CSM|SP: Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Recusa de ingresso de carta de sentença – Instituição de servidão – Desmembramento do imóvel desmembrado, dando origem a quatro novas matrículas – Necessidade de descrição das áreas dominantes em cada uma das áreas servientes desmembradas – Ofensa aos princípios da especialidade objetiva e da continuidade – Recurso não provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação n° 9000003-56.2014.8.26.0082, da Comarca de Boituva, em que é apelante GÁS NATURAL SÃO PAULO SUL S.A., é apelado OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS E ANEXOS DA COMARCA DE BOITUVA.

ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO. V. U.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), GUERRIERI REZENDE (DECANO), ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO, RICARDO ANAFE E EROS PICELI (VICE PRESIDENTE).

São Paulo, 29 de setembro de 2015

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

Apelação Cível nº 9000003-56.2014.8.26.0082

Apelante: Gás Natural São Paulo Sul S.A.

Apelado: Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Boituva

VOTO N° 34.279

Registro de imóveis – Dúvida julgada procedente – Recusa de ingresso de carta de sentença – Instituição de servidão – Desmembramento do imóvel desmembrado, dando origem a quatro novas matrículas – Necessidade de descrição das áreas dominantes em cada uma das áreas servientes desmembradas – Ofensa aos princípios da especialidade objetiva e da continuidade – Recurso não provido.

Trata-se de recurso de apelação interposto contra a sentença da MM. Juíza Corregedora Permanente do Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de Boituva, que julgou procedente a dúvida suscitada e manteve a exigência de que se identifique de forma certa e precisa, dentro do terreno, as faixas de servidão dos imóveis matriculados sob os números 7.809, 7.810 e 7.811, que além do mais apresentam metragens que sequer correspondem ao total objeto da desapropriação, em observância ao controle da continuidade e da especialidade.

A apelante afirma, em síntese, que por não se tratar de servidão civil, instituída em favor do particular, mas de servidão administrativa pautada em Decreto de Utilidade Pública, deve prevalecer o interesse público. Acrescenta que a carta de sentença traz todos os elementos necessários, que a área servienda está perfeitamente descrita, não afeta o registro existente, porque não importa em destaque de parcela do imóvel, e que o obstáculo ao ingresso deixará de atender ao princípio da publicidade, além de não contribuir para a segurança que deve emanar do registro de imóveis.

A Procuradoria Geral de Justiça opinou pelo provimento do recurso.

É o relatório.

As servidões objeto da carta de sentença apresentada incidem sobre o imóvel matriculado sob número 7.303, que foi desmembrado em quatro parcelas que deram origem às matrículas nºs. 7.809, 7.810, 7.811 e 7.812. Não há, contudo, descrição e individualização destas faixas de servidão em relação a cada um dos imóveis desmembrados, além do que a soma das áreas das servidões é inferior à área desapropriada, o que afeta a disponibilidade quantitativa.

Estas imprecisões impossibilitam o registro das áreas dominantes, objeto da servidão, descritas nos memoriais descritivos apresentados, pois é impossível identificar onde estas se inserem nas áreas servientes, além de existir diferença observada pelo registrador em relação à soma das áreas das parcelas de servidão em relação ao total da área desapropriada.

Na sistemática da Lei de Registros Públicos em vigor, a matrícula é o núcleo do assentamento imobiliário e reclama observância aos princípios da especialidade objetiva e da continuidade.

Afrânio de Carvalho, na clássica obra “Registro de Imóveis”, 4ª edição, Editora Forense, ao tratar do tema “Matrícula No Registro Geral”, Capítulo 18, consigna que na relação dos cinco livros que possuem divisão completa em cinco espécies (Protocolo; Registro Geral; Registro Auxiliar; Indicador Real; Indicador Pessoal) e que têm por princípio único diretivo a função desempenhada, se sobressai, por sua importância, o “registro geral”, que, como recipiente dos direitos reais, aos quais transmite os efeitos de publicidade e de constitutividade, aparece como verdadeiro sensório do registro, de onde emanam os reflexos que movimentam o tráfico jurídico imobiliário. Este livro tem função precípua de centro de convergência de atos jurídicos de aquisição, transmissão, oneração ou extinção de direitos reais, sem que essa especificidade seja turvada pela intromissão de atos de outra natureza.

Nessa ordem de ideias, a presença da matrícula no registro geral já indica, por si só, que ela exprime um ato de movimentação de direito real e a posição eminente que aí lhe foi conferida atesta, por sua vez, que se trata do mais importante: a aquisição da propriedade. Os efeitos da propriedade só se integram com a inscrição no livro próprio, e, do mesmo modo, as restrições ao direito de propriedade, como é o caso da servidão, como ônus real que é.

O inciso II do artigo 176 da Lei de Registros Públicos dispõe sobre os requisitos da matrícula, e, no número “3”, alíneas “a” e “b”, trata do princípio da especialidade objetiva, ao exigir a identificação do imóvel como um corpo certo, permitindo o encadeamento dos registros e averbações subsequentes, em conformidade ao princípio da continuidade.

De acordo com o conceito de Afrânio de Carvalho, na mesma obra acima mencionada, “O princípio da especialidade significa que toda inscrição dever recair sobre um objeto precisamente individuado”, e, ao se referir ao mandamento da individuação do imóvel lançado no regulamento dos registros públicos, consigna que “Além de abranger a generalidade dos atos, contratuais e judiciais, o mandamento compreende também a generalidade dos imóveis, urbanos e rurais, exigindo a cabal individuação de todos para a inscrição no registro”, e que “A sua descrição no título há de conduzir ao espírito do leitor essa imagem. Se a escritura de alteração falhar nesse sentido, por deficiência de especialização, terá de ser completada por outra de rerratificação, que aperfeiçoe a figura do imóvel deixada inacabada na primeira. Do contrário, não obterá registro.”

Destarte, exige-se a observância do princípio da especialidade objetiva e da continuidade não só do imóvel serviente, como do dominante, a fim de que seja possível caracterizar, delimitar e identificar onde cada faixa da servidão se insere na área de cada um dos imóveis desmembrado.

São vários os precedentes deste Conselho Superior da Magistratura que, embora se refiram à precariedade da descrição do imóvel serviente, e que impossibilita identificar com precisão onde a área dominante está localizada, se aplicam por analogia ao caso em tela, que reclama a individualização das áreas da servidão nas áreas desmembradas: Apelações Cíveis números 745-6/1; 1.204-6/0; 943-6/5 e 0017110.60.2008.8.26.0348, além de outras por mim relatadas e que tiveram como apelante a ora recorrente, números 0001619-65.2014.8.26.0586, 9000002.71.2014.8.26.0082 e 0001243-53.2013.8.26.0315.

Em suma, é a matrícula que define, em toda a sua extensão, modalidades e limitações, a situação jurídica do imóvel, razão pela qual, para fins de registro de instituição de servidão administrativa, que consiste em restrição (ônus) ao direito real, devem ser observados os princípios registrários, no caso, o da especialidade objetiva e o da continuidade, o que não se verifica no caso vertente.

Isto posto, nego provimento ao recurso.

HAMILTON ELLIOT AKEL

CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR

(DJe de 20.01.2016 – SP)