CSM|SP: Agravo de instrumento – Procedimento de dúvida – Intervenção de “terceiro interessado” e deferimento de medida de urgência que justificam, em caráter excepcional, o cabimento do recurso – Indevida dilatação do âmbito de cognição da dúvida – Quebra do princípio da prioridade – Recurso provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n° 0013074-05.2015.8.26.0000, da Comarca de São Paulo, em que é agravante ROSELI MALAFATTI NICOLETTI, são agravados 15° OFICIAL DE REGISTRO DE IMÓVEIS DA COMARCA DA CAPITAL e SAINT PETER QUALITY EMPREENDIMENTOS LTDA.
ACORDAM, em Conselho Superior de Magistratura do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: “DERAM PROVIMENTO AO RECURSO PARA TORNAR DEFINITIVO O CANCELAMENTO DO REGISTRO DO TÍTULO DE SAINT PETER QUALITY EMPREENDIMENTOS LTDA, V.U. DECLARARÃO VOTOS OS DESEMBARGADORES ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO E RICARDO MAIR ANAFE, ESTE ÚLTIMO, VENCIDO NA QUESTÃO DE ORDEM.”, de conformidade com o voto do(a) Relator(a), que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Desembargadores JOSÉ RENATO NALINI (Presidente), EROS PICELI, GUERRIERI REZENDE, ARTUR MARQUES, PINHEIRO FRANCO E RICARDO ANAFE.
São Paulo, 30de junho de 2015.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Agravo de Instrumento n° 0013074-05.2015.8.26.0000
Agravante: Roseli Malafatti Nicoletti
Agravados: 15° Oficial do Registro de Imóveis da Capital e Saint Peter Quality Empreendimentos Ltda.
VOTO N° 34.218
Agravo de instrumento – Procedimento de dúvida – Intervenção de “terceiro interessado” e deferimento de medida de urgência que justificam, em caráter excepcional, o cabimento do recurso – Indevida dilatação do âmbito de cognição da dúvida – Quebra do princípio da prioridade – Recurso provido.
Trata-se de agravo de instrumento interposto por Roseli Malafatti Nicolettti em face de decisão que, em procedimento de dúvida, admitiu a intervenção de “terceiro interessado” e determinou, por meio de liminar, o registro de seu título, não obstante a prenotação do título da agravante.
Foi concedido efeito suspensivo, determinando-se que o título do terceiro não fosse registrado. Sobrevindo informação de que já o fora, expediu-se ofício ao Registro de Imóveis para averbação de cancelamento desse registro.
O “terceiro interessado”, na condição de agravado, apresentou suas razões. Disse não caber agravo de instrumento em procedimento de dúvida e, no mérito, defendeu a pertinência de sua intervenção e o acerto da liminar deferida.
É o breve relato.
O agravo merece provimento.
O procedimento de dúvida visa a analisar a recusa do registro de “instrumento particular de investimento para realização de empreendimento a preço de custo para fins residenciais”, por meio do qual o agravado prometeu ceder à agravante a fração ideal de 1,6666% dos direitos dos imóveis descritos no contrato.
As razões da recusa, o mérito da dúvida, são irrelevantes para o julgamento desse agravo. Relevante, isso sim, é que o título fora prenotado e os efeitos da prenotação protraíram-se no tempo enquanto não julgada a dúvida.
No curso do procedimento, o agravado postulou seu ingresso, na condição de “terceiro interessado” e, sob a alegação de que o contrato firmado com a agravante havia sido rescindido, por falta de pagamento (na verdade, existe ação de consignação em pagamento na 22ª Vara Cível Central), defendeu que o “instrumento particular de instituição, discriminação, especificação e convenção de condomínio” fosse registrado, sem embargo da prenotação do título da agravante.
