CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Recusa de ingresso de carta de sentença – Instituição de servidão de passagem – Descrição precária do imóvel serviente – Inexistência de elementos mínimos de identificação e localização – Necessidade de prévia retificação da área, em observância ao princípio da especialidade objetiva, e de inscrição no “CAR” (Cadastro Ambiental Rural) – Recurso não provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 9000001-52.2015.8.26.0082, da Comarca de Boituva, em que é apelante GÁS NATURAL SÃO PAULO SUL S.A, é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BOITUVA.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO, V.U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que íntegra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), JOSÉ DAMIÃO PINHEIRO MACHADO COGAN (DECANO), ARTUR MARQUES, RICARDO TUCUNDUVA (PRES SEÇÃO DE DIREITO CRIMINAL), RICARDO ANAFE E EROS PICELI.
São Paulo, 9 de novembro de 2015.
JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Apelação Cível n.° 9000001-52.2015.8.26.0082
Apelante: Gás Natural São Paulo Sul S.A.
Apelado: Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Boituva
VOTO N° 29.042
Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Recusa de ingresso de carta de sentença – Instituição de servidão de passagem – Descrição precária do imóvel serviente – Inexistência de elementos mínimos de identificação e localização – Necessidade de prévia retificação da área, em observância ao princípio da especialidade objetiva, e de inscrição no “CAR” (Cadastro Ambiental Rural) – Recurso não provido.
Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença da MM. Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Boituva, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a exigência de prévia retificação da área objeto da matrícula número 42.001, para possibilitar o registro da carta de sentença referente à existência de servidões de passagem no imóvel, pois, conquanto as áreas da servidão estejam perfeitamente descritas e caracterizadas, a base onde ela se insere não está, o que impede o controle e viola o principio da especialidade. Acrescentou-se, no julgado, que a retificação da área reclama a inscrição do imóvel rural no Cadastro Ambiental Rural – CAR, nos termos do subitem 125.2. do Capítulo XX das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
A apelante afirma, em síntese, que a pretensão é de apenas registrar a carta de sentença referente à instituição de servidão administrativa na matrícula do imóvel. Diz que por não se tratar de servidão civil, a qual é instituída em favor do particular, e por se tratar de servidão administrativa pautada em Decreto de Utilidade Pública, deve prevalecer o interesse público. Aduz que a carta de sentença traz todos os elementos necessários ao registro e acrescenta que a regularização da situação do imóvel é dever do proprietário, e, por fim, que o obstáculo ao ingresso deixará de atender o princípio da publicidade, além de não contribuir para a segurança que deve emanar do registro de imóveis.
A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo não provimento do recurso.
É o relatório.
O recurso não comporta provimento, como bem destacou a ilustrada Procuradoria Geral de Justiça.
O imóvel serviente tem área extensa (84.694,625 m2), descrição antiga e precária.
Essa imprecisão na descrição impossibilita o registro da área dominante, objeto da servidão, descrita no memorial descritivo apresentado, pois o registrador não consegue identificar onde esta se insere na área serviente.
Na sistemática da Lei de Registros Públicos em vigor, a matrícula é o núcleo do assentamento imobiliário e reclama observância ao princípio da especialidade objetiva, porém, mesmo que assim não fosse, seria inviável o registro da carta de sentença, pela ausência de elementos mínimos identificadores do imóvel serviente.
O inciso II, do artigo 176, da Lei de Registros Públicos, dispõe sobre os requisitos da matrícula, e, no número “3”, alíneas “a” e “b”, consagra o princípio da especialidade objetiva, ao exigir a identificação do imóvel como um corpo certo, permitindo o encadeamento dos registros e averbações subsequentes, em conformidade ao princípio da continuidade.
De acordo com o conceito de Afrânio de Carvalho, in “Registro de Imóveis”, 4ª edição, Editora Forense, “O princípio da especialidade significa que toda inscrição dever recair sobre um objeto precisamente individuado”, e, ao se referir ao mandamento da individuação do imóvel lançado no regulamento dos registros públicos, consigna que “Além de abranger a generalidade dos atos, contratuais e judiciais, o mandamento compreende também a generalidade dos imóveis, urbanos e rurais, exigindo a cabal individuação de todos para a inscrição no registro”, e que “A sua descrição no título há de conduzir ao espirito do leitor essa imagem. Se a escritura de alteração falhar nesse sentido, por deficiência de especialização, terá de ser completada por outra de rerratificação, que aperfeiçoe a figura do imóvel deixada inacabada na primeira. Do contrário, não obterá registro.”
Assim, sem a prévia retificação da área do imóvel serviente, não há como fazer a inscrição da servidão.
