CSM|SP: Registro de imóveis – Escritura pública – Negativa de registro – Dúvida julgada improcedente – “Consulta” do oficial – Reconsideração, de oficio, pelo juízo de primeiro grau – Possibilidade – Inexistência de coisa julgada – Necessidade de prévia retificação da área – Cumprimento parcial das exigências no curso do processo – Titulo que não foi apresentado em seu original – Dúvida prejudicada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 0002636-42.2013.8.26.0370, da Comarca de Monte Azul Paulista, em que é apelante GLADYS LEA DE CARVALHO TIROLEZ, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE MONTE AZUL PAULISTA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NÃO CONHECERAM DO RECURSO, V. U. DECLARARAM VOTOS CONVERGENTES OS DESEMBARGADORES ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO E RICARDO MAIR ANAFE.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente do Tribunal de Justiça), EROS PICELI (VICE PRESIDENTE), JOSÉ DAMIÃO PINHEIRO MACHADO COGAN (DECANO, EM EXERCÍCIO), (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PRIVADO), PINHEIRO FRANCO (PRES. SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL) E RICARDO ANAFE (PRES. DA SEÇÃO DE DIREITO PÚBLICO).

São Paulo, 15 de dezembro de 2015.

JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação Cível nº 0002636-42.2013.8.26.0370

Apelante: Gladys Lea de Carvalho Tirolez

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da Comarca de Monte Azul Paulista

VOTO Nº 29.086

Registro de imóveis – Escritura pública – Negativa de registro – Dúvida julgada improcedente – “Consulta” do oficial – Reconsideração, de oficio, pelo juízo de primeiro grau – Possibilidade – Inexistência de coisa julgada – Necessidade de prévia retificação da área – Cumprimento parcial das exigências no curso do processo – Titulo que não foi apresentado em seu original – Dúvida prejudicada.

O Oficial do Registro de Imóveis de Monte Azul Paulista suscitou dúvida, diante da negativa em registrar “escritura pública de alteração de contrato social”, por meio da qual, dentre outros itens, se dava a transferência do imóvel de matrícula n. 4550.

A recusa do registro deveu-se ao fato de que, haviam sido registradas, anteriormente, duas desapropriações, que envolveram partes ideais da área total. O registro da escritura, portanto, viria a ferir o princípio da especialidade objetiva. Além disso, o Oficial fez exigências quanto ao registro da escritura na Junta Comercial; apresentação de guia de recolhimento de ITBI; apresentação de certidões negativas de débito.

Pela sentença de fls. 239/241, a dúvida foi julgada procedente.

Foi então que o feito passou a ter um processamento tortuoso. Vieram os embargos de declaração de fls. 243/245. Sobreveio a decisão de fls. 273/277, em que se afastou o risco de quebra da especialidade objetiva, mas se impediu o registro porque não apresentadas as certidões negativas de débito. Constatou-se, ademais, o cumprimento das demais exigências.

Foram opostos novos embargos de declaração às fls. 279/281 e, em resposta a eles, decidiu-se que as certidões negativas eram prescindíveis e, portanto, a dúvida era improcedente.

Novos embargos de declaração vieram às fls. 332/335, dessa vez, rejeitados. E outros às fls. 342/345, não acolhidos.

Foi interposta, em seguida, apelação por “terceira interessada” (fls. 353/375), dando conta de que a escritura havia sido firmada por quem não era proprietário. O negócio, por isso, seria inexistente.

O recurso não foi recebido. No entanto, logo após a decisão de não recebimento, foi juntada aos autos uma petição de acordo, feito entre os interessados, a apelante e o Município de Monte Azul Paulista. No que diz respeito à dúvida, o acordo previu a desistência do recurso.

O título, dessa maneira, foi levado a registro. Contudo, o Oficial submeteu ao Juiz Corregedor Permanente uma ‘consulta’, esclarecendo que não há possibilidade de se fazer a retificação da área de ofício e que, por isso, não seria possível o registro da escritura sem ferir a especialidade objetiva, tendo em vista as desapropriações de partes ideais registradas anteriormente.

O Juiz Corregedor Permanente exarou a decisão de fls. 559/562, conhecendo a consulta e impedindo o registro, dada a necessidade de retificação da área, a ser feita pelo interessado.

Foram opostos embargos de declaração, às fls. 568/574, mas rejeitados (fl. 575).

Por fim, foi interposta a apelação de fls. 578/588, em que a apelante se limita a defender a existência de coisa julgada e, portanto, a impossibilidade de revisão da sentença em face de mera consulta do Oficial.

A Procuradoria de Justiça manifestou-se pelo não conhecimento do recurso, declarando-se prejudicada a dúvida.

É o relatório.

Decido.

Não há de se falar em coisa julgada material. Cuida-se, aqui, de atividade administrativa, como diz, expressamente, o art. 204, da Lei de Registos Públicos (“A decisão da dúvida tem caráter administrativo…”).

A formação de coisa julgada material é atributo da função jurisdicional. A imutabilidade do conteúdo decisório, fator de segurança jurídica, pressupõe o exercício dessa função.

Se a atividade exercida no procedimento de dúvida tem caráter administrativo, não faz sentido falar na formação de coisa julgada. Aliás, se a razão de ser da formação de coisa julgada é justamente a segurança jurídica, há, no caso, outro forte motivo para afastá-la. Como se verá, caso se permitisse o registro tal como determinado, restaria absolutamente abalada a segurança jurídica inerente ao registro de imóveis.

Vale dizer, ocorreria um paradoxo. Para preservar a segurança jurídica (decorrente da formação de coisa julgada) estar-se-ia vulnerando essa mesma segurança jurídica (decorrente da higidez do registro).

Trata-se – a não formação de coisa julgada – de orientação adotada já de há muito pelo Conselho Superior da Magistratura, como se vê da Apelação Cível n.4.777-0, Relator Desembargador Marcos Nogueira Garcez:

DÚVIDA – COISA JULGADA. A decisão da dúvida, meramente administrativa, não produz coisa julgada.

“A decisão da dúvida, meramente administrativa, como se sabe, não produz coisa julgada. A questão foi bem examinada pelo dr. Hélio Quaglia Barbosa, quando juiz auxiliar da Corregedoria, em parecer inserto em “Decisões Administrativas da Corregedoria Geral da Justiça”, ed. RT, biênio 1983/1984, pág. 94:

‘a pretendida imutabilidade do julgado determinante do registro, proferido nos autos do procedimento de dúvida 83/82, na verdade inocorre, em face da natureza eminentemente administrativa daquele processo, como tem, reiteradamente, afirmado o E. Conselho Superior da Magistratura (Ap. 287.597, de São Bernardo do Campo; 288.557, de Campinas; 284.332, de Araraquara; 281.159, de Lins; 426-0, de Sorocaba; 510-0, de Ribeirão Preto; 535-0, de Itapecerica da Serra; 1.249-0, de Mauá; 2.116-0, de Ribeirão Preto, etc.). Quando, todavia, fosse aviltrado encartar-se a dúvida entre os procedimentos da chamada jurisdição voluntária, ausente estaria, de qualquer forma, o atributo da coisa julgada material (art. 1.111, do CPC). Porque, como acentua Lopes da Costa (apud José Olympio de Castro Filho, ‘Comentários ao Código de Processo Civil’, ed. Forense, 1976, vol. X, n. 23, p. 63), ‘na jurisdição voluntária, a decisão serve a um interesse público, procura a verdade real e tende a realizar um resultado conveniente. Dar-lhe a força de coisa julgada seria deixar que perdurasse uma situação contrária, pelo fato de o juiz haver errado e os interessados, por ignorância ou descuido, contra esse erro não haverem reclamado'”.

A mesma orientação encontra-se no julgamento da Apelação Cível n. 10.880-0/3, Relator Desembargador Onei Raphael:

“O procedimento de dúvida é de caráter administrativo, não alcançado, pois, pelos efeitos da imutabilidade. Portanto nesse procedimento há a possibilidade de revisão dos atos praticados, seja pela própria autoridade administrativa, seja pela instância revisora, até mesmo de ofício.

Numa primeira oportunidade (fls. 21/3), o MM. Juiz em exercício na Corregedoria Permanente houve por bem em afastar a exigência e deferir o registro.

Porém – e sem que a decisão fosse cumprida – acabou tal decisão alterada pelo próprio Corregedor Permanente (fls. 54/5), já que teria a anterior contrariado orientação normativa da Corregedoria Geral e da local.

Posta assim a questão, cumpre examinar e desde logo – a alegada existência de coisa julgada impeditiva da reforma pelo próprio juízo.

As razões nesse sentido invocadas carecem de vigor jurídico.

O procedimento de dúvida como é cediço – tem natureza administrativa, pelo que implicita a possibilidade de revisão dos atos praticados, seja pela própria Autoridade administrativa, seja pela instância revisora, até mesmo de ofício.