O Juízo de primeiro grau entendeu que a situação era urgente, pois sem o registro do condomínio seria impossível a obtenção de empréstimos bancários, o que prejudicaria os adquirentes das demais unidades e, afirmando que o trâmite da dúvida caracterizava óbice a esse legítimo registro, determinou-o, sem embargo da prenotação.
A decisão foi dada na conta de “liminar”. Cuidou-se de uma medida de urgência. Algo tão heterodoxo quanto a admissão de “terceiro interessado” em procedimento de dúvida.
É certo que, de regra, não se admite o recurso de agravo de instrumento nos procedimentos de dúvida, pela mera razão de que as decisões, de cunho administrativo, não precluem.
Na medida em que se concede uma medida de urgência, porém, com risco de dano irreparável ou de difícil reparação à suscitante, não há alternativa que não admitir sua irresignação por meio de agravo de instrumento. Aliás, é absolutamente incongruente que o agravado levante preliminar de não cabimento de agravo de instrumento ao mesmo passo em que admite, sem problemas, intervenção de terceiros e medida liminar em procedimento de dúvida.
O cabimento do agravo de instrumento, portanto, justifica-se, excepcionalmente, à vista do risco de dano para a agravante.
No mérito – como disse na decisão concessiva de efeito suspensivo –, nos termos do art. 204, da Lei de Registros Públicos, a decisão da dúvida e seu procedimento têm natureza administrativa. Não há previsão, assim, para a figura da intervenção de “terceiro interessado”. Aliás, mesmo se incidentes as regras de assistência do Código de Processo Civil, ela não caberia.
O procedimento de dúvida visa a decidir se o título protocolado pela apresentante pode ou não ser registrado. De um lado, tem-se a interessada no registro. De outro, mas não em posição antagônica, o Oficial, que não age em interesse próprio, mas na busca da correta aplicação do direito objetivo. O “terceiro interessado” seria assistente de quem?
Além disso, a intervenção ampliou, indevidamente, o espectro de cognição da dúvida. Como dito, o procedimento serve, somente, para decidir se o título pode ou não ser registrado. De maneira alguma se pode decidir, nesse procedimento, a respeito de outros pedidos, com outra causa de pedir.
A situação ainda se agrava quando, além de se permitir o ingresso de “terceiro interessado”, concede-se uma tutela de urgência – também sem previsão legal – e determina-se o registro de outro título, com ferimento de prenotação existente.
A decisão desrespeitou, absolutamente, o que prevêem os itens 39 e 39.1, do Capítulo XX, das NSCGJ:
39. No caso de prenotações sucessivas de títulos contraditórios ou excludentes, criar-se-á uma fila de precedência. Cessados os efeitos da prenotação, poderá retornar à fila, mas após os outros, que nela já se encontravam no momento da cessação.
39.1. O exame do segundo título subordina-se ao resultado do procedimento de registro do título que goza da prioridade. Somente se inaugurará novo procedimento registrário, ao cessarem os efeitos da prenotação do primeiro. Nesta hipótese, os prazos ficarão suspensos e se contarão a partir do dia em que o segundo título assumir sua posição de precedência na fila.
Houve clara afronta ao princípio da prioridade. Tal princípio tem a principal finalidade de evitar conflitos de títulos contraditórios, que são aqueles incompatíveis entre si ou reciprocamente excludentes, referentes ao mesmo imóvel. A prioridade se apura no protocolo do Registro de Imóveis, de acordo com a ordem de seu ingresso. A Lei de Registros Públicos disciplina a matéria e estabelece regras que devem ser observadas pelos Oficiais.
Lembre-se a lição de Afrânio de Carvalho:
“O princípio da prioridade significa que, num concurso de direitos reais sobre um imóvel, estes não ocupam todos o mesmo posto, mas se graduam ou classificam por uma relação de precedência fundada na ordem cronológica do seu aparecimento: prior tempore potior jure. Conforme o tempo em que surgirem, os direitos tomam posição no registro, prevalecendo os anteriormente estabelecidos sobre os que vierem depois” (Registro de Imóveis, 4ª ed., Editora Forense, 1998, p. 181).
