CSM|SP: Registro de imóveis – Escritura de compra e venda – Conflitos entre nome e estado civil de parte dos vendedores – Afronta aos princípios da continuidade e da especialidade subjetiva – Necessidade de apresentação de certidões de casamento e óbito pleiteadas pelo sr. Oficial – Dúvida procedente – Recurso provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 0016818-43.2015.8.26.0344, da Comarca de Marília, em que são partes é apelante MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO, são apelados PAULO RICARDO ANGIONI e LUIS ANTONIO VICENTINI.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Deram provimento ao recurso para julgar procedente a dúvida, V. U.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP E SALLES ABREU.

São Paulo, 16 de fevereiro de 2017.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação n.º 0016818-43.2015.8.26.0344

Apelante: Ministério Público do Estado de São Paulo

Apelados: Paulo Ricardo Angioni e Luis Antonio Vicentini

VOTO N.º 29.606

Registro de imóveis – Escritura de compra e venda – Conflitos entre nome e estado civil de parte dos vendedores – Afronta aos princípios da continuidade e da especialidade subjetiva – Necessidade de apresentação de certidões de casamento e óbito pleiteadas pelo sr. Oficial – Dúvida procedente – Recurso provido.

Cuida-se de recurso de apelação tirado de r. sentença da MM. Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Marília, que julgou improcedente dúvida suscitada, para o fim de determinar registro de escritura pública de compra e venda de imóvel.

O apelante afirma, em síntese, que a apresentação da documentação exigida pelo Sr. Oficial é de rigor para verificação dos motivos de divergência entre nomes e estados civis de parte dos vendedores.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

Consoante se verifica de fls. 159, Rubens Barbosa de Moraes está qualificado, no R1 da matrícula imobiliária, como “desquitado”. Posteriormente, no R3 (fls. 160), Rubens figura como “casado no regime da comunhão parcial de bens” com Maria Wilma de Moraes.

‘O R3 fez-se em cumprimento de formal de partilha, extraído do inventário de Julia de Souza Moraes. Por se tratar de ordem judicial, o registro foi feito sem prévia averbação do casamento de Rubens e Maria Wilma. Não obstante, de rigor que a comprovação formal do matrimônio seja arquivada em cartório. Não se trata de debater ou afrontar a decisão judicial de homologação da partilha, o que se afiguraria vedado. O que está em análise não é a regularidade da partilha, tampouco o quinhão atribuído a Rubens. Trata-se de manter na Serventia a documentação comprobatória da alteração do estado civil de um dos vendedores.

Frise-se que, diversamente do quanto sustentado a fls. 184/185, a certidão faltante é a do segundo casamento de Rubens (com Maria Wilma), já estando arquivada em cartório a do primeiro casamento, inclusive com averbação de divórcio (fls. 7).

De outro bordo, a fls. 10, vº, Nilton Renato Barbosa está qualificado como “separado judicialmente”. Não obstante, o R3 de fls. 159/160 dá conta de que Nilton é “casado no regime da comunhão parcial de bens” com Sandra Pereira Barbosa. Ainda que o regime em comento obste eventual comunicação de bem recebido por herança, essencial, vez mais, comprovar a alteração do estado civil de um dos proprietários vendedores do imóvel.

Igualmente imprescindível esclarecer a razão da alteração do nome da vendedora Zuleika Barbosa dos Santos Martins (fls. 10), qualificada como Zuleika Barbosa Martins no R1 de fls. 159. Em ambos os casos, seu estado civil é o de viúva. Necessária, pois, a apresentação da certidão de casamento, bem como do atestado de óbito do marido de Zuleika. Aliás, bem pode ter ocorrido de Zuleika ter se tornado viúva pela segunda vez dada a diversidade de nomes, a demandar apuração.

Trata-se de obedecer aos princípios da continuidade registrária e da especialidade subjetiva. Conforme os magistérios de Afrânio de Carvalho:

“O princípio da continuidade, que se apoia no de especialidade, quer dizer que, em relação a cada imóvel, adequadamente individuado, deve existir uma cadeia de titularidade à vista da qual só se fará a inscrição de um direito se o outorgante dele aparecer no registro como seu titular.

Assim, as sucessivas transmissões, que derivam umas das outras, asseguram sempre a preexistência do imóvel no patrimônio do transferente. Ao exigir que cada inscrição encontre sua procedência em outra anterior, que assegure a legitimidade da transmissão ou da oneração do direito, acaba por transformá-la no elo de uma corrente ininterrupta de assentos, cada um dos quais se liga ao seu antecedente, como o seu subsequente a ele se ligará posteriormente. Graças a isso o Registro de Imóveis inspira confiança ao público” (Registro de Imóveis, 4ª edição, Ed. Forense, 1998, pág. 253).

Em idêntico sentido o entendimento de Narciso Orlandi Neto:

“Existe uma inteiração dos princípios da especialidade e da continuidade na formação da corrente filiatória. Quando se exige a observância da continuidade dos registros, exige-se que ela diga respeito a um determinado imóvel. O titular inscrito, e só ele, transmite um direito sobre um bem específico, perfeitamente individualizado, inconfundível, sobre o qual, de acordo com o registro, exerce o direto transmitido. É por este corolário dos princípios da continuidade e da especialidade, reunidos, que o §2º do art. 225 da Lei nº 6.015/73 dispõe: “Consideram-se irregulares, para efeito de matrícula, os títulos nos quais a caracterização do imóvel não coincida com a que consta do registro anterior.” (Retificação do registro de imóveis, Ed. Juarez de Oliveira, 2ª ed., 1999, p. 67/68)

Desta feita, bem postada a recusa do Sr. Oficial, dou provimento ao recurso, para julgar procedente a dúvida.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator 

(DJe de 31.03.2017 – SP)