A isso se acrescente que a decisão que autorizara o registro não chegou a ser cumprida, porque inexequível, como bem lembrou o I. Procurador de Justiça (fls. 67/8).

E não se deve perder de vista que a primeira decisão continha, em si, manifesta contradição. Enquanto afastava o óbice ao registro, determinava ao Oficial que observasse o disposto nas Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.

Não podia, consequentemente, ser cumprida a primeira determinação. Bem andou o MM. Juiz Corregedor Permanente em rever a decisão e podia fazê-lo – para adequá-la à orientação normativa.

Não se incorreria em erro ao afirmar, de toda sorte, que há um interesse público maior e relevante a determinar providências que visem a corrigir e evitar acesso ao registro de títulos que não preencham requisitos legais. A segurança que o sistema registrário deve proporcionar está acima de formalismos de natureza procedimental.

O raciocínio do recorrente, dest’arte, só se poderia admitir se se cuidasse de matéria posta em julgamento na esfera jurisdicional. Aí o equívoco fundamental do recurso. A instância é administrativa, e a previsão de apelação não processualiza nem jurisdicionaliza o procedimento. Como asseverado no V. Acórdão do Egrégio Conselho, no Ag. Rg. 270.275 de Marília, Rel. o Des. Andrade Junqueira (apud Narciso Orlandi Neto, Registro de Imóveis, Decisões do Conselho Superior da Magistratura, Biênio 1981/2).

“Processo administrativo não é mesmo que ‘jurisdição administrativa’, ou ‘graciosa’, ou ainda ‘voluntária’ ” (as ressalvas são do texto).

Inconvincentes, pois, as razões, há de se afastar a preliminar de nulidade do segundo julgado.”

Superada essa questão, o que se verifica, da análise de todo o procedimento, é que a dúvida está prejudicada. Em primeiro lugar porque o título não foi apresentado em sua via original (fls. 165/184). Em segundo, porque parte das exigências foi cumprida ao longo do procedimento, o que não se admite.

A concordância parcial com as exigências do Oficial prejudica o pedido, que só admite duas soluções: a determinação do registro do título protocolado e prenotado, que é analisado, em reexame da qualificação, tal como se encontrava no momento em que surgida dissensão entre a apresentante e o Oficial de Registro; ou a manutenção da recusa do Oficial. Para que se possa decidir se o documento pode ser registrado ou não é preciso que todas as exigências – e não apenas parte delas – sejam reexaminadas pelo Corregedor Permanente. Nesse sentido, é pacífica a jurisprudência deste Egrégio Conselho Superior.

Na hipótese, a recorrente cumpriu, ao longo do procedimento, as exigências de apresentar certidão de isenção de recolhimento de ITBI e de registrar a escritura perante a Junta Comercial.

Muito embora prejudicada a dúvida, deve-se analisar a questão de fundo, a fim de evitar que, procedida a retificação, a interessada venha a ter que se valer, novamente, do procedimento.

Não se trata de exame de consulta, em tese, mas de análise de caso concreto. O Conselho não atua como mero órgão consultivo, mas como regulador de uma situação de fato. Uma vez resolvida a controvérsia, o tema não será mais levado à Corregedoria Permanente, dado que o Oficial já terá orientação clara sobre como proceder.

Ao contrário do exercício de função jurisdicional, cuja essência é teleológica, a função administrativa, exercida no âmbito do julgamento das dúvidas, tem caráter disciplinador. Enquanto, na função jurisdicional, visa-se ao julgamento do mérito, com posterior formação de coisa julgada e impossibilidade de rediscussão para as partes, o julgamento das dúvidas não se presta somente a decidir o caso concreto, mas a servir de orientação aos registradores para casos análogos.

Logo, por esses dois ângulos é importante a análise do mérito, ainda que prejudicada a dúvida: a) evita-se a nova suscitação; b) fixa-se orientação para casos similares.

Passa-se ao exame do caso, portanto.

Sobre a apresentação de CND`s, a decisão se coaduna ao que determina o item 119.1, do Capítulo XX, das NSCGJ:

119.1. Com exceção do recolhimento do imposto de transmissão e prova de recolhimento do laudêmio, quando devidos, nenhuma exigência relativa à quitação de débitos para com a Fazenda Pública, inclusive quitação de débitos previdenciários, fará o oficial, para o registro de títulos particulares, notariais ou judiciais.

Também o Conselho Superior da Magistratura, com acerto, já assentou que as CND’s em questão são prescindíveis porque:

O Egrégio Supremo Tribunal Federal tem reiterada e sistematicamente reconhecido a inconstitucionalidade de leis e de atos normativos do Poder Público que tragam em si sanções políticas, vale dizer, normas enviesadas a forçar, a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário.

Nos autos das ADIs nºs 173-6 e 394-1, declarou a Suprema Corte, por unanimidade, a inconstitucionalidade do artigo 1º, I, III e IV, e §§ 1º a 3º, da Lei nº 7.711/88, a seguir transcritos:

Art. 1º Sem prejuízo do disposto em leis especiais, a quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias, será comprovada nas seguintes hipóteses:

I – transferência de domicílio para o exterior; (…)

III – registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa, conforme definida na legislação de regência;

IV – quando o valor da operação for igual ou superior ao equivalente a 5.000 (cinco mil) obrigações do Tesouro Nacional – OTNs: a) registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos;

b) registro em Cartório de Registro de Imóveis;

c) operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais.

1º Nos casos das alíneas a e b do inciso IV, a exigência deste artigo é aplicável às partes intervenientes.

2º Para os fins de que trata este artigo, a Secretaria da Receita Federal, segundo normas a serem dispostas em Regulamento, remeterá periodicamente aos órgãos ou entidades sob a responsabilidade das quais se realizarem os atos mencionados nos incisos III e IV relação dos contribuintes com débitos que se tornarem definitivos na instância administrativa, procedendo às competentes exclusões, nos casos de quitação ou garantia da dívida.

3º A prova de quitação prevista neste artigo será feita por meio de certidão ou outro documento hábil, emitido pelo órgão competente.

Interessa, para o caso vertente, a situação versada no inciso IV, alínea “b”, que cuida da necessidade de comprovação da quitação de créditos tributários, contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias quando do registro de títulos no Registro de Imóveis.

O Egrégio Supremo Tribunal Federal, ao declarar a inconstitucionalidade de referido inciso, subtraiu-o do ordenamento jurídico porque incompatível com a ordem constitucional vigente.

Assim, não há mais que se falar em comprovação da quitação de créditos tributários, contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias como condição para o ingresso de qualquer título no Registro de Imóveis, por representar forma oblíqua de cobrança do Estado.

Em suma, a exigência questionada, sem qualquer relação com o ato registral, revela-se descabida: importa cobrança do Estado por via oblíqua (sanção política), reputada inconstitucional, como visto.

Não se desconhece, é certo, o entendimento vigente neste Colendo Conselho Superior da Magistratura:

A exigência das certidões negativas vem expressa no art. 47, I, “b”, da Lei nº 8.212/91. A invocação da Ação Direta de Inconstitucionalidade 173-6 – Distrito Federal, que reconheceu a inconstitucionalidade de dispositivos da Lei nº 7.711/88, afastando a exigência de quitação dos créditos tributários para a prática de atos da vida civil e empresarial não beneficia o apelante.

É que a situação regulada nos dispositivos considerados inconstitucionais difere, por completo, da examinada neste procedimento de dúvida. Reconheceu-se a inconstitucionalidade das “restrições não-razoáveis ou desproporcionais ao exercício da atividade econômica ou profissional lícita, utilizadas como forma de indução ou coação ao pagamento de tributos”. A orientação tomada pelo Supremo Tribunal Federal foi a de vedar a aplicação de sanções políticas tributárias, que pudessem, entre outras coisas, redundar na interdição de estabelecimentos e proibição total do exercício de atividade profissional.

Pede-se vênia, porém, para discordar da premissa adotada: o venerando acórdão da Suprema Corte, embora tenha levado em conta a interdição de estabelecimentos e a proibição do exercício de atividade profissional, em momento algum restringiu a inconstitucionalidade declarada a tais situações. Exatamente por esta razão, aliás, é que o eminente Ministro Joaquim Barbosa, relator da Adi 173, frisou em seu voto que:

Como se depreende do perfil apresentado e da jurisprudência da Corte, as sanções políticas podem assumir uma série de formatos. A interdição de estabelecimento e a proibição total do exercício de atividade profissional são apenas exemplos mais comuns.

Ao dizer que o que interdição de estabelecimento e a proibição total do exercício de atividade profissional são apenas exemplos mais comuns de sanções políticas, deixou claro o Supremo Tribunal Federal que a mesma lógica deve ser aplicada em outros casos em que se fizer presente a sanção política, por representar expediente de cobrança proscrito, uma vez incompatível com a ordem constitucional vigente.