A prenotação subsiste também, na hipótese de suscitação de dúvida, prevista no artigo 198 da Lei de Registros Públicos, pois, se julgada improcedente, a prioridade fará com que seus efeitos retroajam à data da protocolização do título. Na hipótese de ser julgada procedente, a prenotação será cancelada (artigo 203 da Lei de Registros Públicos).
Logo, seja pela equivocada admissão de “terceiro interessado”, seja pela ampliação do espectro de cognição da dúvida, seja pela concessão de medida de urgência, seja, por fim, pela quebra do princípio da prioridade, a decisão não pode prevalecer.
Ante o exposto, por meu voto dá-se provimento ao recurso para tornar definitivo o cancelamento do registro do título de Saint Peter Quality Empreendimentos Ltda.
HAMILTON ELLIOT AKEL
CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA E RELATOR
Agravo de Instrumento n° 0013074-05.2015.8.26.0000
Apelante: Roseli Malafatti Nicoletti
Apelado: 15° Oficial de Registro de Imóveis da Capital e Saint Peter Quality Empreendimentos Ltda.
DECLARAÇÃO DE VOTO CONVERGENTE
VOTO N. 31.357
1. Roseli Malafatti Nicoletti interpôs agravo de instrumento contra decisão que, em processo de dúvida, não só admitiu a intervenção Saint Peter Quality Empreendimentos Ltda. como terceiro interessado, como também concedeu medida liminar para determinar o registro do título desse interveniente, a despeito da anterior prenotação do título de Roseli.
Concedeu-se efeito suspensivo ao agravo de instrumento e determinou-se o cancelamento do registro do título que Saint Peter fizera prenotar.
Saint Peter respondeu ao agravo de instrumento, alegando que a decisão agravada está correta.
2. Em linha perfeitamente ortodoxa, a solução correta aqui consiste em não conhecer deste agravo de instrumento, porque esta espécie de recurso não existe no processo de dúvida antes da prolação da decisão terminativa de primeiro grau.
De um lado, o sistema recursal não se aplica ao processo de dúvida registral senão depois da sentença:
“Prevê a Lei de Registros Públicos o recurso de apelação contra a sentença no processo de dúvida registral (art. 202), com o que se enseja, a partir do proferimento da sentença (§ 1º, art. 162, CPC), a incidência da disciplina recursal do CPC (arts. 499 e ss. e, designadamente, arts. 513-521). […] E porque o processo de dúvida só se rege pelo CPC, nos limites e em função da norma específica do art. 202, LRP, a contar da prolação de sentença, não cabe o recurso de agravo contra as decisões interlocutórias na dúvida, decisões essas que, por isso mesmo, não precludem até o prazo da apelação, ressalvado o possível manejo de agravo contra decisão interlocutória posterior à sentença (denegação de seguimento do apelo).” (DIP, Ricardo, comentário ao art. 198 da Lei 6.015/1976. In: Lei de Registros Públicos Comentada. Rio de Janeiro: Forense, 2014, p. 1.077).
