CSM|SP: Registro de Imóveis – Apelação interposta pela Fazenda do Estado de São Paulo – Legitimidade reconhecida – Terceira prejudicada – Escritura de Doação – Desqualificação – Discussão a respeito da base de cálculo a ser utilizada no cálculo do ITCMD – Atuação que extrapola as atribuições do Oficial – Dever de fiscalização que se limita ao recolhimento do tributo – Discussão que deve ser travada em processo administrativo tributário ou em execução fiscal – Sentença de improcedência da dúvida mantida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do(a) Apelação nº 1006725-68.2015.8.26.0161, da Comarca de Diadema, em que são partes é apelante FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO, é apelado MARIO EDUARDO ALVES.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “Negaram provimento ao recurso, v.u.”, de conformidade com o voto do Relator, que integra este Acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (Presidente), ADEMIR BENEDITO, XAVIER DE AQUINO, LUIZ ANTONIO DE GODOY, RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) E SALLES ABREU.
São Paulo, 14 de outubro de 2016.
MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Apelação nº 1006725-68.2015.8.26.0161
Apelante: FAZENDA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Apelado: Mario Eduardo Alves
VOTO Nº 29.568
Registro de Imóveis – Apelação interposta pela Fazenda do Estado de São Paulo – Legitimidade reconhecida – Terceira prejudicada – Escritura de Doação – Desqualificação – Discussão a respeito da base de cálculo a ser utilizada no cálculo do ITCMD – Atuação que extrapola as atribuições do Oficial – Dever de fiscalização que se limita ao recolhimento do tributo – Discussão que deve ser travada em processo administrativo tributário ou em execução fiscal – Sentença de improcedência da dúvida mantida.
Trata-se de recurso de apelação interposto pela Fazenda Pública do Estado de São Paulo contra a sentença de fls. 66/67, que julgou improcedente a dúvida suscitada pela Oficial de Registro de Imóveis de Diadema e determinou o registro de escritura de doação, afastando a aplicação do Decreto Estadual nº 55.002/2009.
Sustenta a Fazenda do Estado, em síntese, que o Decreto Estadual nº 55.002/2009 apenas regulamentou o que já está expresso na Lei Estadual nº 10.705/2000, de forma que sua
aplicação se impõe. Pede, assim, a reforma da decisão de primeiro grau (fls. 74/79).
A Procuradoria de Justiça opinou pelo não provimento do recurso (fls. 96/98).
É o relatório.
Inicialmente, ressalta-se que Fazenda do Estado tem legitimidade para recorrer, com fundamento no artigo 202 da Lei nº 6.015/73 [1], uma vez que, por ser destinatária do ITCMD, se enquadra como terceira prejudicada.
No mérito, o caso é de não provimento do recurso.
Liu Kuo Hwa, Selma Jao Liu, Liu Kuo Tze e Chang Yu Liu, por meio de escritura pública, doaram a Felipe Liu e Monica Liu o imóvel matriculado sob o nº 23.013 no Registro de Imóveis de Diadema.
Ao ser apresentado a registro, o título foi desqualificado, em virtude do suposto recolhimento a menor do Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos. Na nota devolutiva (fls. 5/8) e nas razões da dúvida (fls. 1/4), sustentou a registradora: a) que a base de cálculo que foi utilizada para o recolhimento do ITCMD relativo à doação é inferior ao valor de lançamento do IPTU; e b) que o correto é a utilização do valor venal de referência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis – ITBI como base de cálculo para o ITCMD.
A sentença prolatada em primeiro grau afastou a exigência, forte no argumento de que o valor do lançamento do IPTU e não o valor venal de referência do ITBI é a base de cálculo correta para fins de ITCMD.
Conquanto o afastamento do óbice ao registro esteja correto, isso se dá por outros motivos.
Como já decidiu esse Conselho Superior, no julgamento da apelação 0002604-73.2011.8.26.0025, em voto da lavra do então Excelentíssimo Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Renato Nalini:
“A falha apontada pelo Oficial envolve questão de questionamento no âmbito do direito material.
Não foi atacada a regularidade formal do título nem mesmo a temporalidade do recolhimento ou o ato em si. Ao contrário, a exigência envolve exame substancial do montante do pagamento do imposto devido, que é atribuição dos órgãos fazendários competentes, sendo que seu questionamento mereceria a participação da Fazenda Pública, principal interessada.
Ao Oficial cabe fiscalizar, sob pena de responsabilização pessoal, a existência da arrecadação do imposto previsto e a oportunidade em que foi efetuada. O montante, desde que não seja flagrantemente equivocado, extrapola a sua função.
Neste sentido é o parecer da D Procuradora de Justiça, citando precedente deste E. Conselho Superior da Magistratura (Apelação Cível 996-6/6, de 09/12/2088).”