O paradigmático acórdão, aliás, realça que sanções políticas subtraem do contribuinte os direitos fundamentais de livre acesso ao Poder Judiciário e ao devido processo legal (art. 5º, XXXV e LIV, da Carta Magna). A propósito, conquanto extensa, mas para evidenciar o assinalado, reproduzo a ementa correspondente:

CONSTITUCIONAL. DIREITO FUNDAMENTAL DE ACESSO AO JUDICIÁRIO. DIREITO DE PETIÇÃO. TRIBUTÁRIO E POLÍTICA FISCAL. REGULARIDADE FISCAL. NORMAS QUE CONDICIONAM A PRÁTICA DE ATOS DA VIDA CIVIL E EMPRESARIAL À QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. CARACTERIZAÇÃO ESPECÍFICA COMO SANÇÃO POLÍTICA. AÇÃO CONHECIDA QUANTO À LEI FEDERAL 7.711/1988, ART. 1º, I, III E IV, PAR. 1º A 3º, E ART. 2º. Ações diretas de inconstitucionalidade ajuizadas contra os arts. 1º, I, II, III e IV, par. 1º a 3º e 2º da Lei 7.711/1988, que vinculam a transferência de domicílio para o exterior (art. 1º, I), registro ou arquivamento de contrato social, alteração contratual e distrato social perante o registro público competente, exceto quando praticado por microempresa (art. 1º, III), registro de contrato ou outros documentos em Cartórios de Registro de Títulos e Documentos (art. 1º, IV, a), registro em Cartório de Registro de Imóveis (art. 1º, IV, b) e operação de empréstimo e de financiamento junto a instituição financeira, exceto quando destinada a saldar dívidas para com as Fazendas Nacional, Estaduais ou Municipais (art. 1º, IV, c) estas três últimas nas hipóteses de o valor da operação ser igual ou superior a cinco mil Obrigações do Tesouro Nacional – à quitação de créditos tributários exigíveis, que tenham por objeto tributos e penalidades pecuniárias, bem como contribuições federais e outras imposições pecuniárias compulsórias. 2. Alegada violação do direito fundamental ao livre acesso ao Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da Constituição), na medida em que as normas impedem o contribuinte de ir a juízo discutir a validade do crédito tributário. Caracterização de sanções políticas, isto é, de normas enviesadas a constranger o contribuinte, por vias oblíquas, ao recolhimento do crédito tributário. 3. Esta Corte tem historicamente confirmado e garantido a proibição constitucional às sanções políticas, invocando, para tanto, o direito ao exercício de atividades econômicas e profissionais lícitas (art. 170, par. ún., da Constituição), a violação do devido processo legal substantivo (falta de proporcionalidade e razoabilidade de medidas gravosas que se predispõem a substituir os mecanismos de cobrança de créditos tributários) e a violação do devido processo legal manifestado no direito de acesso aos órgãos do Executivo ou do Judiciário tanto para controle da validade dos créditos tributários, cuja inadimplência pretensamente justifica a nefasta penalidade, quanto para controle do próprio ato que culmina na restrição. É inequívoco, contudo, que a orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal não serve de escusa ao deliberado e temerário desrespeito à legislação tributária. Não há que se falar em sanção política se as restrições à prática de atividade econômica objetivam combater estruturas empresariais que têm na inadimplência tributária sistemática e consciente sua maior vantagem concorrencial. Para ser tida como inconstitucional, a restrição ao exercício de atividade econômica deve ser desproporcional e não-razoável. 4. Os incisos I, III e IV do art. 1º violam o art. 5º, XXXV da Constituição, na medida em que ignoram sumariamente o direito do contribuinte de rever em âmbito judicial ou administrativo a validade de créditos tributários. Violam, também o art. 170, par. ún. da Constituição, que garante o exercício de atividades profissionais ou econômicas lícitas. Declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, I, III e IV da Lei 7.711/1988. Declaração de inconstitucionalidade, por arrastamento dos parágrafos 1º a 3º e do art. 2º do mesmo texto legal. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. SANÇÃO POLÍTICA. PROVA DA QUITAÇÃO DE CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS NO ÂMBITO DE PROCESSO LICITATÓRIO. REVOGAÇÃO DO ART. 1º, II DA Lei 7.711/1988 PELA LEI 8.666/1993. EXPLICITAÇÃO DO ALCANCE DO DISPOSITIVO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONHECIDA QUANTO AO PONTO. 5. Ação direta de inconstitucionalidade não conhecida, em relação ao art. 1º, II da Lei 7.711/1988, na medida em que revogado, por estar abrangido pelo dispositivo da Lei 8.666/1993 que trata da regularidade fiscal no âmbito de processo licitatório. 6. Explicitação da Corte, no sentido de que a regularidade fiscal aludida implica “exigibilidade da quitação quando o tributo não seja objeto de discussão judicial” ou “administrativa”. Ações Diretas de Inconstitucionalidade parcialmente conhecidas e, na parte conhecida, julgadas procedentes. (grifei)

Destarte, se o Supremo Tribunal Federal extirpou do ordenamento jurídico norma mais abrangente, que impõe a comprovação da quitação de qualquer espécie de débito tributário, contribuição federal e outras imposições pecuniárias compulsórias, não há sentido, é certo, tampouco em se fazer exigência com fundamento em regras de menor abrangência, como as estabelecidas no artigo 47, I, “b”, da Lei nº 8.212/1991, e na Instrução Normativa nº 93/2001, da Receita Federal.

Não se deve interpretar a regra do artigo 47 da Lei n.º 8.212/91 e a Instrução Normativa n.º 93/2001, da Receita Federal, à revelia do venerando acórdão do Supremo Tribunal Federal (Adi 173) e de toda a sua sólida e antiga jurisprudência no sentido de afastar as sanções políticas (RMS 9.698, RE 413.782, RE 424.061, RE 409.956, RE 414.714 e RE 409.958).

Também este Egrégio Tribunal de Justiça, fulcrado nos precedentes do Supremo Tribunal Federal, tem caminhado nesse sentido: nos autos da arguição de inconstitucionalidade n.º 139256-75.2011.8.26.0000, da qual participei, o Colendo Órgão Especial declarou a inconstitucionalidade do artigo 47, I, “d”, da Lei nº 8.212/91. E o venerando acórdão restou assim ementado:

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 8.212/91, ART. 47, ALÍNEA “D”. EXIGÊNCIA DE CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITO DA EMPRESA NO REGISTRO OU ARQUIVAMENTO, NO ÓRGÃO PRÓPRIO, DE ATO RELATIVO A EXTINÇÃO DE SOCIEDADE COMERCIAL. OFENSA AO DIREITO AO EXERCÍCIO DE ATIVIDADES ECONÔMICAS E PROFISSIONAIS LÍCITAS (CF, ART. 170, PARÁGRAFO ÚNICO), SUBSTANTIVE PROCESS OF LAW E AO DEVIDO PROCESSO LEGAL. ARGUIÇÃO PROCEDENTE. Exigência descabida, em se cuidando de verdadeira forma de coação à quitação de tributos. Caracterização da exigência como sanção política. Precedentes do STF.

Ao proferir voto-vista, consignei:

De fato, normas que condicionam a prática de atos da vida civil e empresarial à quitação de débitos tributários devem ser proporcionais, razoáveis e necessárias, o que só se verifica quando a relação entre meios e fins sendo estes os objetivos a que se destinam a coisa pública – não excedem os limites indispensáveis à legitimidade do fim que se almeja. Nessa ordem de ideias, é manifesta a inconstitucionalidade e ilegitimidade do artigo 47, inciso I, “d”, da Lei Federal nº 8.212/1991, quando exige, da empresa, certidão negativa de débito previdenciário “no registro ou arquivamento, no órgão próprio, de ato relativo a baixa ou redução de capital de firma individual, redução de capital social, cisão total ou parcial, transformação ou extinção de entidade ou sociedade comercial ou civil e transferência de controle de cotas de sociedades de responsabilidade limitada.” Há abuso do poder legiferante estatal, porque o contribuinte é constrangido, por via indireta e enviesada, ao pagamento de débito tributário; tem dificultado o livre acesso ao Judiciário, pois desde logo considera-se perfeita e acabada a imposição fiscal; vê tolhido seu direito fundamental ao exercício de atividade econômica, à livre iniciativa, à prática empresarial lícita. Conforme bem observa HUGO DE BRITO MACHADO, “A ilicitude de não pagar tributos devidos não exclui o direito de exercer a atividade econômica, que é direito fundamental. Atividade econômica lícita, é certo, mas a ilicitude de não pagar o tributo, não faz ilícita a atividade geradora do dever tributário. Uma coisa é a ilicitude de certa atividade. Outra, bem diversa, a ilicitude consistente no descumprimento da obrigação tributária principal ou acessória. Mesmo incorrendo nesta última, quem exercita atividade econômica continua protegido pela garantia constitucional. Cabe ao Fisco a utilização dos caminhos que a ordem jurídica oferece para constituir o crédito tributário, e cobrá-lo, mediante ação de execução fiscal.” O Poder Público já dispõe de enormes privilégios e prerrogativas quando contende em Juízo e, mais ainda, quando executa seus créditos tributários. Se entende que algum tributo lhe é devido, deve propor a competente execução fiscal, mas nunca eclipsar o princípio da livre iniciativa, princípio que, no âmbito econômico, consubstancia-se numa das facetas do postulado da dignidade da pessoa humana, que assegura a todos o direito ao pleno desenvolvimento das próprias potencialidades.” (grifei).