De outro lado, o art. 246 do Código Judiciário do Estado (Decreto-lei Complementar 3, de 27 de agosto de 1969, verbis “De todos os atos e decisões dos juízes corregedores permanentes sobre matéria administrativa ou disciplinar, caberá recurso voluntário para o Corregedor Geral da Justiça, interposto no prazo de 15 (quinze) dias, por petição fundamentada, contendo as razões do pedido de reforma da decisão.”), a despeito de sua aparente abrangência, nunca foi interpretado por este Conselho como se indiscriminadamente autorizasse o cabimento do agravo:
“Como é expresso o art. 202 da Lei n. 6.015/73, no procedimento de dúvida somente é cabível o recurso de apelação ante a não configuração de preclusão na esfera administrativa, dada a presença do poder hierárquico. Não há previsão normativa da recorribilidade de decisões interlocutórias administrativas no processo de dúvida. Excepcionalmente é admitida a figura do agravo de instrumento na hipótese do não recebimento do recurso de apelação, justamente em razão da impossibilidade do conhecimento do recurso administrativo.” (CSMSP, Al 0001665-03.2013.8.26.0000, j. 9.5.2013)
“Com efeito, conforme se tem entendido, o agravo de instrumento é modalidade recursal destinada ao ataque de decisão interlocutória proferida na esfera jurisdicional. Contra as decisões administrativas do Juiz Corregedor Permanente, proferidas em processo de dúvida registral, diversamente, cabe, tão somente, nos termos do art. 202 da Lei n. 6.015/1973, o recurso de apelação, ao final do procedimento, devido à inocorrência de preclusão na esfera administrativa. Daí o não cabimento, como regra, do agravo de instrumento em processos de dúvida (CSM-Al n. 96.905; Al n. 000.869.6/7-00; Al n. 1.093-6/2).” (CSMSP, Aglnst 990.10.070.528-8, j. 30.3.2010)
“O recurso de agravo de instrumento, em procedimento de dúvida, tem cabimento restrito, uma vez que não há, via de regra, decisões interlocutórias. Está cingido às hipóteses que negam seguimento ao recurso de apelação, sendo aceitável sua interposição no caso, quando foi indeferida a pretensão de ver restituído o prazo de apelação que decorrem sem qualquer providência dos procuradores e advogados da ora agravante.” (CSMSP, AC 046519-0/5, j. 05/03/1998)
“A hipótese, a rigor, não é de agravo de instrumento, como deduzido pelo interessado. É cediço que contra as decisões administrativas do Juiz Corregedor Permanente cabe recurso administrativo, com fulcro no art. 246 do Código Judiciário. Agravo de instrumento, porém, é recurso dirigido contra decisão interlocutória na esfera jurisdicional, pelo que incabível na hipótese, mesmo que se cuidasse (e na espécie não se cuida) de mera decisão interlocutória em matéria administrativa, porque irrecorríveis estas. A propósito orientação desta Corregedoria, cf. Decisões, Biênio, 84/5, verbetes 5, in verbis: “Das decisões interlocutórias proferidas em processo administrativo não cabe recurso algum. É que não são elas dotadas de força preclusiva, significando que, em grau de recurso (interposto da decisão final), podem ser revistas”. No mesmo sentido também decidiu recentemente V. Exa. (Proc. CG 161/89).” (CGJSP, Autos 222/89, j. 12/12/1989, parecer de Vito José Guglielmi)
Entretanto, a hipótese ora trazida ao conhecimento deste Conselho é completamente excepcional, o que justifica que, também excepcionalmente, se conheça do agravo de instrumento e a ele se dê provimento, na esteira do voto do eminente Desembargador Relator. É que, no caso, o juízo a quo (a) admitiu intervenção de terceiro, (b) concedeu medida liminar e (c) modificou a ordem de prenotação de títulos, providências essas que não cabíveis sequer em tese.
