CSM|SP: Registro de Imóveis – Óbice ao ingresso escritura pública – Irresignação parcial – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação. Registro de aquisição de vagas de garagem – Interessado que não é proprietário de unidade autônoma no condomínio – Desqualificação acertada – Inteligência do artigo 1.331, § 1º, do Código Civil – Análise da legislação aplicável no momento da apresentação do título – Aplicação do princípio tempos regit actum – Óbice mantido. Ausência de comprovação do pagamento do ITBI e do laudêmio incidentes sobre o negócio – Exigências que decorrem do item 119.1 do Capítulo XX das NSCGJ.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1029038-70.2014.8.26.0577, da Comarca de São José dos Campos, em que são partes é apelante JOSE GARCIA, é apelado 1º OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA DA COMARCA DE SÃO JOSÉ DOS CAMPOS.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Julgaram prejudicada a dúvida e não conheceram do recurso, v.u. Vencido, em sede de preliminar, o Desembargador Ricardo Dip, que declarará voto.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU.

São Paulo, 13 de dezembro de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação n.º 1029038-70.2014.8.26.0577

Apelante: Jose Garcia

Apelado: 1º Oficial de Registro de Imóveis, Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica da Comarca de São José dos Campos

VOTO N.º 29.596

Registro de Imóveis – Óbice ao ingresso escritura pública – Irresignação parcial – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido – Análise das exigências a fim de orientar futura prenotação.

Registro de aquisição de vagas de garagem – Interessado que não é proprietário de unidade autônoma no condomínio – Desqualificação acertada – Inteligência do artigo 1.331, § 1º, do Código Civil – Análise da legislação aplicável no momento da apresentação do título – Aplicação do princípio tempos regit actum – Óbice mantido.

Ausência de comprovação do pagamento do ITBI e do laudêmio incidentes sobre o negócio – Exigências que decorrem do item 119.1 do Capítulo XX das NSCGJ.

Trata-se de recurso de apelação interposto por José Garcia contra a sentença de fls. 202, que julgou procedente a dúvida suscitada pela substituta do Oficial do 1º Registro de Imóveis de São José dos Campos e manteve a recusa ao registro de escritura pública, que, entre outras avenças, transfere ao recorrente dezesseis vagas de garagem localizadas no Residencial Athenas.

Sustenta o apelante, em síntese, que tem direito adquirido ao registro, pois, na época da lavratura do título, pessoas estranhas ao condomínio podiam adquirir vagas de garagem em condomínio edilício; e que o Município de São José dos Campos, ao lançar o IPTU em seu nome, o considera proprietário das garagens. Pede, assim, a provimento do recurso para permitir o ingresso do título (fls. 212/219).

A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 233/234).

É o relatório.

De início, ressalta-se que embora o título tenha sido apresentado para exame e cálculo, de forma que não foi prenotado no Livro nº 1 Protocolo, mas apenas lançado no Livro de Recepção de Títulos, sem gozar dos efeitos da prioridade (itens 18 [1] e 23 [2] do Capítulo XX das NSCGJ), a partir do momento em que o interessado requereu a suscitação de dúvida, o Oficial prenotou o título (fls. 2 e 193), nos moldes do item 41, “a”, do Capítulo XX das NSCGJ [3].

Prenotado o título, sem qualquer notícia de título contraditório que goza de prioridade sobre ele, a dúvida pode ser apreciada, pois, em tese, afastada a exigência, seu ingresso registral poderia ser admitido.

No entanto, por motivo diverso, a dúvida está prejudicada.

Conforme nota devolutiva de fls. 109/114, a desqualificação ocorreu por três motivos: a) impossibilidade de registro de vagas de garagem em nome de quem não é proprietário de unidade autônoma no condomínio; b) falta de comprovação do recolhimento do ITBI; e c) ausência de apresentação de comprovante do recolhimento do laudêmio devido ao Município de São José dos Campos.

Ocorre que o recorrente, tanto no pedido de suscitação (fls. 117/122), como em seu recurso (fls. 212/219), impugnou apenas a primeira exigência.