É sabido que o caso posto não cuida de extinção de pessoa jurídica. Porém, a operação econômica expressa na escritura pública de dação em pagamento também é manifestação da livre iniciativa, do exercício da autonomia privada, da liberdade contratual, garantidos constitucionalmente e que não podem ser estorvados, restringidos, por sanções de natureza política, na justa compreensão do Supremo Tribunal Federal e do Órgão Especial deste Tribunal de Justiça. Insista-se, tanto na situação referente à extinção da pessoa jurídica quanto neste, a exibição das certidões negativas de débitos – CNDs tem o mesmo escopo: constranger o contribuinte, por via oblíqua, ao recolhimento do crédito tributário. Se assim é, idêntico, por conseguinte, tem de ser o desfecho, a solução da questão, com afastamento da exigência impugnada. Ora, lembrando famoso adágio romano, ubi eadem legis ratio, ibi eadem dispositio.

Em resumo, convém, conforme sinalizado em voto elaborado para Apelação Cível n.º 0018870-06.2011.8.26.0068 e na linha dos precedentes antes mencionados e, também, de outro, recente, da Corregedoria Geral da Justiça, a modificação da posição vigorante neste Colendo Conselho Superior da Magistratura.

De fato, razão alguma justifica a comprovação de inexistência de débitos tributários e de contribuições federais como condição – desproporcional e desprovida de razoabilidade -, para o registro de títulos no Registro de Imóveis, mormente, em particular, para o da carta de sentença, cujo registro, portanto, impõe-se.

Aliás, se não pelos fundamentos acima expostos, por outro, já prestigiado por este Colendo Conselho Superior da Magistratura, que, ao julgar a Apelação Cível n.º 0009896-29.2010.8.26.0451, sob minha relatoria, estabeleceu a orientação – que se aplica à situação aqui examinada -, no sentido de que, não havendo como o adquirente obrigar o transmitente a regularizar sua situação perante o INSS e a Receita Federal, a impossibilidade de cumprimento da exigência fica caracterizada, de sorte a justificar a dispensa da exibição das certidões negativas de débitos (artigo 198, caput, da Lei nº 6.015/1973).

Providência razoável, ademais, para não forçar o interessado a buscar – via ação de usucapião, modo originário de aquisição da propriedade -, o reconhecimento do seu direito real sobre a coisa. Trata-se de medida que, a par de evitar outro embaraço para o adquirente – que já se valeu da ação de adjudicação compulsória para suprir a omissão do alienante -, também desencoraja nova movimentação da máquina judiciária.

Pelo todo exposto, dou provimento à apelação para determinar o registro da carta de sentença. (Apelação Cível nº 9000003-22.2009.8.26.0441, DJ: 05/03/2013, Rel. Des. José Renato Nalini).

Com isso, não se declarou inconstitucionalidade de lei. Apenas se deu aplicação aos v. acórdãos do E. Supremo Tribunal Federal.

Cumpridas em parte as exigências, e superado o óbice da exibição de CND´s, efetivamente não havia como o Oficial registrar o título sem quebra do princípio da especialidade objetiva nem proceder à retificação de ofício.

Para Afrânio de Carvalho, o princípio da especialidade do imóvel significa a sua descrição como corpo certo, a sua representação escrita como individualidade autônoma, com o seu modo de ser físico, que o torna inconfundível e, portanto, heterogêneo em relação a qualquer outro (Reg de Imóveis: comentários ao sistema de registro em face da Lei 6015/73, 2a ed., Rio de Janeiro, 1977, p. 219). Por isso, o imóvel deve estar perfeitamente descrito no título objeto de registro de modo a permitir sua exata localização e individualização, não se confundindo com nenhum outro.

Narciso Orlandi Neto, ao citar Jorge de Seabra Magalhães, lembra que “as regras reunidas no princípio da especialidade impedem que sejam registrados títulos cujo objeto não seja exatamente aquele que consta do registro anterior. É preciso que a caracterização do objeto do negócio repita os elementos de descrição constantes do registro” (Narciso Orlandi Neto, Retificação do Registro de Imóveis, Juarez de Oliveira, pág. 68).

Por essa razão, não se permite o registro de escritura pública que descreva o imóvel de forma diferente da que consta no registro de imóveis (CSM Ap. Cível no 10.897/2010).

As duas desapropriações de partes ideais do imóvel da matrícula n. 4550 deram origem a duas novas matrículas, das áreas desapropriadas: n. 11.628 e 11.629.

Com isso, a área do imóvel da matrícula n. 4550 passou a ser menor, diferente daquela que consta do título levado a registro. Permiti-lo, então, viria a ferir o princípio da especialidade objetiva.

Torna-se necessária, dessa forma, a prévia retificação da área remanescente, com posterior re-ratificação da escritura, a fim de que o título reflita a área retificada.

E as coisas não são simples como menciona a sentença de fls. 273/277. Não “basta subtrair as áreas desapropriadas, para que se possa registrar a área remanescente”, aproveitando-se a escritura pública. Não se trata de mera conta matemática.

O Juízo de Primeiro Grau, nessa decisão, entendeu que cabia a aplicação do §13, do art. 213, da Lei de Registros públicos: “Não havendo dúvida quanto à identificação do imóvel, o título anterior à retificação poderá ser levado a registro desde que requerido pelo adquirente, promovendo-se o registro em conformidade com a nova descrição.”

Aqui, no entanto, há evidente dúvida quanto à identificação do imóvel. E não houve nenhuma retificação anterior, mas, tão somente, registro de duas desapropriações, que, por se tratar de forma originária de aquisição da propriedade, não respeitaram sequer os princípios da continuidade ou da especialidade objetiva.

É evidente a necessidade de prévia retificação e ela não pode ser feita de ofício pelo Oficial. Trata-se de hipótese de alteração de medida perimetral, que resulta em alteração de área. Aplica-se, por isso, o inciso II, do art. 213, da Lei de Registros Públicos.

Deve haver requerimento do interessado, “instruído com planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no competente Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura – CREA, bem assim pelos confrontantes.”

Além disso, como bem ponderado pelo Oficial, a descrição da área maior do imóvel da matrícula n. 4550 é imprecisa e nunca foi submetida a georreferenciamento, de forma que não há como, sem a retificação, saber exatamente qual a área remanescente.

Cabe, portanto, ao interessado promover a retificação da área e, uma vez feita, adequar o título aquisitivo, a fim de que seja levado novamente a registro.

Com as observações supra, julgo prejudicada a dúvida.

JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação Cível n° 0002636-42.2013.8.26.0370

Apelante: Gladys Lea de Carvalho Tirolez

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da comarca de Monte Azul Paulista

DECLARAÇÃO PE VOTO CONVERGENTE

VOTO N. 34.619

1. Gladys Lea de Carvalho Tirolez interpôs apelação contra sentença que, conhecendo de consulta apresentada pelo Oficial de Registro de Imóveis e Anexos da comarca de Monte Azul Paulista, sustou o cumprimento de anterior sentença que dera a dúvida por improcedente.

A apelante alega que já havia transitado em julgado uma sentença que dera a dúvida por improcedente. Portanto, deve ser reformada a nova sentença, que impediu o cumprimento da primeira em razão de mera consulta do Oficial.

2. Não houve ofensa à coisa julgada, pelo simples fato de que ela não existe em processo de dúvida, por expressa determinação legal (LRP/1973, art. 204). Dessa maneira, se a primeira sentença, quando cumprida, conduziria a nulidade do registro de imóveis, por ofensa à especialidade objetiva, agiu bem o juízo corregedor permanente ao cassá-la.

Além disso, a primeira sentença não podia mesmo ter sido proferida, porque àquela altura a dúvida já estava prejudicada, como fez notar o eminente Desembargador Relator. Isto porque, durante o processo de dúvida e antes da primeira sentença, o interessado atendeu a parte das exigências formuladas pelo ofício de registro de imóveis. Assim, houve irresignação parcial, e isso, segundo constante jurisprudência deste Conselho, impede a análise do mérito, uma vez que o interessado, ao satisfazer parte dos óbices, deixou claro que, na data da prenotação, o título realmente não era suscetível de registro stricto sensu.

