulo, não compete a este Conselho Superior da Magistratura, Conselho que, a meu ver, não detém, ao revés do que respeitavelmente entendeu o venerando voto de relação, “poder disciplinador” sobre os registros e as notas (v., a propósito, os incs. XVII a XXXIII do art. 28 do Regimento Interno deste Tribunal).
6. Averbo, por fim, que a admitir-se a pretendida força normativa da ventilada “orientação”, não só os juízes corregedores permanentes estariam jungidos a observá-la, mas também as futuras composições deste mesmo Conselho.
Deste modo, voto no sentido de que se exclua a r. “orientação para casos similares”.
É, da veniam, meu voto de vencido.
Des. RICARDO DIP
Presidente da Seção de Direito Público
(DJe de 03.04.2017 – SP)