A jurisprudência deste Conselho Superior é tranquila, porém, no sentido de que a concordância, ainda que tácita, com qualquer das exigências feitas pelo registrador, prejudica-a:

A dúvida registrária não se presta para o exame parcial das exigências formuladas e não comporta o atendimento de exigência depois de sua suscitação, pois a qualificação do título é feita, integralmente, no momento em que é apresentado para registro. Admitir o atendimento de exigência no curso do procedimento da dúvida teria como efeito a indevida prorrogação do prazo de validade da prenotação e, em consequência, impossibilitaria o registro de eventuais outros títulos representativos de direitos reais contraditórios que forem apresentados no mesmo período. Em razão disso, a aquiescência do apelante com uma das exigências formuladas prejudica a apreciação das demais matérias que se tornaram controvertidas. Neste sentido decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n.º 60.460.0/8, da Comarca de Santos, em que foi relator o Desembargador Sérgio Augusto Nigro Conceição, e na Apelação Cível n.º 81.685-0/8, da Comarca de Batatais, em que foi relator o Desembargador Luís de Macedo (Apelação Cível n.º 220.6/6-00). (grifei)

Desse modo, prejudicada a dúvida, o recurso não pode ser conhecido, o que não impede o exame – em tese – das exigências, a fim de orientar futura prenotação.

Tem razão o Oficial nas três exigências que formulou.

A análise do título (fls. 8/14) revela que o Banco Bradesco S/A, em outubro de 2010, transmitiu ao recorrente o apartamento nº 33 do Residencial Athenas e dezoito vagas de garagem localizadas no mesmo edifício.

Em agosto de 2011, o recorrente pediu a cisão do título, efetuando o registro da escritura e, por consequência, a transferência do domínio útil (já que se trata de imóvel em regime de enfiteuse) tão-somente do apartamento nº 33 (cf. R.1 da matrícula nº 183.864 – fls. 100/101).

Em seguida, em abril de 2012, o recorrente transferiu o domínio útil do apartamento a Alessandra Oliveira Pereira (cf. R.2 da matrícula nº 183.864 fls. 101/102).

Agora, pretende o recorrente o registro do título (fls. 8/14), a fim de transferir para si o domínio útil de seis vagas de garagem (fls. 109).

A impossibilidade de registro decorre do artigo 1.331, § 1º do Código Civil:

Art. 1.331. Pode haver, em edificações, partes que são propriedade exclusiva, e partes que são propriedade comum dos condôminos.

§1º As partes suscetíveis de utilização independente, tais como apartamentos, escritórios, salas, lojas e sobrelojas, com as respectivas frações ideais no solo e nas outras partes comuns, sujeitam-se a propriedade exclusiva, podendo ser alienadas e gravadas livremente por seus proprietários, exceto os abrigos para veículos, que não poderão ser alienados ou alugados a pessoas estranhas ao condomínio, salvo autorização expressa na convenção de condomínio. (grifei)

Com efeito, a partir do momento em que o recorrente vendeu a única unidade autônoma que detinha, passou a ser pessoa estranha ao condomínio. Nessa condição, só poderá registrar em seu nome as vagas de garagem com autorização expressa na convenção de condomínio, o que não se verifica no caso em exame (fls. 126/190).

O fato de o instrumento de fls. 8/14 ter sido lavrado antes da entrada em vigor da Lei nº 12.607/12, que deu nova redação ao § 1º do artigo 1.331 do Código Civil, passando a proibir o registro de vaga de garagem em nome de quem não é proprietário de unidade autônoma, não altera em nada a desqualificação do título.

Isso porque é pacífico na jurisprudência deste Conselho que a apresentação do título é regida pelo princípio tempus regit actum, ou seja, a qualificação segue as regras vigentes ao tempo do registro, e não os preceitos que vigoravam na época da elaboração do título.

Em outras palavras: pouco importa se na época da lavratura da escritura o Código Civil permitia o registro de vaga de garagem em nome de quem não era proprietário de unidade autônoma; o que define a desqualificação é o fato de que, atualmente, vigora o § 1º do artigo 1.331 do Código Civil, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 12.607/12, o qual impediu a aquisição por pessoa estranha ao condomínio de abrigo para veículos, salvo autorização da convenção.

Não há que se falar em direito adquirido ao registro. Trata-se, na verdade, de aplicação de princípio registral amplamente consagrado [4].