Em primeiro lugar, a intervenção de terceiros, em qualquer das modalidades (cf. CPC/1973, arts. 46-80), não cabe em processo de dúvida, por absoluta falta de previsão legal na LRP/1973, arts. 198-207:
“Afasto o ingresso de Cícero José Gomes porque o procedimento de dúvida, que é de natureza administrativa, não tem lide e não comporta a intervenção de terceiro disciplinada nos artigos 56 a 80 do Código de Processo Civil. Nesse sentido decidiu este Colendo Conselho Superior da Magistratura na Apelação Cível n° 510-0, da Comarca de Ribeirão Preto, em que foi relator o Desembargador Bruno Affonso de André. Com efeito, o procedimento de dúvida se destina a solucionar o dissenso existente entre o Oficial de Registro de Imóveis e o interessado, decorrente da recusa do registro de título para tanto protocolado e prenotado. Admite-se, é certo, na forma dos antecedentes deste Colendo Conselho Superior da Magistratura, a apelação interposta por terceiro interessado, mas desde que a decisão da dúvida possa atingir direito de que é titular, devidamente comprovado, do que não se cuida porque o interveniente não demonstrou que o registro do título apresentado pelo apelante poderá afetar direito real seu, regularmente constituído, sendo este procedimento inadequado para a discussão sobre a prevalência de direitos representados por títulos diferentes, protocolados em momentos subsequentes, sabido que a qualificação da carta de arrematação apresentada pelo interveniente depende do resultado da qualificação do título previamente protocolado pelo apelante e que, portanto, goza de prioridade (artigo 186 da Lei n° 6.015/73).” (CSMSP, AC 964-6/0, j. 16/06/2009)
“[…] os apelantes não têm legitimidade para intervirem no processo de dúvida, nem, consequentemente, para recorrerem da sentença que julgou a dúvida do Oficial. O processo de dúvida é de natureza administrativa, sem existência de lide. Como escreve SERPA LOPES, “administrativa é a natureza do presente processo (processo de dúvida), de modo a excluir toda espécie litigiosa ou que afete o direito patrimonial de alguém, pela contestação de qualquer das partes” (“Tratado dos Registros Públicos”, vol. II, pág. 364, Freitas Bastos, 5ª ed., 1962). Aliás, o próprio legislador cuidou de acentuar esse caráter ao preceituar que “a decisão da dúvida tem natureza administrativa e não impede o uso do processo contencioso competente” (art. 204 da Lei de Registros Públicos). Por isso o processo de dúvida não admite assistência ou qualquer tipo de intervenção de terceiro (WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA: “Comentários à Lei de Registros Públicos”, vol. II, pág. 967, Forense, 2ª ed., 1979). Neste sentido, o reiterado pronunciamento deste Egrégio Conselho: Ag. de Instr. n.° 231.807, rel. Des. MARTINS FERREIRA, in Rev. dos Tribs., 463/116; Ap. Cível n.° 260.693, rel. Des. ACÁCIO REBOUÇAS, in FRANCISCO DE PAULA SENA REBOUÇAS: “Registros Públicos – Jurisprudência”, pág. 7, Ed. Rev. dos Tribs., 1978, Ap. Cível n.° 176-0, rel. Des. ADRIANO MARREY, in RJTJESP, 66/410). O que o processo de dúvida admite é a apelação do terceiro prejudicado (art. 202 da Lei).” (CSMSP, AC 510-0, j. 01/10/1981)
Em segundo lugar, em processo de dúvida também não existe a possibilidade de conceder medida cautelar liminar nem antecipação de tutela, seja por falta de previsão legal, seja por incompatibilidade entre a instabilidade das decisões provisionais e a segurança que se espera do registro de imóveis:
“Quanto aos requerimentos formulados, o pedido de tutela antecipada, que foi indeferido pelo MM. Juiz Corregedor Permanente (fls. 24), não podia, mesmo, ser acolhido porque não existe previsão legal específica para a aplicação do instituto da tutela antecipada em procedimento puramente administrativo, como o presente, que é regido pelo princípio da legalidade estrita e em que, por esse motivo, não prevalecem as normas de direito processual contidas no Código de Processo Civil. É o que se verifica no r. parecer apresentado pelo MM. Juiz Auxiliar, Dr. Vicente de Abreu Amadei, no Processo CG n° 959/2006, com o seguinte teor: “Ademais, em procedimento administrativo não incidem nem se aplicam, por analogia, as normas do Código de Processo Civil, razão pela qual não há que se cogitar em tutela antecipada”.” (CGJSP, Processo 7.457/2009, j. 12/02/2009)
Em terceiro lugar, em nenhuma hipótese e a nenhum pretexto se pode violar a ordem decorrente da apresentação e prenotação dos títulos. Qualquer consequência, sobre o título da agravada Saint Peter, do tempo necessário para a qualificação e (se for o caso) inscrição do título da agravante Roseli é questão absolutamente alheia ao processo de registro e que, portanto, não serve para justificar o rompimento da regra prior tempore, potior iure, fundamental no sistema de registro de imóveis.