É o que ocorre no caso em tela.
Embora zelosa, a atitude da registradora vai além de suas atribuições normais, pois não lhe cabe aferir se o montante do tributo recolhido está correto, devendo apenas zelar pela existência de recolhimento e pela razoabilidade da base de cálculo utilizada.
Na hipótese, a escritura de doação foi lavrada em 7 de janeiro de 2014 (fls. 20/23) e o valor utilizado para o cálculo do ITCMD (R$1.300.000,00 fls. 26/27 e 29/32) foi o do valor lançamento para fins de IPTU no exercício de 2013 (R$1.295.047,62 – fls. 34).
Pode-se questionar se o cálculo do tributo não deveria ter levado em conta valor venal de referência do ITBI (fls. 38), nos termos do artigo 16 do Regulamento do ITCMD, aprovado pelo Decreto n° 46.655/2002, com a redação dada pelo Decreto nº 55.002/2009 [2], embora se trate de base de cálculo que vem sendo sistematicamente rechaçada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo:
“Mandado de Segurança – Recolhimento de ITCMD – Imposto de transmissão causa mortis e Doação – Base de cálculo Valor venal do IPTU lançado no exercício – Sentença ratificada, nos termos do artigo 252 do Regimento Interno desta E. Corte Recursos não providos” (Apelação n.º 0035140-24.2009.8.26.0053, 11ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Aliende Ribeiro, j. 21/11/2011).
“MANDADO DE SEGURANÇA. IMPOSTO SOBRE TRANSMISSÃO CAUSA MORTIS E DOAÇÃO DE QUAISQUER BENS OU DIREITOS (ITCMD). Base de cálculo. ITBI. Inadmissibilidade. A base de cálculo do ITCMD é o valor venal do bem ou direito transmitido. Concessão da segurança mantida. Recursos não providos” (Apelação n.º0033279-32.2011.8.26.0053, 2ª Câmara de Direito Público, Rel.Des. Vera Angrisani, j. 21/08/2012).
Agravo de Instrumento – Inventário – Decisão que defere o pagamento do ITCMD com base no valor venal do bem para fins de IPTU – Alegação de que o pagamento do ITCMD deve ter como base de cálculo o valor venal de referência do ITBI – A base de cálculo do ITCMD, no caso em apreço, deve ser o valor venal do imóvel lançado para fins de IPTU, em razão da ilegalidade do Decreto 55.002/09 – Inteligência do art. 97, inciso II, §1º, do CTN e da Lei 10.705/2000 – Decisão mantida. Recurso desprovido” (Agravo de Instrumento n.º 2138183-58.2016.8.26.0000, 11ª Câmara de Direito Público, Rel. Des. Oscild de Lima Júnior, j. 9/8/2016).
Discutível, também, se não seria o caso, para fins de cálculo do ITCMD, de se utilizar o valor do lançamento do IPTU do exercício de 2014 (R$ 2.155.736,19 – fls. 35), e não o de 2013 (R$ 1.295.047,62 – fls. 34), não obstante a escritura tenha sido lavrada em 7 de janeiro de 2014 (fls. 20/23), data em que provavelmente o valor do lançamento do IPTU daquele exercício não havia sido disponibilizado aos contribuintes.
De todo modo, ainda que a Fazenda possa questionar o montante do tributo recolhido, fato é que o contribuinte recolheu o imposto utilizando-se de base de cálculo razoável (valor do lançamento do IPTU de 2013), sendo esse fato suficiente para a Oficial, sem maiores questionamentos, permitir o ingresso do título.
Caso entenda realmente que há diferença a ser cobrada, deve a Fazenda do Estado se valer dos meios adequados para tanto, administrativa ou judicialmente, não podendo utilizar a desqualificação do título para indiretamente coagir o contribuinte ao pagamento.
Ante o exposto, reconheço a legitimidade recursal da Fazenda do Estado de São Paulo como terceira prejudicada e nego provimento a seu recurso.
MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS
Corregedor Geral da Justiça e Relator
Notas:
[1] Art. 202 – Da sentença, poderão interpor apelação, com os efeitos devolutivo e suspensivo, o interessado, o Ministério Público e o terceiro prejudicado.
[2] Parágrafo único – Poderá ser adotado, em se tratando de imóvel:
(…)
2 – urbano, o valor venal de referência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis – ITBI divulgado ou utilizado pelo município, vigente à data da ocorrência do fato gerador, nos termos da respectiva legislação, desde que não inferior ao valor referido na alínea “a” do inciso I, sem prejuízo da instauração de procedimento administrativo de arbitramento da base de cálculo, se for o caso.” .
(DJe de 30.01.2017 – SP)