Além disso, é cediço que o lançamento do IPTU das vagas de garagem em nome do apelante não lhe atribui a propriedade dos bens nem garante o ingresso do título no fólio real.

O segundo (falta de comprovação do recolhimento do ITBI) e o terceiro (ausência de apresentação de comprovante do recolhimento do laudêmio devido ao Município de São José dos Campos) óbices estão corretos e encontram amparo no mesmo dispositivo das Normas.

Preceitua o item 119.1 do Capítulo XX das NSCGJ:

119.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais.

Ou seja, cabe ao Oficial fiscalizar se o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis e o laudêmio, que decorre da enfiteuse, foram recolhidos, e, caso isso não tenha acontecido, obstar o ingresso do título.

Como na hipótese o recorrente aparentemente pagou o tributo e o laudêmio (fls. 113, terceiro e sétimo parágrafos), mas não apresentou os comprovantes respectivos por ocasião da apresentação do título (fls. 112/113), corretas as exigências formuladas pelo Registrador.

Com tais observações, dou por prejudicada a dúvida e não conheço do recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação Cível 1029038-70.2014.8.26.0577 SEMA

Dúvida de registro

VOTO 44.730 (com divergência):

1. Acompanho a conclusão do respeitável voto de Relatoria.

2. Peço reverente licença, entretanto, para não aderir à “análise de mérito” a que se lançou após afirmar não conhecer do recurso.

3. Ao registrador público, tendo afirmada, per naturam legemque positam, a independência na qualificação jurídica (vide arts. 3º e 28 da Lei n. 8.935, de 18-11-1994), não parece possam impor-se, nessa esfera de qualificação, “orientações” prévias e abstratas de caráter hierárquico.

Assim, o registrador tem o dever de qualificação jurídica e o direito de efetivá-la com independência profissional, in suo ordine.

4. Vem a propósito que a colenda Corregedoria Geral da Justiça paulista, em seu código de normas, enuncia:

“Os oficiais de Registro de Imóveis gozam de independência jurídica no exercício de suas funções e exercem essa prerrogativa quando interpretam disposição legal ou normativa. (…)” (item 9º do cap. XX das “Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo”).

5. Se o que basta não bastara, calha que os órgãos dotados de potestas para editar regras técnicas relativas aos registros públicos são os juízes competentes para o exercício da função correcional (o que inclui a egrégia Corregedoria Geral da Justiça; cf. inc. XIV do art. 29 da Lei n. 8.935/1994). Essa função de corregedoria dos registros, em instância administrativa final no Estado de São Paulo, não compete a este Conselho Superior da Magistratura, Conselho que, a meu ver, não detém, ao revés do que respeitavelmente entendeu o venerando voto de relação, “poder disciplinador” sobre os registros e as notas (v., a propósito, os incs. XVII a XXXIII do art. 28 do Regimento Interno deste Tribunal).

5. Averbo, por fim, que a admitir-se a pretendida força normativa da ventilada “orientação”, não só os juízes corregedores permanentes estariam jungidos a observá-la, mas também as futuras composições deste mesmo Conselho.

Deste modo, voto no sentido de que se exclua a r. “orientação para casos similares”.

É, da veniam, meu voto de vencido.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público

Notas:

[1] 18. No Livro de Recepção de Títulos serão lançados exclusivamente os títulos apresentados para exame e cálculo dos respectivos emolumentos, a teor do artigo 12, parágrafo único, da Lei n° 6.015/73, os quais não gozam dos efeitos da prioridade.

[2] 23. É vedado lançar no Livro n° 1 Protocolo e prenotar títulos apresentados exclusivamente para exame e cálculo.

[3] 41. Não se conformando o apresentante com a exigência, ou não a podendo satisfazer, será o título, a seu requerimento e com a declaração de dúvida, remetido ao Juízo competente para dirimi-la, obedecendo-se ao seguinte:

a) o título será prenotado;

[4] Apelação nº 0010745-35.2014.8.26.0071, Apelação nº 3005872-04.2013.8.26.0223, Apelação nº 1001387-05.2015.8.26.0100

(DJe de 30.01.2017 – SP)