Nas Apelações Cíveis n°s. 0001243-53.2013.8.26.0315 e 0001619-65.2014.8.26.0586, e que também tiveram como apelante a empresa Gás Natural São Paulo Sul, do mesmo modo, foi decidido acerca da necessidade da prévia retificação da área serviente para possibilitar o registro do título apresentado. As ementas assim dispõem, respectivamente:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – FALTA DE REPRESENTAÇÃO – ADVOGADO NÃO CONSTITUÍDO PELA APELANTE NOS AUTOS – PREJUDICIALIDADE – EXAME EM TESE DA PERTINÊNCIA DA RECUSA – ESCRITURA DE INSTITUIÇÃO DE SERVIDÃO DE PASSAGEM – DESCRIÇÃO PRECÁRIA DO IMÓVEL SERVIENTE – NECESSIDADE DE PRÉVIA RETIFICAÇÃO A FIM DE PERMITIR A CORRETA LOCALIZAÇÃO DA SERVIDÃO DO IMÓVEL SERVIENTE – PRECEDENTES DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA – RECURSO NÃO CONHECIDO.”
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Dúvida procedente – Recusa de ingresso de carta de sentença – Instituição de Servidão de Passagem – Descrição precária do imóvel serviente – Inexistência de elementos mínimos de identificação e localização – Necessidade de prévia retificação da área, em observância ao princípio da especialidade objetiva – Recurso não provido.”
Por fim, quanto à necessidade de inscrição no “CAR” (Cadastro Ambiental Rural) enquanto este não havia sido implantado, o entendimento sedimentado, pautado em julgamento do Superior Tribunal de Justiça, era no sentido de que era necessário averbar a reserva legal nas hipóteses de retificação de área, porém, a partir da implantação efetivada, a inscrição passou a ser obrigatória.
Com efeito, nos Embargos de Divergência em Recurso Especial n.° 218.781 (2002/0146843-9), o voto do Ministro Herman Benjamin, julgado em 9/12/09, o qual está amparado em julgamento daquele mesmo Tribunal de relatoria da Ministra Nancy Andrighi no REsp 831.212/MG, Terceira Turma, DJ 22.9.09, assim dispõe:
“(…) o proprietário e o possuidor estão obrigados a respeitar percentual, no mínimo que seja, do Código Florestal aplicável ao bioma em que se insere o imóvel. A especialização é de rigor, inclusive como condição para que o oficial do Registro de Imóveis pratique outros atos registrários. Nesse sentido a posição do STJ, em que foi precursora a eminente Ministra Nancy Andrighi, conforme o precedente abaixo:
Direito ambiental. Pedido de retificação de área de imóvel, formulado por proprietário rural. Oposição do MP, sob o fundamento de que seria necessário, antes, promover a averbação da área de reserva florestal disciplinada pela Lei 4.771/65. Dispensa, pelo Tribunal. Recurso especial interposto pelo MP. Provimento.
– É possível extrair, do art. 16, §8°, do Código Florestal, que a averbação da reserva florestal é condição para a prática de qualquer ato que implique transmissão, desmembramento ou retificação de área de imóvel sujeito à disciplina da Lei 4.771/65. Recurso especial provido.”
Outros precedentes no mesmo sentido seguiram-se aos acima mencionados:
“REGISTRO DE IMÓVEIS – Retificação de registro de imóveis – Averbação da reserva legal como condição da retificação – Necessidade – Recurso provido.” (Processo CG 2012/49715, parecer do MM. Juiz Assessor da Corregedoria Gustavo Henrique Bretas Marzagão, datado de 28/9/12, aprovado pelo então DD. Corregedor Geral da Justiça, Desembargador José Renato Nalini).
Conforme já mencionado, o “CAR” está agora implantado, razão pela qual a inscrição é obrigatória, como previsto no subitem 125.2, do Capítulo XX, das Normas de Serviço da Corregedoria Geral da Justiça.
Em suma, é a matricula que define, em toda a sua extensão, modalidades e limitações, a situação jurídica do imóvel, razão pela qual o registro da carta de sentença apresentada, mesmo nos casos de instituição de servidões administrativas, deve ser feita em observância ao princípio da especialidade objetiva e às demais disposições legais e normativas, o que não se verifica no caso vertente.
O argumento de que é ônus do proprietário do imóvel promover sua retificação não serve de justificativa para afastar a exigência prevista em lei. Além do mais, embora o titular do domínio tenha como regra legitimidade para pedir a retificação da área, nada obsta que tal pretensão seja apresentada por quem demonstre interesse, como é o caso da apelante, que necessita da retificação para possibilitar o registro do título apresentado, pois, não seria razoável que ficasse à mercê da inércia de terceira pessoa quanto a tal providência.
É neste sentido que deve ser interpretada a expressão “interessado” trazida no artigo 213, inciso I, da Lei de Registros Públicos, e que confere à recorrente legitimidade para requerer a retificação.
Isto posto, nego provimento ao recurso.
JOSÉ CARLOS GONÇALVES XAVIER DE AQUINO
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
(DJe de 26.01.2016 – SP)