CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida – Cédula rural pignoratícia – Irresignação parcial – Recurso não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0000350-67.2015.8.26.0614, da Comarca de Tambaú, em que é apelante BANCO DO BRASIL S. A, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE TAMBAÚ.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “POR MAIORIA DE VOTOS, NÃO CONHECERAM DO RECURSO. VENCIDO O DESEMBARGADOR RICARDO HENRY MARQUES DIP, QUE DECLARARÁ VOTO”, o qual integra este acórdão, juntamente com o voto do(a) Relator(a).

O julgamento teve a participação dos Desembargadores PAULO DIMAS MASCARETTI (PRESIDENTE TRIBUNAL DE JUSTIÇA), ADEMIR BENEDITO (VICE PRESIDENTE), XAVIER DE AQUINO (DECANO), LUIZ ANTÔNIO DE GODOY (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), RICARDO DIP (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO) e SALLES ABREU (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL).

São Paulo, 29 de março de 2016.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

Apelação Cível n° 0000350-67.2015.8.26.0614

Apelante: BANCO DO BRASIL S.A.

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Tambaú

VOTO N° 29.111

Registro de imóveis – Dúvida – Cédula rural pignoratícia – Irresignação parcial – Recurso não conhecido.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença do MM. Juiz Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Tambaú, que afastou a preliminar de ilegitimidade do requerente para solicitar a suscitação da dúvida, e julgou procedente a dúvida suscitada em relação ao registro da cédula rural pignoratícia n.° 40/01144-5, emitida em 26/01/2015 por Joaquim Carlos Carneiro Siqueira, sob o fundamento de que há impossibilidade jurídica de a cédula ter data de vencimento posterior à data do vencimento da própria dívida, nos termos do artigo 1439 do Código Civil e do artigo 61 do Decreto n° 167/67 que regulam a matéria.

O apelante invoca a atual redação do artigo 61 do Decreto-lei n° 167/67, alterada pela Lei n° 12.873/13. Afirma que a decisão traduz interpretação literal deste dispositivo legal, e que não há vedação expressa em relação à prorrogação pré-ajustada do penhor, de maneira que, enquanto forem observados esses limites, podem as partes convencionar aquilo que lhes aprouver. Acrescenta que um dos princípios básicos dos títulos de crédito é o da autonomia e seu consectário da abstração, o que não fulmina a obrigação original que deu causa ao título, a qual continua viva e válida e pode inclusive ser objeto de modificações. Diz que apesar de o instrumento não registrado ensejar a interpretação de existência de quatro datas de vencimento, tal situação é incorreta, quando se constata que a cédula contém vencimento final único e a cláusula “Forma de Pagamento” contempla vencimento das obrigações decorrentes do saldo devedor existente, mas, caso atendidas as condições da cláusula de “Renovação Simplificada”, de acordo com a forma autorizada pelo Manual do Crédito Rural, esse vencimento será postergado para outro ciclo produtivo, por meio de anotação na cédula, respeitando-se o prazo de vencimento final do instrumento. Prossegue discorrendo sobre o tema e sobre as disposições do Manual de Crédito Rural, e afirma que a própria lei prevê o descasamento do prazo da operação com o prazo da garantia.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

Dentre as oito exigências apresentadas, não houve em relação aos itens “4” e “5” e “7” da nota de devolução impugnação nem tampouco cumprimento.

Assim sendo, a dúvida está prejudicada pelo inconformismo parcial, pois, não há possibilidade de sanar a falta no curso do procedimento, porque se fosse permitido haveria ilegal prorrogação do prazo da prenotação e permissão de dilações e complementações em detrimento de direitos posicionais que acaso pudessem existir em contraposição ao do suscitado, nem tampouco é possível proferir decisão condicionada ao posterior atendimento das exigências não impugnadas.

Com efeito, no procedimento de dúvida, ou as exigências são indevidas e o título ingressa no fólio real, ou são devidas e devem ser cumpridas para possibilitar o registro. Entendimento diverso importaria em decisão condicional, o que é inadmissível. Neste sentido foi decidido na Apelação Cível n° 93.875-0/8, j. 06.09.2002, relator Desembargador Luiz Tâmbara:

“A posição do Egrégio Conselho Superior da Magistratura, como bem ressaltado pelo digno Procurador de Justiça, é tranquila no sentido de se ter como prejudicada a dúvida, em casos como o que se examina, em que admitida como correta uma das exigências, não sendo a outra cumprida, posto que permanece a impossibilidade de acesso do título ao fólio. Nesse sentido os julgados das Apelações Cíveis números 54.073-0/3, 60.046-0/9, 61.845-0/2 e 35.020-0/2.