No entanto, diverge-se quanto à apresentação de solução que, em tese, deveria dar-se ao caso, na hipótese de conhecimento do recurso.

A orientação superior das notas e dos registros e a propositura de medidas convenientes ao aprimoramento dos serviços extrajudiciais é tarefa exclusiva e indelegável do Corregedor Geral da Justiça (Regimento Interno, art. 28, XVIII e XXXI).

Por sua vez, o Conselho Superior da Magistratura, em matéria notarial e registral, é chamado a decidir processos (Regimento Interno, art. 16, IV), e não a emitir orientações hipotéticas.

Portanto, constatando a necessidade de proferir instruções, orientações ou recomendações, cabe ao Corregedor Geral da Justiça fazê-lo, sem que precise ou deva valer-se de dúvida registral, expediente que, ademais, desatende o sistema pela heterodoxia.

Com efeito, este Conselho deve conhecer do mérito, se antes não conhecer de preliminar que com ele seja incompatível (CPC/1973, art. 560, caput). Disso se conclui que, se houver (como in casu houve) preliminar que impeça o exame do mérito, sobre ele não cabe pronunciamento. Há de ser entregue a prestação jurisdicional, e não mais que isso. Como diz Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo Civil, Rio de Janeiro: Forense, 1975, tomo VIII, p. 266):

Se a decisão na preliminar processual ou na questão prejudicial elimina o julgamento do mérito, claro que não mais se prossegue; julgado está o feito; a decisão, por si só, é terminativa.

As decisões deste Conselho gozam de inegável prestígio e (como salienta o Desembargador Relator), servem de orientação para registradores, tabeliães, juízes e partes.

Justamente por isso, os acórdãos devem contar o que a lei efetivamente permite que seja objeto do julgamento de todos os integrantes do Conselho. No caso de dúvida prejudicada, esse objeto, como se disse, restringe-se à matéria preliminar. Logo, é preferível não inserir nem fazer prevalecer posições jurídicas sobre a matéria de fundo, sem que esta, contudo, pudesse ter sido legalmente examinada, discutida e votada. Afinal, ou este Conselho de fato orienta e disciplina (caso em que a orientação ou a regra necessariamente há de ser produto da deliberação deste órgão), ou então não resolve, e não convém expender nem se estender em tema, não objeto de pronunciamento pelo colegiado.

Em especial, ainda é preciso ressaltar que as certidões negativas de débitos tributários e previdenciários federais (CNDs) realmente têm de ser apresentadas, não obstante o entendimento de parte da jurisprudência deste E. Conselho e o teor das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça, tomo II, capítulo XX, item 119.1. Sem essas certidões não se pode fazer o registro stricto sensu almejado pela apelante. A apresentação é exigida pela Lei 8.212/1991, art. 47, I, b (“É exigida Certidão Negativa de Débito-CND, fornecida pelo órgão competente, nos seguintes casos: I – da empresa: b) na alienação ou oneraçao, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo.”), e essa regra ainda continua em vigor.

Em primeiro lugar, a regra da Lei 8.212/1991, art. 47, I, b, não foi nem será atingida pelas modificações trazidas pela Lei Complementar 147, de 7 de agosto de 2014, art. 1º (que alterou a Lei Complementar 123, de 14 de dezembro de 2006, art. 9º), e pelo Decreto 8.302, de 4 de setembro de 2014. Essas disposições somente revogam a Lei 8.212/1991, art. 47, I, d, o Decreto 6.106, de 30 de abril de 2007, e alguns dispositivos do Decreto 3.048, de 6 de maio de 1999 (em particular, o art. 257), que concernem, todos, a registro de atos constitutivos, modificativos e extintivos ligados a empresários individuais e a pessoas jurídicas. Portanto, de nenhuma forma afastam a exigência de CNDs no caso de alienação de bens imóveis por pessoas jurídicas, tal como imposta pela Lei de Organização da Seguridade Social.

Em segundo lugar, não se pode afirmar aqui a inconstitucionalidade da exigência posta na Lei 8.212/1991, art. 47, I, b, em que pesem precedentes deste Conselho (Ap. Cív. 0018870-06.2011.8.26.0068, j. 13.12.2012; Ap. Cív. 9000003-22.2009.8.26.0441, j. 13.12.2012; Ap. Cív. 0013479-23.2011.8.26.0019, j. 13.12.2012; Ap. Cív. 0003435-42.2011.8.26.0116, j. 13.12.2012; Ap. Cív. 0013759-77.2012.8.26.0562, j. 17.01.2013; Ap. Cív. 0021311-24.2012.8.26.0100, j. 17.01.2013; Ap. Cív. 0019260-93.2011.8.26.0223, j. 18.04.2013; Ap. Cív. 0013693-47.2012.8.26.0320, j. 18.4.2013; Ap. Cív. 0006907-12.2012.8.26.0344, j. 23.05.2013; Ap. Cív. 9000004-83.2011.8.26.0296, j. 26.09.2013; Ap. Cív. 0015705-56.2012.8.26.0248, j. 06.11.2013; Ap. Cív. 0001379-65.2013.8.26.0116, j. 18.3.2014; Ap. Cív. 0002289-35.2013.8.26.0426, j. 26.8.2014; Ap. Cív. 0020124-97.2012.8.26.0223, j. 7.10.2014).

Afinal, as decisões dadas nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs) 173-6 e 394-1, julgadas em 20.3.2009, concernem apenas à Lei 7.711/1988, art. 1º, I, III e IV, e §§ 1º, 2º e 3º. Os efeitos dessas ADIs não podem ser estendidos para atingir, também, a Lei 8.212/1991, art. 47, já porque o Supremo Tribunal Federal não admite a transcendência dos motivos determinantes das declarações de inconstitucionalidade (Rcl 7.956-AgR, j. 19.9.2013; Rcl 11.478-AgR, j. 5.6.2012), já porque a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo não pode ser declarada nesta via administrativa, como este próprio Conselho já reconheceu ao longo de anos (Ap. Cív. 0038442-73.2011.8.26.0576, j. 19.7.2012; Ap. Cív. 0000011-71.2010.8.26.0101, j. 7.7.2011; Ap. Cív. 1.206-6/0, j. 30.3.2010; Ap. Cív. 1.017-6/7, j. 3.3.2009; Ap. Cív. 914-6/3, j. 14.10.2008; Ap. Cív. 863-6/0, j. 7.10.2008; Ap. Cív. 620-6/1, j. 19.4.2007; Ap. Cív. 394-6/9, j. 3.11.2005; Ap. Cív. 600-6/0, j. 21.12.2006; Ap. Cív. 365-6/7, j. 6.12.2005; Ap. Cív. 000085-6/9, j. 19.12.2003; Ap. Cív. 84.341-0/0, j. 14.5.2002; Ap. Cív. 58.835-0/0, j. 8.7.1999; Ap. Cív. 43.694-0/0, j. 27.3.1998; Ap. Cív. 18.671-0/8, j. 17.9.1993).

Finalmente, é entendimento consolidado que o Poder Judiciário – mesmo no exercício de função administrativa, como seja a corregedoria dos serviços extrajudiciais – não é órgão consultivo. Assim, eventuais consultas só devem ser admitidas em hipóteses de excepcionais e extrema relevância:

Ora, por tudo isso se evidencia a completa carência de interesse e legitimação para o reclamo assim tão singularmente agitado, por quem, não dispondo, ainda, da titularidade do domínio (condomínio), não poderia alegar lesão ou ameaça de lesão, por parte da administração, a um direito seu, que sequer existe. O pedido, na verdade, traduziria inconcebível e descabida consulta dirigida ao Judiciário, ainda que na sua função atípica de agente administrativo, sobre interpretação e aplicação, em tese, das leis e regulamentos. Nesse sentido, é da melhor doutrina que a “reclamação administrativa é a oposição expressa a atos da Administração, que afetem direitos ou interesses legítimos dos administrados. O direito de reclamar é amplo, e se estende a toda pessoa física ou jurídica que se sentir lesada ou ameaçada de lesão pessoal ou patrimonial por atos ou fatos administrativos” (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 3ª ed., Revista dos Tribunais, p. 617 e Caio Tácito, Direito Administrativo, 1975, Saraiva, p. 29), pressupostos esses que, absolutamente ausentes na hipótese, inviabilizam, por completo, a postulação inicial. (Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo, Proc. 53/1982, parecer do juiz José Roberto Bedran, 22.7.1982, g. n.)

A E. Corregedoria Geral da Justiça,em regra, e conforme pacífica orientação, não conhece de consultas, cujo exame, portanto, excepcional, fica condicionado à peculiaridade do assunto, sua relevância e o interesse de âmbito geral da matéria questionada. (Corregedoria Geral da Justiça, Proc. CG 10.715/2012, Des. José Renato Nalini, j. 18.12.2013).