3. Ante o exposto, dou provimento ao recurso de agravo de instrumento, para tornar definitivo o cancelamento do registro do título de Saint Peter Quality Empreendimentos Ltda.
ARTUR MARQUES DA SILVA FILHO
Presidente da Seção de Direito Privado
Agravo de Instrumento n. 0013074-05.2015.8.26.0000
Agravante: Roseli Malafatti Nicoletti
Agravado: 15° Oficial de Registro de Imóveis da Comarca da Capital
TJSP-VOTO N° 23.339
DECLARAÇÃO DE VOTO DIVERGENTE
Registro de Imóveis.
Agravo de Instrumento desnecessário – Procedimento de dúvida que, em primeira instância, tem caráter administrativo – Ausência de preclusão das decisões – Revisão hierárquica e poder de auto tutela.
Dá-se provimento ao recurso, vencido na questão de ordem.
1. Cuida-se de Agravo de Instrumento contra decisão proferida pelo Juízo Corregedor Permanente do 15° Oficial de Registro de Imóveis da Comarca de São Paulo, que determinou, em procedimento de dúvida, a expedição de ofício ao Cartório de Registro de Imóveis possibilitando o registro de título em favor de um terceiro (instrumento particular de instituição, discriminação, especificação e convenção de condomínio), em desobediência à ordem de prioridade estabelecida pela Lei de Registros Públicos, pois o título objeto da dúvida tem número de ordem de prenotação anterior.
Concedido efeito suspensivo ao Agravo (fl. 13, 223/224 e 242), determinou-se a averbação do cancelamento do registro do título apresentado pelo terceiro interessado “Saint Peter Quality Empreendimentos Ltda.”, o que foi providenciado consoante fl. 243/365.
É o relatório.
2. Respeitado o entendimento diverso do Excelentíssimo Desembargador Relator Corregedor Geral da Justiça, não haveria como ser conhecido o recurso de Agravo de Instrumento. Apenas no tocante a esse tópico, ousamos discordar, data venia.
De antemão, cumpre conceituar o que vem a ser dúvida.
O processo de dúvida é definido como um procedimento de natureza administrativa destinado a solucionar controvérsia existente entre o apresentante do título e o Oficial Predial, a respeito da registrabilidade do título, ou nas palavras de Ricardo Henry Marques Dip e Benedito Silvério Ribeiro: “…em acepção material: o juízo emitido pelo administrador no exercício de suas funções, obstando a pretensão de registro; em acepção formal: o procedimento de revisão hierárquica do juízo administrativo de objeção a uma pretensão de registro” (in Algumas linhas sobre a Dúvida no Registro de Imóveis, pág. 2).
A Lei de Registros Públicos prevê apenas a apelação como recurso no procedimento de dúvida. O Código de Processo Civil não regulamenta tal procedimento e não há no Código Judiciário estadual previsão de outros recursos contra decisões proferidas nos processos de dúvidas registrárias. [1] O artigo 246 do Código Judiciário, data máxima venia, não trata de agravo de instrumento, mas de recurso voluntário ao Corregedor Geral da Justiça.
Segundo essa sistemática recursal, no processo de dúvida, decisão interlocutória é irrecorrível, pois inexiste preclusão. Com efeito, o processo administrativo submete-se aos princípios da revisão hierárquica e da autotutela; as decisões interlocutórias podem ser revistas a qualquer tempo, sem necessidade de recurso específico como o agravo ou o recurso administrativo.