Posicionar-se de maneira diversa importaria admitir uma decisão condicional pois, somente se atendida efetivamente a exigência tida como correta é que a decisão proferida na dúvida, eventualmente afastando o óbice discutido, é que seria possível o registro do título.

A discussão parcial dos óbices, por outro lado, sem cumprimento daqueles admitidos como corretos, possibilitaria a prorrogação indevida do prazo de prenotação, com consequências nos efeitos jurídicos desta decorrentes, tal como alteração do prazo para cumprimento das exigências ou a prorrogação da prioridade do título em relação a outro a ele contraditório.“.

O Conselho Superior da Magistratura assim decidiu, dentre vários outros julgados, nas Apelações Cíveis n°s. 71.127-0/4, 241-6/1, 15.351-0/6, 30.736-0/6, 31.007-0/4 e 59.191-0/7.

Deve-se, pois, ter como prejudicada a dúvida, a qual não comporta parcial provimento, e, uma vez prejudicada, o recurso não é conhecido pela ausência de interesse, porque não será possível alcançar a finalidade prática pretendida, que é o registro do título.

Caso a dúvida não estivesse prejudicada, o registro não seria viável.

A questão já foi enfrentada por esse Conselho, quando do julgamento da apelação n. 9000002-51.2011.8.26.0252, de minha relatoria. Lá, ficou assentado:

“De início, cumpre apontar que o prazo da garantia não pode ser tratado de forma autônoma ao prazo da cédula em si. Nessa espécie de título, a garantia e a obrigação estão vinculadas de tal forma que não cabe a separação pretendida quanto aos prazos. Assim, o prazo do penhor é o da cédula.

A jurisprudência deste Colendo Conselho Superior é firme nesse sentido. Vale trazer à colação trecho de voto do Desembargador Gilberto Passos de Freitas, na apelação cível 598-6/0, da Comarca de Pacaembu:

“(…) não se diga que o prazo do penhor seja distinto do prazo da obrigação (ou de vencimento da cédula), por ser aquele legal (cinco anos) e este contratual (oito anos): a) a uma, porque o título em foco não autoriza essa leitura dicotômica de prazos, mas, ao contrário, indica a unidade do prazo de oito anos também referido no campo clausulado denominado ‘obrigação especial – garantia’, com subsequente previsão de prorrogação para a hipótese de ‘vencimento do penhor’ (fls. 69); b) a duas, porque vinculada a cédula de crédito rural à garantia pignoratícia, o prazo de referência expresso na cédula é também o do penhor’.”

Não obstante a alteração da redação do art. 1.439 do Código Civil e do art. 61, do Decreto-Lei 167/67 pela Lei n. 12.873/13, com a supressão dos prazos antes previstos, o raciocínio quanto à impossibilidade da dicotomia entre prazo de garantia e vencimento permanece.

Nenhuma das razões expostas no apelo tem o condão de alterar o que esse Conselho já decidiu. Trata-se, aqui, de um título de crédito. Uma vez expirado o prazo final para pagamento e adimplida a dívida, não pode estender-se a garantia. A chamada “renovação simplificada” nada mais representa senão uma nova contratação, o que não pode ser feito com a utilização de título de crédito cuja exigibilidade já não subsiste. Por outro lado, na hipótese de inadimplência, a renovação significaria novação, ou seja, criação de nova obrigação em substituição à primeira, não podendo, da mesma maneira, subsistir a garantia.

O art. 1439 do Código Civil é claro ao apontar que o penhor agrícola e o penhor pecuário não podem ser convencionados por prazos superiores ao das obrigações garantidas.

O art. 61 do Decreto-Lei 167/67 também diz que o prazo do penhor rural, agrícola ou pecuário, não excederá o prazo da obrigação garantida. A segunda parte do artigo e seu parágrafo único não permitem a interpretação desejada pela recorrente. Lá se diz que, embora vencido o prazo, permanece a garantia, enquanto subsistirem os bens que a constituem. O parágrafo único trata da prorrogação do penhor e da garantia. Ora, parece claro que em ambos os casos se trata de hipóteses de prorrogação da mesma obrigação. Porém, o que pretende a recorrente é a renovação da obrigação, que, aliás, conforme o título, tem como pressuposto a sua quitação.

Por fim, é necessário apresentar a CND/INSS, pelo fato de o emitente da cédula estar incluso nas restrições previstas na Lei 8.212/91, conforme consta da cláusula de regularidade fiscal.

Portanto, agiu corretamente o Registrador ao negar ingresso ao título, não obstante norma administrativa do Conselho Monetário Nacional permita a operação.

A atividade registral é pautada pelo princípio da legalidade, o qual se sobressai em importância no momento da qualificação do título, impondo ao Registrador o controle dos requisitos do documento que dará entrada no fólio real. Assim, cabe a ele fazer o exame da legalidade do título e não se pode na qualificação desconsiderar critério expresso em lei.