Como é sabido, não cabe a este Juízo responder a consultas formuladas pelo interessado, pois a sua função primordial é solucionar conflitos e não figurar como consultor jurídico. Além disso, como bem observou a Douta Promotora: “Conforme já decidiu a E. Corregedoria Geral da Justiça, em parecer exarado pelo então Juiz Auxiliar da Corregedoria, Dr. Hélio Lobo Júnior, no procedimento n° 27.435/88 (02/89): “…é inconcebível e descabida consulta dirigida ao Judiciário, ainda que na sua função atípica de agente administrativo, sobre interpretação e aplicação, em tese, das leis e regulamentos (cf. ementa 10.2, das Decisões Administrativas da Corregedoria Geral da Justiça – Ed. RT, 1981/1982, p. 24). Neste mesmo sentido, manifestou-se o Dr. Aroldo Mendes Viotti, D. Juiz Auxiliar da Corregedoria, em parecer proferido nos autos do procedimento n° 113/90 (567/90), onde consta: “O comando emergente do dispositivo da r. sentença não pode – por isso – prevalecer, porquanto não é dado ao Juízo Corregedor Permanente emitir declaração positiva ou negativa de registro de título no Ofício Predial sem regular instauração de procedimento de dúvida, e sem que, consoante o devido procedimento de lei, se materialize o dissenso entre particular e registrador acerca daquele ato de registro. A atuação do Juízo da dúvida dirige-se tão-somente à revisão da atividade do registrador, devolvendo-se-lhe a tarefa de qualificação a este cabente em primeiro momento: não pode o Juízo administrativo, porém, substituir-se ao Oficial nessa primeira atividade, isto é, apreciar a registrabilidade de título sem que o responsável pelo Cartório Predial, em momento anterior, o faça. Por incômodo ou intrincado que se revele o ônus de qualificação dos títulos, dele deverá se desincumbir o Serventuário, nada justificando busque transferi-lo a terceiros. Também se presume detenha o titular da Serventia Imobiliária capacitação técnica não apenas para operacionalizar os comandos legais que disciplinam a questão da preferência a registro de títulos constitutivos de direitos reais reciprocamente contraditórios, como, igualmente, para conhecer os efeitos jurídicos que possam advir das medidas previstas nos arts. 867 e ss. (Seção X, Livro III) do CPC. Por isso, não cabia ao Juízo Corregedor fornecer resposta à consulta do Serventuário. Também não lhe era dado determinar registro de títulos à margem do procedimento legal, e sem que o registrador se houvesse previamente desincumbido de seu ônus de emitir juízo conclusivo a respeito de sua registrabilidade”. (Primeira Vara de Registros Públicos de São Paulo, autos 1023331-97.2014.8.26.0100, Juíza Tânia Mara Ahualli, j. 16.05.2014)

3. Ante o exposto, não conheço do recurso de apelação, com observação.

ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO

Presidente da Seção de Direito Privado

Apelação Cível n. 0002636-42.2013.8.26.0370

Apelante: Gladys Lea de Carvalho Tirolez

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Monte Azul Paulista

TJSP-Voto n° 26.813

DECLARAÇÃO DE VOTO

Registro de Imóveis.

Irresignação parcial – Ausência da via original do título – Dúvida prejudicada – Impossibilidade de se pronunciar sobre o mérito da questão.

Recurso não conhecido.

1. Cuida-se de apelação contra decisão proferida pelo Juízo Corregedor Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Monte Azul Paulista, que negou o registro de escritura pública de alteração de contrato social com transferência do imóvel de matrícula n. 4550.

É o relatório.

2. Respeitado o entendimento diverso do Excelentíssimo Desembargador Relator Corregedor Geral da Justiça, prejudicada a dúvida, não seria o caso de ingressar na análise do mérito.

Apenas no tocante a esse tópico, ousamos discordar, data venia.

De antemão, cumpre conceituar o que vem a ser dúvida.

O processo de dúvida é definido como um procedimento de natureza administrativa destinado a solucionar controvérsia existente entre o apresentante do título e o Oficial Predial, a respeito da registrabilidade do título, ou nas palavras de Ricardo Henry Marques Dip e Benedito Silvério Ribeiro: “…em acepção material: o juízo emitido pelo administrador no exercício de suas funções, obstando a pretensão de registro; em acepção formal: o procedimento de revisão hierárquica do juízo administrativo de objeção a uma pretensão de registro” (in Algumas linhas sobre a Dúvida no Registro de Imóveis, pág. 2).

Indubitavelmente, para que surja o processo de dúvida é necessário que um título seja apresentado e que ele seja recusado à primeira vista, ofertando o Oficial determinadas exigências para complementação formal daquele título, a fim de que seja viabilizado o registro. Assim, caso o apresentante discorde das exigências, ele instará o Oficial a suscitar dúvida, em face do dissenso.

In casu, apresentado o título, formularam-se algumas exigências (fl. 02/05), seguindo-se à suscitação da dúvida. No curso do procedimento, porém, o interessado não se opôs a duas delas.

Assim, há irresignação parcial, sendo o que basta para o afastamento do juízo de admissibilidade da dúvida, pois esta sempre se funda em irresignação integral ou, necessariamente, será ela prejudicada, sob o aspecto lógico – formal, na medida em que não se admite, mesmo na esfera administrativa, decisão condicional (cf. A.C. 285.416, Piracicaba, 28.12.79; A.C. 3.779-0, Diadema, 27.01.86; A.C. 5.374-0, Capital, 04.04.86; A.C. 5.479-0, São Roque, 10.06.86).

Se por hipótese fosse concebível a satisfação de exigência no curso da dúvida, estar-se-ia acolhendo artifício para a prorrogação da prioridade para títulos originariamente irregistráveis, em detrimento de outros que se posicionassem em concorrência tabular (in exemplis: títulos contraditórios, o que é defeso (Cf. A.C. 279.265, Campinas, 08.01.79; A.C. 276.278, Campinas, 08.01.79; A.C. 279.264, Campinas, 12.03.79; A.C. 5.221-0, Ourinhos, 30.05.86; A.C. 5.841-0, Guararapos, 30.05.86).

Desta feita, o único juízo que pode ser emitido é o da prejudicialidade da dúvida em face, repito, da irresignação parcial. Nesse sentido, tem sido a firme orientação do Colendo Conselho Superior da Magistratura, consoante já se demonstrou, valendo recordar, apenas e tão-somente, parte do Aresto n° 8.876-0/5, o qual permito-me transcrever, pois elucidativo:

“Bem observou o MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria que os efeitos da prenotação têm prazo de eficácia (para o caso de omissão da parte) e com igual acerto afirma a decisão recorrida que a concordância do apresentante com algumas das exigências feitas pelo Oficial do Registro prejudica o julgamento da dúvida (que acabaria se transformando em procedimento de consulta ao Juiz, no que concerne à falta não atendida).” (Relator Desembargador Álvaro Martiniano de Azevedo; parecer da lavra do Juiz Aroldo Mendes Viotti, hoje Desembargador).

Não bastasse isso, como bem observou o Excelentíssimo Desembargador Relator, é pacífica a jurisprudência do Colendo Conselho Superior da Magistratura a exigir, nos procedimentos de dúvida, a via original do título cujo registro se pretende.

Caberá ao próprio interessado, se o caso, havendo recusa do Oficial, apresentando a via original do título, seguindo os trâmites legais, suscitar a dúvida adequadamente.

Em arremate, prejudicada a dúvida, não há como se prosseguir com o julgamento do mérito, porque o Colendo Conselho Superior da Magistratura não é, data máxima venia, órgão de consulta.

Como suso anotado, o procedimento de dúvida deve atender a um trâmite específico diante dos efeitos da prenotação, que não podem se estender além do prazo legal.

Demais, as decisões do Conselho têm caráter normativo, não fazendo sentido elaborar decisões condicionais.

A pressuposição de algo que não se sabe tenha realmente ocorrido ou venha a ocorrer torna a análise condicional: se “A” ocorreu ou vier a ocorrer, então “B” é verdade; se “A” não ocorreu ou não vier a ocorrer, então “B” é falso. Explico: in casu, para que se possa realizar um juízo positivo ou negativo a respeito da registrabilidade do título, há de se pressupor que o interessado cumprirá as exigências feitas pelo Oficial com as quais concordou e que novas exigências não serão feitas. Então, se se cumprirem aquelas exigências, se o título original for apresentado, comportará ou não registro. Trata-se de uma análise condicional. E se, antes mesmo de cumpridas as exigências, o título sofrer alterações? Se houver prenotação de outro título? A dinamicidade do mundo negocial faz com que as premissas tomadas pela Egrégia Corregedoria em data presente sejam incertas. Dess’arte, data venia, a análise do mérito, prejudicada a dúvida, seria, no meu entendimento, condicional.