Nesse sentido já decidiu a Egrégia Corregedoria Geral da Justiça de São Paulo:
“Conforme tem sido reiteradamente decidido por esta Corregedoria-Geral e pelo Conselho Superior da Magistratura, não cabe recurso contra decisões interlocutórias em procedimento administrativo, já que elas não estão sujeitas à preclusão, e poderão ser reexaminadas no momento oportuno, após a decisão terminativa do procedimento (Agi 1.272-6/0, j. 30.06.2010, Rel. Des. Munhoz Soares; Agi 990.10.070.528-8, j. 30.03.2010, Rel. Des. Munhoz Soares; Processo CGJ 2008/66535, de 05.09.2008, parecer do MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria José Antônio de Paula Santos Neto, aprovado pelo então Corregedor-Geral da Justiça Ruy Camilo). Há duas razões fundamentais para o descabimento do recurso administrativo contra decisões interlocutórias administrativas: a) a inexistência de preclusão na esfera administrativa, o que torna despicienda a sua interposição; b) a incompatibilidade entre o processamento do recurso, interposto perante o órgão prolator da decisão, e o pedido de reexame imediato pela instância administrativa superior. Embora a recorrente tenha atribuído ao remédio a denominação de recurso administrativo, postula a remessa dos autos à Corregedoria-Geral, para exame imediato, caso mantida a decisão. O recurso teria, então, o seu processamento na instância superior, sem prejuízo do normal andamento do pedido de providências na instância inferior, o que acabaria por dar-lhe a natureza de verdadeiro agravo de instrumento. No entanto, nos procedimentos administrativos não se admite o agravo, por falta de previsão no Código Judiciário do Estado de São Paulo.” (Processo 2011/00049794.001)
E também o Colendo Conselho Superior da Magistratura:
“O agravo não merece cognição porque, segundo precedentes da E. Corregedoria-Geral (Proc. CG 8.437/1993, Prot. CG 29.120/1995 e Proc. CG 1.734/1996), incabível nos procedimentos administrativos. É que tais procedimentos não são regidos pelo Código de Processo Civil, não há no Código Judiciário Estadual previsão de ataque de tais decisões por agravo e não se harmoniza à finalidade de tal recurso evitar a preclusão da questão decidida, com os princípios da revisão hierárquica e da autotutela vigentes na seara administrativa” (Ap. Cív. 096905_0/8, Comarca de Socorro).
Diante do inusitado, concessão de liminar no processo de dúvida em favor de terceiro para se determinar o registro de outro título que não o objeto da dúvida, em desobediência ao princípio da prioridade, bastaria, data máxima venia, ao Eminente Corregedor Geral, de ofício, ante o poder de autotutela, determinar ao Oficial de Registro de Imóveis o respeito à ordem de prioridade da prenotação, cancelando-se (como de fato acabou sendo cancelado) o registro feito em desobediência ao artigo 186 da Lei de Registros Públicos.
Interessante anotar, demais, que os atos de averbação fogem do âmbito de competência do Colendo Conselho Superior da Magistratura. In casu, acabou-se por determinar a averbação do cancelamento do ato registrário.
Por epítome, tratando-se de procedimento administrativo, inexistindo preclusão, desnecessário o conhecimento do Agravo de Instrumento. A matéria, em razão do poder de revisão hierárquica e da autotutela, poderia ser conhecida imediatamente pela Egrégia Corregedoria Geral de Justiça, independentemente da formação do instrumento.
No mais, vencido na questão de ordem, o recurso merece provimento, nos exatos termos do voto do Eminente Relator, cancelando-se o registro do título com número de ordem posterior ao título objeto da dúvida, ex vi da redação do artigo 186 da Lei 6.015/73.
3. Ante o exposto, pelo animo esposado, pelo meu voto, dou provimento ao recurso, vencido na questão da ordem.
RICARDO MAIR ANAFE
Presidente da Seção de Direito Público
[1] A propósito, cfr. LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos, teoria e prática, 5ª edição, São Paulo: Método, 2014, p.378-379.
(DJe de 19.08.2015 – SP)