Oportuno colacionar trecho de voto do Des. Ruy Camilo, na Apelação Cível n° 1.126-6/4 do Conselho Superior da Magistratura: “Considerando, então, que o juízo de qualificação registrária não se pode apartar da lei – o que impõe o exame da legalidade, pelo registrador, dos aspectos formais do título –, forçoso negar registro ao título cuja apresentação extrínseca esteja em desajuste com os seus requisitos legais.

Ante o exposto, pelo meu voto, não conheço do recurso.

MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS

Corregedor Geral da Justiça e Relator

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Conselho Superior da Magistratura

Apelação Cível 0000350-67.2015.8.26.0614-SEMA

Dúvida de Registro

VOTO VENCIDO (Voto n. 37.398)

1. Registro, à partida, o melhor de meus respeitos pelo eminente Relator da espécie, o Corregedor Geral da Justiça de São Paulo, Des. MANOEL DE QUEIROZ PEREIRA CALÇAS, justa vaidade da Magistratura paulista.

2. Sem embargo, da veniam, não me persuado da pertinência de, com decidir prejudicado o exame de dado recurso interposto em processo de dúvida registral, tal o caso destes autos, possa a Turma Julgadora prosseguir na apreciação da matéria de fundo e expedir um adendo de mérito de que não sei exatamente a natureza jurídica.

3. Não se trata, para já, de mera questão processual, bastante embora fosse isto e de toda a sorte a recomendar que não se prosseguisse na análise de uma impugnação recursal que se tem por prejudicada.

4. Que espécie de decisão é esta, com efeito, que se adota, pela Turma Julgadora, na sequência da declaração do prejuízo recursório? Trata-se de mera recomendação? Ou orientação? Ou será uma determinação para caso futuro eventual?

5. Não vislumbro como possa, todavia e de logo, o egrégio Conselho Superior da Magistratura bandeirante, recomendar, orientar ou determinar para situação futura e, por óbvio, contingente, quando a autoridade administrativa superior em matéria de registros públicos no Estado de São Paulo é o Corregedor Geral da Justiça paulista e não aquele Conselho. É dizer, a soberania administrativa, o poder de decidir em última instância administrativa, é neste campo o do Corregedor e não do Colegiado.

O que o Conselho pode decidir é só quanto ao caso específico e em ato alçado por meio de recurso no processo de dúvida. Se não vier assim, o caso só pode ser apreciado e decidido pelo Corregedor, não pelo Conselho.

6. Mas que valor jurídico deve atribuir-se a este versado adendo de mérito posterior ao reconhecimento do prejuízo recursal? Se é recomendação ou orientação, não obriga o registrador, nem o corregedor permanente. Se é determinação, opera de modo supressivo do dever de qualificação jurídica inaugural pelo próprio registrador e inibe ainda a possibilidade de o juiz de primeiro grau decidir, de futuro, com independência jurídica.

7. Além disso, como se haverá de impor esse adendo a ulteriores composições do Conselho Superior da Magistratura? Será também uma recomendação ao próprio Conselho para seguir esse adendo? Ou isto lhe será imposto? Esse adendo preclude?

(Lembra-me aqui a, em seu tempo, momentosa reconsideração do Conselho a propósito do caráter da arrematação, e pergunto-me se a expressa orientação antiga indicada em alguns ven. acórdãos, afirmando o cariz originário da arrematação, haveria de prevalecer contra o que veio a entender o mesmo Conselho posteriormente).

8. Preocupa-me, ainda, o tema da responsabilidade civil do registrador, tanto seja ele obrigado a observar, sem determinação explícita em dado processo, uma recomendação ou orientação, a que, cabe sublinhar, não estão submetidos os particulares e sequer mesmo a jurisdição do próprio Tribunal.

9. Por fim, não me posso compadecer, data venia, com as ablações de competências legalmente demarcadas. A de primeiro grau, no registro público, é do registrador; segue-se, no Estado de São Paulo, em grau para-hierárquico imediato, a do juiz corregedor permanente; por fim, a do Tribunal, segundo corresponda às disposições regimentais: em regra, a do Corregedor Geral; nos recursos de dúvida, a do Conselho.

Ao proferir-se o adendo de recomendação, orientação ou determinação, guardado o tributo de minha reverência ao entendimento da douta Maioria, malfere-se a ordem sobreposta de independências jurídicas (cf., a propósito, art. 28 da Lei n. 8.935/1994, de 18-11: “Os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições (…)”).

TERMOS EM QUE, cum magna reverentia, meu voto apenas julga prejudicado o recurso, sem mais acrescentar.

É como voto.

Des. RICARDO DIP

Presidente da Seção de Direito Público

(DJe de 05.05.2016 – SP)