Nem se perca de vista que o procedimento de dúvida é judicialiforme, isto é, em parte administrativo, em parte judicial. A fase judicial inicia-se com o recurso de apelação. A partir de então, hão de se observar as regras e os princípios processuais, dentre eles a necessidade de se proferir decisão certa (artigo 460, parágrafo único, do Código de Processo Civil). Como já se decidiu, “nula é a sentença que julga a ação procedente, condicionada esta procedência ao preenchimento de determinados requisitos legais pelo autor “(RT 472/150).

Nesse sentido, ainda, farta jurisprudência do Egrégio Conselho Superior da Magistratura, por vários biênios , consoante venerandos acórdãos a seguir transcritos (grifos meus):

“Registro de Imóveis – Dúvida – Suscitação inversa e apenas com relação a um dos óbices opostos contra o registro, sem menção aos demais, que também constaram da nota de devolução – Inviabilidade – o procedimento não se presta ao exame isolado de uma das exigências formuladas, mas à registrabilidade do título, considerado na oportunidade de sua apresentação – Dúvida prejudicada.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 30.751-0/1, da Comarca de TAUBATÉ, em que é apelante SEBASTIANA PIRES DE SOUZA e apelado o OFICIAL DO CARTÓRIO DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em julgar prejudicada a dúvida.

Tratam os autos de apelação, tempestivamente interposta contra a respeitável sentença que manteve a recusa posta contra o registro de ambos os títulos objeto desta, porque, além de não ter sido manejada a irresignação contra todos os motivos apresentados pelo registrador, pretendeu o suscitante fossem os títulos registrados independentemente do suprimento das omissões verificadas no registro de origem.

O Ministério Público opina pelo não provimento do recurso.

É o relatório.

Ao suscitar a dúvida inversamente, a recorrente manifestou seu inconformismo apenas com relação a um dos motivos da recusa, omitindo-se quanto às demais exigências que também foram formuladas pelo registrador. O procedimento de dúvida não se presta à solução de dissensão que versa apenas acerca de um dos óbices opostos contra o registro, porque, ainda que afastado fosse este motivo da recusa, aquele não se viabilizaria, Para o deslinde da dúvida importa o exame da registrabilidade do título e, ainda assim, tomando-a em consideração no momento da devolução.

Tem-se por prejudicada a dúvida quando várias são as exigências e apenas uma delas é questionada na suscitação inversa, como ocorreu no caso.

Isto posto, julgam a dúvida prejudicada.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores YUSSEF SAID CAHALI, Presidente do Tribunal de Justiça e DIRCEUDE MELLO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 15 de março de 1996.

MÁRCIO MARTINS BONILHA, Corregedor Geral da Justiça e relator.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 54.319-0/6, da Comarca de SÃO SEBASTIÃO, em que são apelantes DANIEL OHANNES AVAKIAN e OUTROS e apelado o 1º TABELIÃO DE NOTAS E OFICIAL DO REGISTRO DE IMÓVEIS, TÍTULOS E DOCUMENTOS E CIVIL DE PESSOA JURÍDICA da mesma Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em não conhecer do recurso.

Trata-se de recurso interposto, tempestivamente, por Daniel Ohannes Avakian e outros, contra a r. decisão de primeiro grau, que julgou prejudicada a dúvida inversamente suscitada pelo 1º tabelião de notas e oficial do registro de imóveis, títulos e documentos e civil de pessoa jurídica da Comarca de São Sebastião, relativamente ao registro de escritura de venda e compra outorgada pelo Espólio de Domenico Ricciardi Maricondi e outros.

Sustentaram os recorrentes o provimento do recurso e a reforma da r. decisão recorrida, porquanto a apresentação das exigências em nada modificará o registro.

Ademais, aduziram que o cumprimento das exigências foi feito no decorrer do pedido, em atendimento às determinações do oficial de registro.

Por fim, alegaram que os documentos juntados provam claramente que a transcrição está devidamente dentro da lei, pois o detentor do domínio fora quem transmitiu a propriedade ao apelante. E mais, a sequência das transmissões com seus devidos impostos juntados aos autos, provam as cessões do compromisso registrado.

Contrarrazões e parecer da Douta Procuradoria Geral da Justiça, pelo não conhecimento do recurso.

É o relatório.

O recurso não é de ser conhecido.

Constata-se, no presente caso, o fato de que os recorrentes, no decorrer do procedimento de dúvida, se conformaram com alguns dos óbices opostos ao registro pretendido.

Ante a concordância dos recorrentes com algumas das exigências formuladas pelo oficial registrador torna-se imperativa a manutenção da r. decisão que decidiu pela prejudicialidade da dúvida, já que para o deslinde do procedimento importa o exame da registrabilidade do título, considerado o momento da sua devolução.

Inviável, ainda, o cumprimento de eventuais exigências no curso do procedimento, circunstância que poderia implicar em injusta prorrogação do prazo de prenotação.

Neste sentido decisão deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, proferida nos autos da apelação cível n° 31.719-0/3, da Comarca de Guarulhos, Relator o Desembargador Márcio Martins Bonilha:

“Como é sabido o procedimento de dúvida não admite sejam atendidas exigências no curso do procedimento.

Ao ser suscitada a dúvida, a requerimento do interessado, o título recusado deve ser prenotado para que esteja assegurado o direito de prioridade do apresentante.

Se fosse admitido cumprir exigência durante o procedimento, estaria aberto caminho para uma injusta prorrogação do prazo da prenotação, que, muita vez, viria em prejuízo dos eventuais detentores de títulos contraditórios.

Tem-se, pois, que o provimento judicial, em procedimento de dúvida, deverá ser sempre positivo ou negativo, a fim de que o registro seja ou não autorizado diante da dissensão que existia ao tempo da suscitação.

O cumprimento de exigências depois daquele momento, como sucedeu no caso, ou mesmo a aceitação da procedência do outro óbice que tinha sido posto contra o registro, com a afirmação de que este deverá ser atendido depois, tal como se verifica das razões de recurso, prejudicam a dúvida, pelo que falece interesse recursal à recorrente.

Não há como se levar em conta, por estes motivos, o atendimento das exigências depois da suscitação, nem como considerar a promessa de que o alvará de desdobro deverá ser mais tarde providenciado.

É tranquila a jurisprudência deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, há muito orientada nessa direção (Ap. Cíveis n.°s 30.763-0/6, da Comarca de Itapecerica da Serra e 31.007-0/4, da Comarca de São Caetano do Sul).

Isto posto, prejudicada a dúvida, não conhecem do recurso.”

Desta forma, aquiescendo os recorrentes com alguns dos óbices postos pelo registrador, não ê de ser conhecido o recurso, prejudicadas as demais questões suscitadas pelas partes.

Ante o exposto, prejudicada a dúvida, não conhecem do recurso.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores DIRCEU DE MELLO, Presidente do Tribunal de Justiça, e AMADOR DA CUNHA BUENO NETTO, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.

São Paulo, 12 de fevereiro de 1999.

SÉRGIO AUGUSTO NIGRO CONCEIÇÃO, Corregedor Geral da Justiça e Relator.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 76.810-0/8, da Comarca da CAPITAL, em que é apelante MARIA FÁTIMA DA SILVA e apelado o 14° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS da mesma Comarca. ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em não conhecer do recurso, de conformidade com o voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado. Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores MÁRCIO MARTINS BONILHA, Presidente do Tribunal de Justiça, e ÁLVARO LAZZARINI, Vice- Presidente do Tribunal de Justiça. São Paulo.

REGISTRO DE IMÓVEIS – Processo de dúvida. Recusa no registro de formal de partilha em razão de várias exigências formuladas pelo registrador. Concordância expressa da interessada com duas delas. Dúvida prejudicada. Impossibilidade de julgamento do mérito a ponto de comprometer o princípio da prioridade. Apelação não conhecida.

Trata-se de apelação interposta por Maria Fátima da Silva (f. 58/60) contra a sentença do MM, Juiz Corregedor Permanente do 14° Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital (f. 50/51), que julgou procedente dúvida inversamente suscitada, recusando o registro deformai de partilha extraído da ação de arrolamento de bens que teve curso perante a 9a Vara da Família e Sucessões, uma vez que a recorrente conformou-se com as exigências (apresentação de guia de recolhimento do ITBI e de certidão de quitação de tributos fiscais da Prefeitura Municipal de São Paulo), daí a inviabilidade do registro. O título foi prenotado em 24 de março de 2000 sob n° 339.083. Sustenta, em síntese, a recorrente que: a) sejam afastadas por completo as exigências do registrador, consistentes em discutir o percentual que lhe cabe na partilha homologada em juízo, a exibição de certidões negativas de débito e apresentação de requerimento com firma reconhecida, constando a qualificação completa dos separandos e b) que as exigências com as quais aquiesceu são por demais simples. Pede o provimento para, reformada a decisão, ser o título registrado. É o relatório. A recorrente desde o início do procedimento (f. 3) e também na fase recursal (f. 59) concordou expressamente com duas das várias exigências formuladas pelo Oficial de Registro (f. 5 e 41/43), ou seja, está de acordo em providenciar o comprovante de recolhimento do ITBI e a certidão negativa de tributos junto à Municipalidade de São Paulo. Tal circunstância, por si só, retira o dissenso que existiria entre o interessado no registro e o registrador, prejudicando a análise da dúvida em seu mérito. Como já entendi na Ap. Cív. n° 72.513.0/3-00: “Este E. Conselho Superior da Magistratura, (Ap. Cív. n° 60.460.0/8-00, j. 6/12/99, v.u., Des. Márcio Bonilha, Presidente, Álvaro Lazzarini, Vice-Presidente, e Nigro Conceição, Corregedor Geral) decidiu: “O cumprimento de exigências depois daquele momento, como sucedeu no caso, ou mesmo a aceitação da procedência do outro óbice que tinha sido posto contra o registro, com a afirmação de que este deverá ser atendido depois, tal como se verifica das razões de recurso, prejudicam a dúvida, pelo que falece interesse recursal à recorrente.” Com a aceitação da exigência nas razões de apelação desapareceu o dissenso entre o Oficial e a apelante, não possibilitando a análise do mérito e a determinação do registro nestes autos a ponto de comprometer o princípio da prioridade com eventual aproveitamento da prenotação existente.” Noutra oportunidade, na Ap. Cív. n° 31.719-0/3, da Comarca de Guarulhos, sendo relator o Des. Márcio Bonilha: “Como é sabido o procedimento da dúvida não admite sejam atendidas exigências no curso do procedimento. “Ao ser suscitada a dúvida, a requerimento do interessado, o título recusado deve ser prenotado para que esteja assegurado o direito de prioridade do apresentante. “Se fosse admitido cumprir exigência durante o procedimento, estaria aberto caminho para uma injusta prorrogação do prazo da prenotação, que, muita vez, viria em prejuízo dos eventuais detentores de títulos contraditórios. “Tem-se, pois, que o provimento judicial, em procedimento de dúvida, deverá ser sempre positivo ou negativo, a fim de que o registro seja ou não autorizado diante da dissensão que existia ao tempo da suscitação”. Ante o exposto, prejudicada a dúvida, não conheço da apelação. LUÍS DE MACEDO, Relator e Corregedor Geral da Justiça

Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL N° 495-6/0, da Comarca da CAPITAL, em que são apelantes JOSÉ LANZA e SUA ESPOSA e apelado o 6o OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS da mesma Comarca.

ACORDAM os Desembargadores do Conselho Superior da Magistratura, por votação unânime, em não conhecer do recurso, de conformidade como voto do relator que fica fazendo parte integrante do presente julgado.

Participaram do julgamento, com votos vencedores, os Desembargadores CELSO LUIZ LIMONGI, Presidente do Tribunal de Justiça e CAIO EDUARDO CANGUÇU DE ALMEIDA, Vice-Presidente do Tribunal de Justiça.

REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida procedente – Irresignação parcial, sem prova de cumprimento de outra exigência não impugnada – Dúvida prejudicada – Recurso não conhecido.

1. Trata-se de apelação interposta por José Lanza e Maria Olinda Lanza, tempestivamente, contra r. sentença que julgou procedente dúvida suscitada e manteve a recusa do Oficial do 6o Registro de Imóveis da Capital oposta ao registro de mandado de usucapião, por falta de pagamento dos emolumentos devidos, observando-se que a isenção concedida alcança apenas a parte dos emolumentos que corresponde à receita do Estado de São Paulo.

Sustenta o apelante, em suma, que o benefício da assistência judiciária abrange a totalidade dos emolumentos devidos ao cartório extrajudicial, diante de expressa ordem judicial que consta, neste sentido, no mandado apresentado para registro, reportando-se, ainda, a legislação que entende lhe beneficiar.

A Procuradoria Geral de Justiça opina pelo provimento do recurso (fls. 78/82).

É o relatório.

2. Pretende-se o registro de sentença declaratória de usucapião, observando-se que, para isso, foi apresentado mandado judicial, instruído com documentos, prenotado sob n° 369.458 no 6o Registro de Imóveis da Capital.

Por ocasião da devolução do título levado a registro, formulou o oficial registrador duas exigências, a saber: a) depósito prévio de R$ 546,34, com observação de que a gratuidade refere-se somente a parte tocante ao Estado, não isentando quanto aos demais emolumentos; b) complemento dos documentos que instruíram o mandado, especialmente folhas do laudo pericial que não vieram, esclarecedoras se houve alteração da área construída de 157,91 m2 da edificação residencial.

Todavia, os apelantes se insurgiram apenas no tocante à exigência de pagamento dos emolumentos, deixando de impugnar a outra exigência do registrador.

Ademais, não há notícia nem prova de que, após a devolução, o título tenha sido reapresentado com o cumprimento da exigência referente ao esclarecimento da área construída, com apresentação das folhas do laudo pericial correspondentes.

Assim, atento às reiteradas decisões do Colendo Conselho Superior da Magistratura, impõe-se concluir que este procedimento de dúvida está prejudicado, pois não se presta à solução de dissenso relativo a apenas um dos óbices opostos ao registro, pois, eventualmente afastado o óbice questionado, restaria o outro, que, não atendido, impediria, de todo modo, o registro.

Entendimento diverso importaria em decisão condicional, que é inadmissível Ademais, a discussão parcial dos óbices, sem atendimento à exigência tida como correta, levaria à prorrogação do prazo de prenotação do título sem amparo legal.

Neste sentido, confira o v. acórdão relativo à Apelação Cível n° 93.875-0/8, j. 06.09.2002, relator Desembargador Luiz Tâmbara:

“A posição do Egrégio Conselho Superior da Magistratura, como bem ressaltado pelo digno Procurador de Justiça, é tranqüila no sentido de se ter como prejudicada a dúvida, em casos como o que se examina, em que admitida como correta uma das exigências, não sendo a outra cumprida, posto que permanece a impossibilidade de acesso do título ao fólio. Nesse sentido os julgados das Apelações Cíveis números 54.073-0/3, 60.046-0/9, 61.845-0/2 e 35.020-0/2.

Posicionar-se de maneira diversa importaria admitir uma decisão condicional pois, somente se atendida efetivamente a exigência tida como correta é que a decisão proferida na dúvida, eventualmente afastando o óbice discutido, é que seria possível o registro do título.

A discussão parcial dos óbices, por outro lado, sem cumprimento daqueles admitidos como corretos, possibilitaria a prorrogação indevida do prazo de prenotação, com consequências nos efeitos jurídicos desta decorrentes, tal como alteração do prazo para cumprimento das exigências ou a prorrogação da prioridade do título em relação a outro a ele contraditório.”

Confira, ainda, do Conselho Superior da Magistratura:

Apelação Cível n° 71.127-0/4, j. 12.09.2000, rel. Des. Luís de Macedo; Apelação Cível n° 241-6/1, j. 03.03.2005, rel. Des. José Mário Antônio Cardinale.

Logo, configurada a irresignação parcial, deve-se ter como prejudicada a dúvida, não sendo o caso de conhecimento do recurso interposto, pela ausência de interesse recursal, pois inútil à finalidade prática pretendida.

Por último, limitada a discórdia à cobrança de emolumentos, fica anotada a célere via da reclamação (artigo 30 da Lei Estadual n° 11.331/2002), que, talvez, melhor atenderá ao fim pretendido pelos interessados.

Pelo exposto, dou por prejudicada a dúvida e não conheço do recurso.

GILBERTO PASSO DE FREITAS, Corregedor Geral da Justiça e Relator.

Por epítome, havendo irresignação parcial e ausente a via original do título, estando prejudicado o julgamento da dúvida, não seria adequada a análise do mérito de forma condicional.

3. Ante o exposto, pelo arrimo esposado, pelo meu voto, não conheço do recurso.

Ricardo Mair Anafe

Presidente da Seção de Direito Público

[1] Peço licença para transcrever a íntegra dos respectivos acórdãos justamente para se observar que, em biênios de Conselhos Superiores da Magistratura anteriores, prejudicada a dúvida, nem em tese se analisava o mérito. Citar grandes nomes da história da Magistratura Paulista parece-me fundamental, porque ensinamentos de tão ilustres pensadores do direito não podem permanecer ocultos às novas gerações, mormente diante da inexistência de alterações substanciais na Lei 6.015 de 1973.

(DJe de 23.03.2016 – SP)